quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Depois do término da leitura de "Catatau", de Paulo Leminski

Acabei de ler o "Catatau" de Paulo Leminski. Foi uma leitura sem pressa e que fiz em 43 dias. Lia várias páginas seguidas, horas seguidas. Depois o livro ficava lá me esperando. Eu lia uma ou duas páginas. E ele voltava a ficar ao meu lado. Algumas vezes acima do livro "Sobre a Literatura", do Umberto Eco (esse livro tenho lido, lido, relido e relido sempre desde meados de 2010 quando o comprei por 9,90 reais na tradicional liquidação das Livrarias Curitiba). Outras vezes o "Catatau" ficava abaixo dos ensaios do Umberto Eco. Alternaram posições. Um por cima, o outro por baixo. Trocavam de posição. Um por baixo, outro por cima. Um jogo. Uma provocação. Um me chamava para ser lido. E eu respondia ao outro que não pedira para ser lido naquele momento. Um ia para a cama comigo. O outro, no escritório, esperava. Nenhum reclamava. Os dois apenas sabiam esperar.

Agorinha mesmo, ao sentar-me à frente do monitor do meu computador, enquanto minha mão apertava o botão de "power" do estabilizador de voltagem, depois, do "power" do computador antigo e returbinado recentemente, veio uma frase. Dessas que aparecem inteiras, sem nos fazer refletir nada mais. Apenas veio, assim:

"Que ecos de Umberto ecoaram no oco de Leminski? Occam xangô? Poeta do axé? Bashô tropical embananado pela bebedeira de besteiras escondidas em garrafas de náufragos?"

Depois da frase, como faço de vez em quando quando termino de ler um livro que me impressionou mais - os livros sempre me impressionam, em graus diferentes, claro! - anotei no espaço já não mais em branco daquela página 208:

"Terminei a leitura às 8h10 do dia 7 de setembro de 2011. Dia típico de Curitiba. Faz frio - pouco - e chove bastante. Céu cinzento e ideias tão coloridas surgem no horizonte".

E assinei em baixo.

Algumas reflexões sobre o fato do "Catatau" ter convivido com "Sobre a literatura" em cima de minha mesa, minha escrivaninha, meu depósito de sonhos, de ideias e da poeira que incomoda só a minha companheira.

Quando pensei em escrever "O dia em que morreu Leminski", minha peça de teatro que teve leitura - pra lá de simbólica - no auditório Paul Garfunkel da Biblioteca Pública do Paraná, no dia 24 de agosto de 2011, data em que Paulo Leminski poderia estar comemorando 67 anos, minha escrita foi bastante inspirada numa frase que Umberto Eco colocou no livro referido acima: "a coisa mais importante é que os livros falam entre si".

Foi o que eu fiz, os livros dialogando, brigando, se enfrentando, estabelecendo trocas, proporcionando descobertas mútuas, fazendo revelações, provocando-se no contato capa-a-capa nas prateleiras de uma estante. E os livros, na condição de personagens, se enfrentam mesmo e tentam colocar para fora mais que sentimentos, mais que palavras, mais que dúvidas. Colocam para fora a certeza de que, dia mais, dia menos, farão de seus autores futuros personagens. Nos personagens, mais que uma só voz. Serão múltiplas vozes. Uma que nasce da outra. Certezas ou dúvidas? O poeta vai virar poesia. Vai? O escritor vai se transformar em personagem. Pode? O autor vai virar livro. Quem sabe? Quem acaba de desaparecer, não vai demorar muito e será objeto de estudo, de dissertações, de teses. Será? Será livro ou inspiração para um livro, um romance, uma poesia, uma peça de teatro. Foi mesmo? O que veio, veio. Está aí. Ponto final.

E o que diz, em "Catatau", aquele Cartesio, o Descartes com sua lente que tem o poder de invadir e de inverter imagens? De criar novas perspectivas, frustrando expectativas. O que ele diz, como Leminski disse:

"Todo esse esforço em me tornar puro espírito, e agora vêm os especialistas dizer que não resisto ao próximo espetáculo. Queimo tudo isso aí, teimo em ficar irreconhecível. Quem me busca entre as cinzas de mim?"

É um pouco disso, desse espírito de Cartesio-Leminski que Demétrio Trindade (meu personagem em "O dia em que morreu Leminski") tem e põe para fora. Ele diz:

"(...) Se quiser sendo o que sou, poderei ser muito mais e um pouco além daquela poeirinha que está naquela prateleira vazia. (...) Daqui a pouco serei levado por alguém para outro lugar. E que lugar é esse para onde querem e vão me levar e que não me explicam o real motivo nem a razão disso ser mesmo necessário. O que querem de mim vocês que me esperam?"

Leminski pergunta: "Quem me busca entre as cinzas de mim?".

Demétrio responde: "Se quiser sendo o que sou, poderei ser muito mais e um pouco além daquela poeirinha que está naquela prateleira vazia".

Cinza é vestígio. É o que foi. É pó. É poeira. É consciência que vai virar alguma coisa que depois vai virar de novo consciência e que consciente ou não vai virar de novo pó, poeira, cinza. Será o que foi. Foi o que poderá vir a ser. Sei lá. Pode mesmo? Isto não termina, recomeça sempre. Termina para recomeçar. Começa para ter um infinito fim.

E de novo, no diálogo que nunca existiu entre Leminski e personagens que nasceram depois de seu desaparecimento, há um diálogo permanente entre o Leminski que sempre foi e que sempre vai existir e que, nas palavras de Umberto Eco, naquele livro que tem me acompanhado ultimamente, traduz um sentimento que está em Leminski, como pó, como vestígio, como poeira, como cinza. Sobretudo como partícula inspiradora, semente de vida, e que somente numa outra vida poderia asseverar com tamanha propriedade e eficácia:

"Infeliz e desesperado aquele que não sabe se dirigir a um leitor futuro".

Aos leitores do futuro, uma resposta. Mas as necessárias novas perguntas.

Respostas quem as tiver que pense melhor. Melhor é só perguntar.

"O que querem de mim vocês que me esperam?"

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