terça-feira, 12 de abril de 2011

Dando a cara a tapas na "arena das vaidades extremas"


Thadeu Peronne e Mazé Portugal em "Amores (re) Partidos"
O triângulo entre Mazé, Peronne e Ana Paula Taques
Encaminhei para Douglas Daronco o seguinte e-mail. Nele, algumas considerações acerca do que é ter a chance de participar do jogo na "arena das vaidades extremas".


Foi assim, enviado a ele.


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Douglas,

Uma expressão, um dito popular, veio à minha cabeça quando terminei de ler a severa crítica do Valmir Santos sobre a montagem de "Amores (re) partidos".

Fiquei ruminando algumas ideias e fui buscar a tal expressão - super conhecida - para comentar com você.

Apareceu então:

Dar cara a tapas
dar a ca.ra a ta.pas
1.     enfrentar (algo), por-se à prova.


Quando empreendemos alguma coisa, em qualquer campo de atividade, corremos riscos. Podemos agradar, podemos ter sucesso, podemos não agradar e podemos fracassar. O pior, no entanto, é não arriscarmos, é nos omitirmos, é fugir da raia, é não tentar, é "não dar a cara a tapas".

Quem entra num jogo sabe que pode marcar um gol, fazer uma cesta, marcar o ponto na disputa da final de basquete da Olimpíada. Pode - e como pode - jogar mal, marcar um gol contra, chutar o pênalti para fora, errar o último lance livre. Além disso tudo, pode ter câimbras antes de tocar a borda da piscina, pode levar um forte chute na canela, pode levar um empurrão. Pode tudo isso e um pouco mais.

Quem tem coragem pode ganhar uma medalha de ouro, mas pode - e como pode - ficar em último lugar, mas, mesmo assim, completar a prova duas horas e meia depois que o último colocado foi aplaudido arrastando-se no estádio na final de uma Maratona olímpica.

Quem entra em qualquer jogo dá, simbolicamente, "a cara a tapas". É assim e sempre será assim.

Antes da estreia de seus textos, os dois que deram o título de "Amores (re) partidos", você entrou no jogo. Literalmente assumiu o risco de chegar ao primeiro lugar ou de ser vaiado por ter sido expulso da partida final por um simples equívoco do juiz. É o jogo. E para jogar é preciso coragem para entrar em campo. Tem que ter, também, esta oportunidade de ser convocado para integrar uma equipe, para treinar, para se esforçar, para, só então, se preparar para entrar em campo, para ser aceito no jogo e para jogar. O jogo é jogado, assim. Tem que se cumprir determinadas etapas. Sem elas, corre-se o risco de não se preparar adequadamente e de entrar em campo e, nos minutos iniciais do jogo, sentir uma antiga lesão e ter que ser substituído quase nos primeiros lances da decisiva partida. É o jogo, e o jogo é assim mesmo.

Então, desejando e com muita vontade de entrar no jogo - e como esse jogo é ardiloso, meu caro Douglas - você se esforçou, se preparou, reuniu forças, abriu mão de tantas coisas, não é? Pois você queria participar oficialmente de um jogo de gente grande. De gente grande que não tem o mínimo escrúpulo de chutar sua canela, de entrar de carrinho por trás, de empurrá-lo para fora do gramado, de afogá-lo nas braçadas finais dos 400 metros golfinho, de enfiar o dedo no seu olho na disputa daquele lance - de vários jogos - onde o juiz não vê a falta e, se vê, finge que não viu. É o jogo, e o jogo é assim mesmo.

Você se preparou, teve seu texto escolhido para integrar uma coletânea de peças de teatro ao lado de tantos outros eleitos para participarem da seleção de dramaturgos iniciantes do Paraná. Depois viu aquele mesmo texto ter uma leitura dramática no palco. As personagens ganhando vida, nas vozes de duas atrizes e de um ator. Todos eles orientados por um experiente, renomado e premiado diretor. E o resultado disso tudo você sabe qual foi. Você estava lá e sua voz dramatúrgica ganhava, finalmente, o campo do jogo, fazia-se presente, "dava a cara para bater".

Comentários a parte, mesmo com tudo o que aconteceu com seu texto, você, ainda, timidamente, estava participando de um jogo de amadores, de iniciantes. De um jogo onde se aceita as regras, não se impõe nada e, por sorte, sai do jogo sem nenhum arranhão ou chute na canela. Mas um primeiro estágio você cumpriu. Credenciou-se para tentar um passo mais adiante, para subir um degrau mais alto, para ser aceito num jogo com mais pessoas capacitadas a jogar com você e, outras, para impedir que você tivesse êxito no seu intento, ou, mesmo tendo, que seu êxito não fosse considerado válido. Até que pudessem - e como podem - anular sua força, sua vontade, sua dedicação. Pior, anular o seu sonho. O sonho amador do menino que pela primeira vez veste uma camisa oficial e participa de um jogo oficial de um esporte qualquer pela primeira e definitiva vez.

Então chegou a oportunidade de entrar em campo num grande cenário, num campo maior, no estádio das vaidades e onde, nele e por ele, vale tudo, de xingarem sua mãe, de poder xingar a mãe dos outros, de ser ético ou de receber, no meio da multidão, um chute bem forte, não na canela - que dói, como dói - mas no meio da cara.

Uma companhia escolheu seu texto, aquele mesmo que você abriu mão de qualquer remuneração, apenas para ter a oportunidade de ver o seu trabalho encenado - entrar no jogo oficial, mesmo na programação da beirada, do tal Fringe - num renomado festival de teatro brasileiro.

Então, no jogo, agora, você ganhou a companhia de outros tantos jogadores. De muita gente bem mais experiente na arte de jogar com a palavra e a emoção. Você, enfim, foi aceito para integrar um time e seu time, com muitos outros participantes, iria estrear sua peça que foi "saudada" com uma bela matéria (matéria de sonho, se quer saber) no mais importante jornal do Paraná.

Antes de o jogo começar todos os demais participantes do mesmo festival invejaram sua "sorte de principiante" - a sua, não a do Thadeu ou da Mazé, experientes e tarimbados atores e produtores teatrais. E você, meu caro Douglas, ganhou as páginas da mídia e sua atuação, no limite do que você deveria chegar ao ser o autor de um texto teatral, agora iria enfrentar, definitivamente, o olhar e a crítica de um estádio lotado, com a maior parte de um público que ia torcer contra você e seus companheiros. É o jogo, e o jogo é assim mesmo.

Literalmente "dando a cara para bater", expondo-se, iluminado por todos os refletores possíveis, aos olhos atentos e desejosos de sangue na "arena das vaidades extremas", seu texto ganhou destaque e foi um dos escolhidos para ser objeto de uma análise crítica de um dos mais consagrados críticos teatrais brasileiro dos últimos tempos.

E o crítico, como um simples espectador foi ver o seu "Amores (re) partidos". Entrou e sentou-se como todos os demais espectadores que prestigiaram a montagem. Foi lá, viu, anotou.

E você, meu caro Douglas, mesmo não esperando isso acontecer assim tão rápido, foi novamente premiado, foi escolhido, ganhou a atenção de gente de peso.

Mas nós sabemos que assim como "não há almoço de graça", não há "crítica de graça" também. Se o chamado para que mais pessoas fossem ver e testar sua coragem de se expor com seu texto na tal "arena das vaidades extremas", estava quase que combinado - e combinado está mesmo - que um olhar mais atento e impiedoso estaria lá, naquele dia, pronto para enxergar o que ninguém enxergou e para apontar o que ninguém apontou antes do jogo efetivamente ser iniciado. É o jogo, e o jogo é assim mesmo.

Findo o jogo, computados os tentos a favor e os gols contra, num empate, numa vitória ou numa derrota, uma resenha deveria mesmo ser feita, uma crítica deveria ser publicada, os comentários - bons ou ruins - teriam que ser divulgados. E a voz potente decretou o que decretou. Disse o que ela tem o direito de dizer. Colocou as coisas como devem ser colocadas. Às claras, sem disfarces, ali, na lata! É o jogo, e o jogo é assim mesmo.

E o que aconteceu, e o que vai acontecer depois da "sentença" do Valmir Santos?

Foi um primeiro jogo - claro, um jogo importante - mas só um jogo, o primeiro de uma série infinita de novos jogos e de novas possibilidades de acertos e de erros, neste campeonato onde se joga como nunca na tal "arena das vaidades extremas" e onde se deve aceitar, várias vezes, mudanças de regras em pleno jogo, mas onde, nas regras, a mais clara delas é que não é permitido, nunca, nunca mesmo, abandonar o campo de batalha em pleno jogo, nem se deve deixar o campeonato, apenas porque o juiz, rigoroso, decidiu mostrar-lhe um "cartão amarelo", aquele de advertência.

Você, meu caro Douglas, teve a coragem de "dar a cara a tapas". Infelizmente e isso tem que ficar bem claro, você não sabia se seria um leve tapa, um tapa um pouco mais forte ou um murro. E não sabia, nem poderia saber, claro, se o murro era um murro um pouco mais forte ou um potente golpe desferido por um "peso pesado". Se doeu - sempre dói, mesmo - a dor passa. Se ficou com um olho roxo - o tempo retira todas as marcas visíveis. Se muitos da platéia vaidosa no extremo de seu prazer estão rindo às suas costas e à custa de um trabalho executado com coragem e amor pelo jogo, lembre-se que a batalha pela conquista do campeonato apenas está começando. Coisas ruins, muito piores ainda virão, tenha certeza absoluta. Mas, também, aos poucos, devagar, sem pressa virão, não os aplausos frágeis, mas a certeza de que para estar no jogo e ser reconhecido como um real participante dele, é preciso sem medo e com muita coragem aprender um pouco mais de como se entra no jogo e como se aprende a enfrentar e aceitar vitórias, empates ou derrotas. Em resumo, como se aprende a viver no mundo do teatro, nesta "arena das vaidades extremas", para então, definitivamente aprender uma lição real, válida. Como se dá a cara a tapas.

Um forte abraço

Rogério Viana

domingo, 10 de abril de 2011

"Um Lugar Estratégico", tradução de texto de Gracia Morales, autora espanhola

A ponte é um lugar estratégico que faz voar fora da realidade.
Conclui, na tarde de sábado, dia 9 de abril, a tradução do segundo texto - Um Lugar Estratégico - que me foi enviado pela professora, atriz e autora espanhola (de Granada) Gracia Morales. O texto ganhou, na Espanha, o prêmio Miguel Romero Esteo, em 2003.

Um Lugar Estratégico

O texto trata do encontro, numa ponte que se divide por uma linha fronteiriça e que separa duas comunidades inimigas, de um casal pertencente a estas duas comunidades e que chegam a esse lugar proibido e símbolo do rompimento da guerra e que estabelece um diálogo cheio de desconfiança, receio e rancor sobre o outro, fruto do isolamento e do desconhecimento mútuos.

O leito do rio está seco e o desejo de que volte a levar água, representa a esperança de mudar a situação. Se enfrentam otimismo e ceticismo nas posturas de ambos personagens, também a agressividade, representada pela mulher, frente ao desejo conciliador do homem. Estes sentimentos se intercambiam ao longo do texto.

A ponte é apresentada como "um lugar estratégico" que faz voar (sonhar) fora da realidade ou, pelo menos, fora de uma série de regras estritas e preestabelecidas; um lugar simbólico (o simbolismo joga um papel primordial na linguagem dramática do texto) onde o tempo passa de outro jeito, numa espécie de torvelinho que comunica passado, presente e futuro, testemunha de todas as guerras e sobrevivente delas. As feridas de guerras passadas, que ameaçam constantemente com a possibilidade de voltarem, são difíceis de cicatrizar, porém falar sobre elas é um primeiro passo, cheio de esperança.

O casal protagonista mostra as intervenções de outros casais no mesmo espaço, porém em tempos diferentes: no passado, um casal de soldados inimigos com a missão de explodir a ponte; no futuro, um casal de adolescentes apaixonados simboliza a possibilidade de que algo está mudando. Toda a história aparece atravessada pela rítmica intervenção de uma personagem, a Andarilha, que não pertence a nenhum lugar, não conhece fronteiras e transita como quer pela ponte, cruzando fronteiras espaciais e temporais. À margem de regras, tenta pescar, porém só consegue pescar no rio botas de números e cores distintas, que não formam nunca um par, até que... o vento começa a mudar.

O texto

As pessoas interessadas em lerem "Um Lugar Estratégico" poderão solicitar o texto pelo e-mail:
rogeriobviana@yahoo.com.br

Ele será enviado no formato PDF.