sábado, 23 de janeiro de 2010

Blog do Drama

"What's New Pussycat?" no lotado metrô de Tókio.

(Imagens da internet)

De vez em quando alguém diz em tom sentencioso: “Não faça drama, cara!”. O significado é fácil de se entender: “Não exagere!”. Algumas vezes para não ficarmos naquele mutismo constrangedor de estarmos no elevador com alguém desconhecido, saca-se a expressão: “Curitiba hoje está mesmo com cara de Curitiba. Não bastasse o céu acinzentado, vem mais chuva”. A pessoa nos responde, quase invariavelmente com algo próximo disto: “Eu esqueci o guarda-chuva lá no restaurante”. Se exageramos ou não – em Curitiba tem mesmo chovido muito neste começo de ano – estabelecemos algo dramático naquela conversa entre o oitavo e o andar térreo.

O que vai acontecer com os dois personagens que estão saindo do elevador? O que aconteceu com aquelas pessoas, numa cena comum de nosso cotidiano? Seria exagerado questionar que, questões assim sempre trarão motivos ou inspirações para o cronista, o contista, o novelista, o jornalista, o poeta e o dramaturgo escreverem? Mas será que nós – quem gosta de escrever, precisa escrever ou vive de escrever – sabe mesmo utilizar de acontecimentos tão banais para transformar aquilo em alguma forma de arte?

Na reportagem da TV, agorinha mesmo apresentada, o desaparecimento de filhos de três mulheres no Distrito Federal é anunciado como o “drama de três mães que não sabem onde seus filhos estão”. Volta-se a empregar a palavra “drama” e o tom dramático, para nós, está mais presente onde? No que aconteceu mesmo ou no que, no elevador, poderia ter acontecido?

O exagero nos faz dramáticos. O cotidiano é dramático. As tragédias urbanas são temas dramáticos. Nosso olhar, atento, também pode ser dramático. E tudo que é dramático nasce, antes de mais nada, da palavra. Sem ela não há drama, não há denúncia, não há notícia, não há lamento, nem poesia, nem prosa, nem exagero.

Esta semana eu traduzi um texto do dramaturgo venezuelano Néstor Caballero, na forma de um diário, cujo título é “De onde vem a dramaturgia?”. O autor revela, ao final do diário, que não sabe de onde ela vem. Mas mostrou como ela veio quando teve que fazer uma cirurgia no seu olho direito. No diário (dia 2), Caballero, escreveu: “A dramaturgia deixa palavras faladas no ar, para que todos as escutem, as vejam, as apalpem, as respirem, as saboreiem e, por que não, as cuspam se for preciso”. Em seguida, no dia 3: “O cerne da dramaturgia é a alma. Se a literatura dramática não tem sua raiz na alma, a palavra, na dramaturgia, murcha. Escrever teatro é atravessar aros de fogo. A alma se purifica, é verdade,porém o corpo, esgotado, fica em dívida, consumido”.

Quem escreve dramaturgia, antes de revelar o dom do “exagero, da justaposição irônica, da inversão e da projeção, todos os instrumentos que o dramaturgo utiliza para criar e o psicanalista usa para interpretar fenômenos emocionalmente significativos”, segundo David Mamet, revela um pouco de nossa alma. Aquela alma que quer ser mostrada, sentida, entendida, se for possível.

O que é importante para mim, sob meu olhar, quem sabe, possa ser importante para outras pessoas. E é através do que escrevo, do que em mim veio como provocação, ou inspiração e que nasceu dos momentos, minutos demorados, algumas horas, vários dias, intermináveis meses, anos a fio, que eu faço “drama”, e que esse meu exagero possa ser e ter sentido também em outras pessoas. Além disso, não escrevo apenas para revelar um drama, mostrar um exagero, mas deixar bem claro a necessidade que temos de sermos percebidos, notados, vistos, lidos ou ouvidos.

Minha mulher Vera, com quem estou casado há 6 anos, em 1989 visitou Tókio, onde morava seu irmão. Foi com o ex-marido e dois filhos – um de 3 e o outro de 6 anos. Nas andanças pela metrópole japonesa era inevitável andar de metrô, sempre lotado, muito lotado, insuportavelmente lotado. Numa das aventuras pelo metrô japonês, num final de expediente, quando os vagões estão ainda mais cheios, numa estação, entrou tanta gente, mas tanta gente, tanto japonês, que o então pequeno Lipe, de 6 anos, foi sentindo-se, digamos assim, espremido entre as pernas de seus pais e o de japoneses, japoneses... E, em tom dramático, ele gritou com sua voz rouca: “Vocês não veem que estão me empurrando?”. A voz do menino loirinho se foi ouvida, não foi entendida pelos japoneses. E o que o Lipe queria dizer e o disse, dramaticamente, é que ele estava ali e era preciso que o vissem, que o ouvissem e que parassem de espremê-lo naquele vagão do metrô japonês.

Quem escreve dramaturgia faz igual ao Lipe, o menino de 1989, no metrô de Tókio. Quer ser visto, quer ser ouvido e quer que parem de aprisionar sua voz, aquela voz que deve ser ouvida além da folha de papel, do monitor do computador, e ganhe corpo e se personifique em alguém, num personagem que caminha, respira e responde, não com “drama”, mas com arte.

Rogério Viana

(Hoje - sábado - amanheceu nublado, agora faz sol. Finalmente! Mas, acho que logo vai ficar nublado de novo e chover até o final da tarde)

A frase que utilizei na legenda da foto - "What´s New Pussycat?" - é o título de um filme de 1965, estrelado por Peter Selles e com roteiro escrito por Woody Allen. A música tema do filme é composição de Burt Bacarach e foi interpretada por Tom Jones. Veja e ouça aqui:

http://www.youtube.com/watch?v=FXrT8tz5nCc

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

E os tiros, onde pegaram? Bortolotto responde ao "Estadão"

Matéria publicada no jornal "O Estado de São Paulo"

Saiu hoje, no jornal "O Estado de São Paulo" a aguardada entrevista do dramaturgo Mário Bortolotto sobre a agressão e os quatro tiros que levou no dia 5 de dezembro, dentro do espaço Parlapatões, em São Paulo. Hospital, coma, várias cirurgias. Bortolotto havia prometido uma entrevista ao amigo de infância Jotabê Medeiros. A Folha de São Paulo tentou uma entrevista antes para furar o "Estadão". Bortolotto ficou "muito p da vida" com a Folha e, esta, por sua vez, bem... a história todos já sabem. Agora Bortolotto respondeu sobre os tiros. Está na edição "on line" do "Estadão" para quem quiser conferir.

Uma das perguntas da entrevista, sobre os tiros:

E os tiros, onde pegaram?

Cara, eu sou o menos indicado para falar dos tiros. Não sei direito. Sei que um pegou no coração. Foi o que mais deu problema, foram nove horas de cirurgia. Era para morrer, né? Os médicos mesmo falam que foi milagre eu ter sobrevivido, porque ninguém chega ao hospital vivo com um tiro no coração, morre no caminho. Em segundo lugar, ninguém sobrevive à operação. Eu consegui chegar ao hospital e sobreviver à operação. Os médicos não botam fé, dizem: "Bicho, é muito milagre."

A entrevista completa, no link:

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Bota Sete, Obama e um pouco de história

"Na mesa de sinuca, há anos, a bola não mais rolava tranquila e precisa para Bola Sete. Segurando seu copo de cerveja, depois de ter chorado ao lembrar-se de Stefan, ele deu mais um gole. A cerimônia da posse tinha terminado lá em Washington. Em Curitiba era hora de pagar a conta. Uma branquinha e duas loiras geladas. Agora a bola da vez era Obama." (...)

Meu filho, Rafael Viana, nasceu no dia 20 de janeiro de 1976. Naquele dia, no Brasil, comemorava-se no Rio de Janeiro, o dia do padroeiro da cidade, o "Dia de São Sebastião". Nos Estados Unidos, era o dia de se comemorar ou se lamentar a posse de seu presidente. Era o último ano do governo de Gerald Ford. Eu trabalhava em 1976, na cidade de Londrina, era repórter no jornal "Panorama", um grande empreendimento empresarial do ex-governador paranaense Paulo Pimentel, se não fosse, na verdade, uma aventura histórica pelos resultados desastrosos que produziu para o bem sucedido empresário e para sua carreira política. Em 1975, dentre outros fatos lamentáveis para a vida brasileira, registrou-se, nos porões da Ditadura, o assassinato do jornalista Vladmir Herzog (25 de outubro de 1975). Lembro-me muito bem de ter lido, em um despacho do telex da Agência Estado - um tipo de "post" da época que vinha por um aparelho, um trambolhão, chamado Telex-, a notícia sobre o "suicídio por enforcamento" do Herzog. Pouco tempo depois, talvez minutos, veio outro despacho da AE, assinado pelo responsável pela censura aos jornais O Estado de São Paulo, Jornal da Tarde e Agência Estado, determinando que a referida notícia sobre Herzog não poderia ser publicada.

No ano passado, 33 anos depois daquele dia, lá em Washington, numa manhã gelada, tomava posse o presidente Barack Obama. Aqui em Curitiba também fazia frio e o tempo estava com a cara fechada, só não chovia como chove hoje e choveu ontem. 20 de janeiro, dia de São Sebastião, dia em que se comemorava o primeiro aniversário da posse do senhor Obama e os 34 anos do Rafael, meu filho.

Assim, associando o aniversário de meu filho mais novo, hoje engenheiro agrônomo e pai do meu neto Ernesto, e também a figura de um homem negro que sempre via andando por bares da alameda Saldanha Marinho, região central curitibana, onde morei por quase dois anos, escrevi um conto tendo como personagem um jogador de sinuca, o negro Bola Sete e suas aventuras.

BOLA SETE

Antes de pedir a geladinha de sempre ele quis uma branquinha para esquentar. A chuva fina vinha e ia e o sol nada de aparecer. A manhã de verão estava mesmo com cara de outono. Antes de beber, Bola Sete ofertava a seus deuses parte da sua dose. Diante da televisão ligada, ele despejou no chão sua oferenda. Uma singela homenagem ao homem negro que, lá nos Estados Unidos, tomava posse como presidente da mais poderosa nação do mundo.

Também esguio e alto como Barack Obama, Bola Sete se sentiu orgulhoso ao ver o jovem senador norte-americano receber tantas honras na manhã gelada em Washington. Os olhos de outros desocupados fitavam a cerimônia com curiosidade. Bola Sete sorriu quando sua cachaça foi ao chão do bar de uma Curitiba que amanhecera fria e com o céu encoberto.

A TV mostrava milhares e milhares de pessoas esperando para presenciar a posse do novo presidente. A jornalista vestida com roupas pesadas dizia que perto de dois milhões de pessoas estavam ali. Bola Sete, aos 72 anos, recordou-se de um momento importante para a história brasileira. De passagem pelo Rio de Janeiro, em 1954, ele nunca imaginara estar cercado num mar de gente quando a população carioca foi às ruas pela morte de Getúlio Vargas. Dias depois chegou a São Paulo. Depois, seguiu em frente para Curitiba. No pequeno bar, ele assistia a outro momento histórico. Ficara ouvindo os comentaristas contarem sobre a trajetória de Obama. Que ele nascera em 1961. Em 1961? A data chama a atenção de Bola Sete. Então ele tem 47 ou 48 anos? Nossa! A idade que teria meu filho. Com certeza meu filho teria ficado um homem tão alto quanto aquele negro que logo vai virar o presidente dos Estados Unidos. O sorriso de Bola Sete desaparece por um instante. Lágrimas se instalam em seus olhos. Ele as limpa com o lenço que retira do bolso. Lembranças assolam Bola Sete e seus 72 anos, 54 anos em Curitiba.

(...)

Quem desejar ler todo o conto, acesse-o pelo link:

http://groups.google.com.br/group/estudos-de-dramaturgia-parana/files?hl=pt-BR



Otto

Nada podia tirá-lo daquele intento. Sabia o que queria e exigia atenção. Chegava a ser considerado um chato, tamanha era sua insistência. O rapaz percebendo, finalmente, o que ele queria, dirigiu-se até o corredor lateral da casa. Pegou o enforcador de corrente metálica, a guia de couro. Ele, então, todo agitado, tomou com a boca a guia. Correu até o grande portão. Fica! Esperou que colocassem nele o enforcador.

Quando o rapaz abriu o portão, ele, finalmente, reconhecera que sempre dava resultado insistir para passear com fazia com seu antigo dono. Saiu rosnando baixinho, de alegria e mijando em cada pedaço do caminho, em cada poste, em cada esquina.

O enjoo

Há dias vinha tendo enjoo. Dormia mal à noite. Levantava com gosto amargo. Logo que tomava os primeiros goles de água gelada, vinha aquela ânsia de vomitar. Mas não passava disso. A mãe e a avó especulavam. Essa menina está grávida! É bem provável que esteja grávida!

Ela, então, ia ao banheiro e, em seguida, voltava com um largo sorriso no rosto, mas ainda sentindo enjoo.

- Menstruei, vó! Menstruei, mãe!

O rapaz liga e combinam ir ao médico. Ela reclama que anda sentindo enjoo, que sua barriga parece estar inchada. E que acabara de menstruar pela manhã.

Seis meses depois, deitada na cama da maternidade, ela amamentava seu lindo e rosado bebê. O cabelo dele, bem pretinho e brilhante.

- Como foi possível?

A mãe e avó sabiam como. Ela ainda não acreditava, mesmo com o bebê no colo.

Despertar

Olhou firme para os olhos daquele homem todo esfarrapado e sujo. Disse em tom firme, incisivo:

- Levanta-te!

Nem estendeu a mão, num gesto caridoso. Repetiu:

- Levanta-te!

O homem, olhando-se no espelho, deu um sorriso. Lavou o rosto, passou a espuma de barbear, bem lentamente. Cortou sua barba como a muito não o fazia. Usou uma loção bem cheirosa. Vestiu uma roupa nova, sapatos novos, confortáveis.

No canto do espaçoso banheiro, a empregada recolheu a mal cheirosa e suja roupa.

Ele havia se levantado. Por si só, mais uma vez.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

De onde vem a Dramaturgia?

"Se o dramaturgo não escreve todos
os dias, está morto", diz Caballero

Há um caminho a ser pavimentado para que a dramaturgia chegue até um autor? Deve-se retirar subidas, descidas, eliminar curvas, deixar pontes mais seguras? Qual o roteiro que o dramaturgo deve seguir para permitir que a dramaturgia chegue até ele sem maiores desafios?

O autor venezuelano Néstor Caballero escreveu um diário, em julho de 2003, e narrou com poesia e bom humor, o que enfrentou para ver, literalmente, novamente a dramaturgia no seu dia-a-dia.

Ele é o autor do texto - De onde vem a Dramaturgia? - publicado na edição 25 (2004) da Revista Teatro CELCIT, publicada na Argentina. Fiz a tradução e foi divertido ver os caminhos que Néstor teve que percorrer para ter a dramaturgia ao seu lado. Uma coisa é certa, e antecipando o que ele escreveu: "Para viver, tem que escrever. Deve-se escrever sempre, todos os dias, mesmo que seja uma linha, uma frase. Se o dramaturgo não escreve todos os dias, está morto".

Aqui, o começo do diário:

De onde vem a Dramaturgia?

Néstor Caballero

(dramaturgo venezuelano)

Tradução de Rogério Viana

Dia 1

Como bordado em fio de ternura chega o mês de julho. Olho pela janela e não vejo, o dia é como um bater de asas de avezinhas luminosas.

Dia 2

A dramaturgia deixa palavras faladas no ar, para que todos as escutem, as vejam, as apalpem, as respirem, as saboreiem e, por que não, as cuspam se for preciso.

Dia 3

O cerne da dramaturgia é a alma. Se a literatura dramática não tem sua raiz na alma, a palavra, na dramaturgia, murcha.

Escrever teatro é atravessar aros de fogo. A alma se purifica, é verdade, porém o corpo, esgotado, fica em dívida, consumido.

Dia 4

De onde vem a dramaturgia? Pergunto-me. De onde e como foi que escrevi? Trato de recordar e sempre me vejo, todas as manhãs de minha vida, sentado, primeiro com lápis e papel, logo quando pude, com máquina de escrever e, nestes anos, diante da tela do computador, angustiado, buscando o que escrever. Ali passei, e passo, horas e mais horas, inutilizado, atrevendo-me apenas a respirar, sem que nada venha a mim, sem uma frase, sem uma palavra. (...)

Quem quiser o texto integral, acesse-o aqui. Para comentá-lo, envie-me e-mail para

rogeriobviana@yahoo.com.br

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Livros sobre Dramaturgia, da Imprensa Oficial de São Paulo

Os livros da coleção "Primeiras Obras"
da Imprensa Oficial de São Paulo

Saiu no jornal O TEMPO, de Belo Horizonte, uma grande matéria sobre o lançamento da coleção "Primeiras Obras" com vários autores da nova dramaturgia brasileira. Dentre eles, nosso Marcos Damaceno, com prefácio do Roberto Alvim, aquele nosso mentor que gosta da "sombra, da penumbra".

Como eu cedi uma foto que fiz do Damaceno para aparecer na contra capa do volume 8 da coleção com os textos do Damaceno, fui presenteado (um belo e importante presente) com toda a coleção: são 10 volumes e veio, como extra, o livro da série "Aplauso" escrito pelo Alberto Guzik, "Os Satyros - Um palco viceral".

A coleção traz obras dos seguintes autores: Otávio Martins, Gabriela Mellão, Ivam Cabral, Sérgio Roveri, Vera de Sá, Sérgio Mello, Rudifran Pompeu, Marcos Damaceno, Lucianno Maza e, no volume 10, as peças apresentadas no evento Dramamix de 2007.

Estou terminando de ler o volume 4 da coleção - obras do Sérgio Roveri. Uma leitura muito enriquecedora, pois a coleção traz vários tipos de obras dramatúrgicas e autores de diferentes estilos e percepções. Foi um grande presente que ganhei no ano passado, além de ter podido participar da Oficina de Dramaturgia do SESI Paraná, outro presente que 2009 me deu.

Da cidade de Grotowski

Tiago Bahia, Casia Bernat e Michal Piszczek

Recebi, ontem, em minha casa, a visita do casal polonês Casia Bernat e Michal Piszczek, ela jornalista e ele sociólogo. Estavam acompanhados pelo brasileiro Tiago Bahia, mineiro de Belo Horizonte e que morou cerca de 18 anos em Curitiba e que hoje, casado com a polonesa Joanna Niec, mora em Wroclaw, cidade onde morou e trabalhou Grotowski.

Sobre Wroclaw e Grotowski

Foi na cidade de Wroclaw que o famoso Jerzy Grotowski criou, em 1965, seu "Teatro Laboratório" utilizando este nome como estratégia para evitar a pesada censura a que os teatros profissionais tinham que se submeter na Polônia daquele tempo. Grotowski, em Wroclaw, estruturou os fundamentos de uma teoria e publicou-a no livro "Em busca de um teatro pobre" que foi editado pelo diretor italiano Eugenio Barba em 1968. No livro, Grotowski diz que "o teatro não deveria, porque não poderia, competir contra o espetáculo cinematográfico e deveria se concentrar em sua principal qualidade, os atores que se apresentam à frente dos espectadores". Pobre em seu teatro significa eliminar tudo que é desnecessário, deixando um ator ou atriz vulnerável e sem qualquer artifício. Em Wroclaw, seus espetáculos eram representados num espaço pequeno, com as paredes pintadas de preto, com atores apenas com vestimentas simples, muitas vezes todas em preto.

Grotowski recolucionou o teatro e, junto com seu primeiro aprendiz e assistente, Eugenio Barba - lider e fundador do Teatro Odin e mentor do teatro antropológico, é considerado um dos principais nomes e mentores do teatro contemporâneo e de vanguarda. Barba é considerado fundamental na divulgação do trabalho de Grotowski ao mundo no ocidente, rompendo a barreira da burocracia comunista.

O brasileiro Tiago Bahia, que mora desde o começo do ano passado na Polônia, trabalhou como voluntário na organização do famoso Festival de Grotowski que, em 2009 comemorou o "Ano de Grotwski". O festival é organizado pelo Instituto Grotowski.

Saiba sobre o festival de Grotowski em:


Sobre o Instituto Grotowski:







A morte de um poeta: Chico Sarno

Chico Sarno dirigiu a Ferroviária de Araraquara (SP), anos 60.
Em pé: o técnico Francisco Sarno, Geraldo Scalera, Dudu, Aparecido, Zé Maria, Rodrigues e Antoninho.
Agachados: Tião Nego, Cido, Ailton Lataria, Bazani e Tales. (foto do arquivo de Milton Neves)

Há quem não veja poesia no futebol. Futebol? Logo no futebol? Sim. Eu vejo poesia no futebol. Pela paixão que ele desperta. Mas não aquela paixão doentia, dos fanáticos (várias torcidas organizadas e com o objetivo principal de promoverem agressões, dor e tristeza, utilizam esta palavra). Mas a paixão pelo que de belo o futebol enseja.

Ontem, em São Paulo, morreu um poeta. Um poeta do futebol, um apaixonado ex-técnico de times de futebol, o Chico Sarno (Francisco José Sarno Matarazzo, fluminense de Niterói).

Chico Sarno via poesia na vida. No futebol, também. Fazia de fatos banais, motivação para deixar aflorar sua poesia. Chico Sarno, que conheci em 1980 em Piracicaba, interior de São Paulo, faleceu ontem em São Paulo aos 85 anos. Dentre alguns times que dirigiu, teve uma paixão especial pelo Timão, o Corínthians e, também, gostou muito de sua passagem pelo Coritiba, tendo declarado uma paixão especial pela cidade de Curitiba, seu frio e pela Igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, lá no Alto da Glória.

No dia 16 de julho de 1980 ganhei um livro de crônicas do Chico Sarno - COQUETEL DE VERDADES. Lembro de tê-lo lido de uma só sentada, assim que o peguei nas mãos. O livro ficou na minha estante por longos anos. Sempre me acompanhando por minhas andanças. Acessível, ao meu lado. Não esquecido pois estava sempre presente na minha pequena biblioteca. No ano passado, em fevereiro, tive ideia de escrever uma série de contos. E um dos contos eu queria contar sobre o sofrimento de um ex técnico de futebol, doente e esquecido. Longe dos gramados e da memória de torcedores, jogadores, dirigentes e jornalistas que militam no mundo do futebol. Por coincidência, ao pesquisar sobre ex técnicos de futebol, abri uma notícia sintética que dava conta que o ex técnico Chico Sarno estava doente em São Paulo. A partir dessa informação escrevi o conto "Manhas, Mutretas e o Escambau". O livro do Chico Sarno estava ainda na estante, mas, eu sentia que ele pedia para que eu voltasse a lê-lo.

Quando fui aceito - em abril passado - para participar da Oficina de Dramaturgia do Núcleo de Dramaturgia do SESI Paraná e quando começaram os exercício para se escrever dramaturgicamente, a ideia de fazer do personagem Francisco, um ex técnico de futebol que sofria do "Mal de Alzheimer", em um personagem teatral, não tive dúvidas. O material que eu já colocara no meu texto ia exigir que um Francisco real me desse algumas orientações sobre seu ofício profissional. Então, ao escrever e, principalmente, na parte final da peça, passei a citar de ouvido algumas coisas que vários técnicos de futebol haviam comentado comigo, durante entrevistas quando eu era repórter de futebol, algumas palavras de Chico Sarno - o escritor F. J. Sarno - ecoaram em mim. Daí, abri aquele "Coquetel de Verdades" e o final de minha peça apareceu claramente. No dia 6 de maio de 2009 encaminhei por e-mail o texto de minha peça, dedicada ao Chico Sarno, para sua filha Maria José Sarno, jornalista em São Paulo da Globo News.

No domingo 17 de janeiro de 2010, dia de grandes jogos de futebol, quando se realizava a primeira rodada de todos os grandes campeonatos estaduais de futebol do Brasil, os gritos das centenas de gol encobriram os últimos momentos do inesquecível Chico Sarno. Ele, acompanhado pelo carinho da família, nos deixava. A notícia só chegou a mim, hoje cedo. Confesso que fiquei muito triste com a morte do Chico Sarno. Não apenas por sentir que um poeta, um escritor de inegável talento, um frasista de grandes sacadas, mas um apaixonado estudioso das coisas e das "manhas, mutretas e o escambau" que o futebol provoca, estava nos deixando, num domingo de sol e de gols.

O futebol brasileiro deve olhar com mais atenção as coisas que foram "escritas" e ditas pelo Chico Sarno. Felizmente eu pude olhar para o que aquele homem disse e queria dizer com tanta poesia e delicadeza. Quem sabe, agora, infelizmente, alguém possa olhar para aquele Francisco, não o ex técnico de futebol, mas o personagem que, antes de nos deixar, não pode ganhar vida e corpo, voz e movimento, paixão e pensamentos num dos nossos palcos. Para renascer, eu sei, é preciso morrer. Morreu Francisco e, por mim, digo sem nenhum sentimento piegas, eu o fiz renascer para a poesia. Um abraço saudoso Chico Sarno. Ganhe vida eterna, Francisco!

Rogério Viana


Notícia sobre a morte de Chico Sarno no site do Milton Neves: