sábado, 9 de janeiro de 2010

Roberto Alvim - O Teatro da Penumbra

O teatro de Roberto Alvim brilha na "penumbra"

Está na revista Bravo! a primeira edição de 2010. O texto é da jornalista e autora Gabriela Mellão.

A descoberta do poder das palavras se deu quando o carioca Roberto Alvim, 36 anos, era uma criança de 8. Sozinho em casa numa tarde, aventurou-se na biblioteca de seus pais, onde encontrou o volume de capa preta com um título irresistível: Histórias Extraordinárias, de Edgar Allan Poe. Pela janela entreaberta podia ver o cemitério do outro lado da rua, mas a luz no quarto era crepuscular. O menino devorou o contoO Gato Preto, mas fraquejou em Berenice - história macabra de um homem obcecado pelos dentes da prima morta. Em pânico, correu para a rua, em busca de gente. "Pela força da literatura, daquelas palavras, num simples livro, o mundo inteiro ao meu redor ganhou novo significado", conta Alvim. À frente da companhia paulista Club Noir, ele vem explorando o palco como um espaço da escuridão, onde a palavra é a força ordenadora. É o caso de A Terrível Voz de Satã, espetáculo do inglês Gregory Motton cuja temporada será retomada em março, e de O Quarto, peça do irlandês Harold Pinter cuja montagem lhe rendeu o prêmio de melhor espetáculo no 5º Prêmio Bravo! Prime de Cultura. (...)

Leia a íntegra da matéria em

Prólogo na sala de máquinas

"Aqui existiu mesmo uma tecelagem. Funcionou durante anos.
Empregou muita gente. Pessoas reais. Vivas. Gente de carne e osso. Personagens e citações aqui, nada aparece por mera coincidência. Por se tratar de obra de ficção, no entanto, nada aqui pode-se atribuir como invenção, obra do acaso, coincidência."

No meu texto "Parent(es)is - Fábula para seis ou mais vozes", seis ou mais vozes falam sobre e nos encontros que acontecem ou aconteceram numa antiga fábrica de tecidos e onde, hoje, as vozes são de outras pessoas, de atores, diretores, cenógrafos, iluminadores, gente que vive não mais na fabricação de tecidos mas na tessitura de papéis, de olhares. Os personagens são os pronomes pessoais, do singular e do plural. No segundo ato - são quatro atos ou quatro quadros - "Prólogo na Casa de Máquinas", "Eu" diz no seu monólogo o que, aparentemente, devia ter sido apresentado no começo da peça:

Eu – Pra começo de conversa, quero alertar, deixar bem claro, que nada do que está sendo tratado aqui está isento de alguma realidade. Aqui existiu mesmo uma tecelagem. Funcionou durante anos. Empregou muita gente. Pessoas reais. Vivas. Gente de carne e osso. Personagens e citações aqui, nada aparece por mera coincidência. Por se tratar de obra de ficção, no entanto, nada aqui pode-se atribuir como invenção, obra do acaso, coincidência. Algumas coisas são como são. Foram como foram. Acontecidas ou não, não adianta querer esconder o óbvio. Não estou, também, usando o recurso do “control C” e o “control V”. Ninguém me mostrou nada por escrito. Sim, talvez eu use isso, mas é de memória. Não, não a minha, claro! Não é físico. Não fui lá nos meus arquivos e copiei isto ou aquilo. Se estou citando, também, é de memória. Minha memória é fraca, no entanto. Vez ou outra, cito errado, confundo. Minha mente anda confusa nos últimos tempos. Talvez pela idade avançada, sei lá. Algumas vozes, vez ou outra dizem alguma coisa. Como? O que você está dizendo? Quem? Ah, dela eu me lembro. Sei, sim. Pode ser uma pré-menopausa. Ou seria andropausa? Claro, depende de quem vai ser “eu”. Não conte tudo de uma só vez. Conte aos poucos. Se for mulher, é menopausa mesmo. Mas se ela for jovem. Bem, pode ser, então que seja desleixo. O que não falta é mulher desleixada, que não se cuida. Mas tem homem que gosta de mulher porca. Eu não gostava dela não. Você foi quem tocou no nome dela, lembrando dela. Pois uma mulher jovem não pode ter menopausa. Nem menos pausa para fazer o que lhe dê na telha. Se quer transar, ela vai transar e ponto. Falando em ponto, eu estou tentando ver se alguém consegue localizar onde fica aquele tal pontinho que um tal Grafenberg inventou. Ou diz que encontrou, que existe mesmo dentro de nós, na parte mediana do nosso canal vaginal. Tem certas coisas que são difíceis de serem constatadas. Nem quando o neguinho é pego em flagrante ele admite. Nega, nega, nega! O óbvio, por exemplo. É óbvio que é difícil constatar o óbvio. Esfregam nas nossas caras e não enxergamos. E continuando negando. Foi por este motivo que resolvi dar um passo atrás e, mesmo depois de ter começado, lá antes, no começo, na primeira fala, retomar e falar o que, agora, passa a ser o prólogo. Mas tinha cada polaquinha atrevida aqui. Tinha também umas que não dava nem com ameaça de demissão. Uma que vivia dizendo não. Ah, nem te conto. Esperta que nem ela só! Logo, portanto e para os devidos fins, deixo claro que meu “eu” seja, então, de um homem. Pode ser um homem mais velho, de meia idade, ou mais jovem. Tudo vai depender de você. Eu topo, topo sim. Venha. Vocês escolhem o perfil ideal para o “prólogo” ora apresentado. Aqui no meio da casa de máquinas. Há luz suficiente? Vai ficar me espiando, não é? Ah, o prólogo tem que dizer, colocar, o que se pretende com essa baboseira toda. O prólogo, aqui, tem o real objetivo de deixar tudo bem explicado. Nada aqui é verdadeiro ou é falso. E nada do que possa parecer falso, é falso mesmo. Sendo assim, se só direi mentiras, nem tudo é mentira, nem tudo é verdade. Se só digo mentiras, bem, brincar vale a pena. E se é brincadeira o que faço, melhor vocês levarem a sério ou, se se permitirem ir além do que aqui aparenta ser, mas não é, melhor que tratem de prestar atenção. Eu topei, de cara. Foi bom demais. Ela, não, vivia fazendo cu doce. É o que recomenda a lição que li. Estava escrito, bem impresso. Confesso não ter entendido direito, mas como sempre levo a sério o que me dizem com aspecto de seriedade, sério serei e não impeçam que eu trate aqui, tudo, tudo mesmo, com a maior seriedade possível, mesmo que entendam não ser possível isso, assim, acontecer. Ele dizia, como tu: Não vou aceitar, nunca mais, que você fale comigo pelos outros. Nada de ficar mandando recadinhos, mensagens pelo MSN. E-mail seu, nunca mais abri. Vão direto para a lixeira. Se tem que dizer algo, diga tudo. E não diga nada que comece com “mas...” ou com “talvez...”, nem com “quem sabe...”. Se vai dizer não, diga não. Se vai dizer, sim, é sim. E acabou. Onde é mesmo que eu estava?

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

No mundo da linguagem, qual a linguagem mais capaz?

"Nas pequenas construções, nas frases longas, reflexivas até.
Se há poesia ela sobrevive e se sobressai sobre as demais.
A poesia é expressão de vida. E se não podemos viver
sem a poesia, deixamos de existir mesmo."


Diz Susana em seu diálogo com uma sonhadora Catharina (em "Eu Avec Você):

Susana – Eu olho para o que você me escreve e me vem um sentimento diferente. Eu nunca imaginei que duas almas tão distintas um dia, uma certa noite em Paris, pudessem se conectar pelo que a gente tem que concordar como insólito episódio, não é? Mas, e sempre há um mas, um porém... Mas eu não controlo o que vem até mim com essa força que me arrebata e me põe contra a parede exigindo de mim uma força que penso não mais possuir. Estou reagindo, Catharina. Estou aprendendo a reagir e a usar dessa força em mim aparentemente morta e inexistente. Venha, ajude-me a levantar tudo isso que está escrito e que precisa, com uma urgência sem limites, de ganhar a amplidão do espaço cênico. No mundo da linguagem, qual a linguagem mais capaz? O pensamento pode não ser exato, ter tantas imperfeições, mas você há de concordar, minha cara Catharina, que a linguagem poética é imbatível. Nas pequenas construções, nas frases longas, reflexivas até. Se há poesia ela sobrevive e se sobressai sobre as demais. A poesia é expressão de vida. E se não podemos viver sem a poesia, deixamos de existir mesmo.

Se hoje eu sobrevivo é porque sou teimoso

"Ou foi depois, muito depois que você se olhava
no espelho e via refletida aquela mesma
imagem de homem derrotado?"


Num tipo de desabafo, o personagem Gabriel diz em "Eu Avec Você":

Gabriel – Tenho sempre batido na mesma tecla. Repetido os mesmos erros. Repetidas vezes eu me vejo repetindo as mesmas palavras. As mesmas frases já repetidas tantas vezes antes. Você não fez sempre assim, fez, Martin? Também insistia naquilo que você tinha absoluta certeza? Insistia no que, lá no fundo, via que era a mais absoluta perda de tempo? Tinha consciência disso, Martin? Ou foi depois, muito depois que você se olhava no espelho e via refletida aquela mesma imagem de homem derrotado? Agora, quando eu digo isto para você é que eu me dou conta de como tivemos uma aventura pela vida muito parecida. Diria, quase sem nenhum erro, que somos tão parecidos que deveríamos ser irmãos. Não desses que nascem do mesmo pai filho da puta e da mesma mãe que todos acreditam que seja uma puta. Não falo desses. Falo de irmãos que nasceram em épocas diferentes, de pais diferentes, mães diferentes, mas que são irmãos pelo simples fato de comungarem de ideias e ideais com a mesma intensidade e força. Sabe, irmãos de fé, sobretudo. Camaradas. Depois você me diz se estou com uma certa razão ao reclamar que tratam a mim e aos meus sonhos como sem a mínima importância. Não posso aceitar que meu sonho não tenha um valor. Eu sobrevivo dos meus sonhos, não foi isso que tenho falado? Não sobrevivemos por teimosia, nem por termos dinheiro, ou boa saúde. Ou até, por termos pessoas que nos amam. Se hoje eu sobrevivo é porque sou teimoso. Por continuar acreditando que um dia, não sei quando, mas um dia, com toda a certeza eu serei reconhecido em alguma coisa que eu venha a fazer. Ah, não sei não. Toda essa fé eu não tenho! Não dá para ser assim tão dedicado a nossos sonhos, caro amigo. Não dá. Veja bem, veja bem. Não o estou recriminando, longe de mim fazer isso. Você é meu camarada, claro que é. Mas... Só esperar que os sonhos nos tragam um tipo de iluminação é meio ir longe demais, você não acha? Se a gente fica só sonhando já indica que só dormimos. Ninguém sonha acordado. Acordado a gente cria, inventa. Sonho, sonho mesmo, só tenho quando consigo dormir. Além do mais, o médico me disse que o tal Rivotril pode me deixar dependente. É tarja preta, potente. Aos poucos eu tenho dormido melhor, mais horas. E quando durmo profundamente eu sonho. Sonhar me faz viver de um jeito diferente, melhor. Sei lá, mas nunca sonhei com números. Ah, só com as contas atrasadas. Muitas. Quanto? É muito, pode acreditar.

(NOTA - As fotos que utilizo ou são colagens que faço ou fotos do meu arquivo, fotos que tenho feito ao longo do tempo. Rogério Viana)

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

As veias da América Latina, na voz de uma certa Susana

"Mas a música daqueles anos distantes
ainda ecoam na memória do velho rádio fronteiriço entre
tangos, tragédias, boleros, bossa nova e
baionetas."
(Fala de Susana em "Eu Avec Você")

No meu texto "Eu Avec Você", dois personagens - Gabriel, numa cidade ao sul do Brasil e Susana, em Paris, dialogam entre si e com suas vozes internas, personagens que habitam suas memórias, suas lembranças, seus afetos.

Susana é argentina e mora em Paris onde é autora, diretora e professora de Teatro. Gabriel é autor de teatro, um brasileiro que nunca saiu daqui. O que separa os dois personagens vão além das três horas de diferença do fuso horário, das culturas em que vivem, dos espaços que compartilham. Mas...

(...)


Susana – As veias da América Latina, ainda bem, são irrigadas por uma água doce que vem do lado nordeste da grande cordilheira. Ainda bem que elas chegam até nós, que passam por terras e lugares tão distintos. Que dão a beber a gente tão especial e tão diversa! Ah, não sei mais cantar nada em português! Meu francês tenta apagar até meu espanhol. Ele é forte, resiste. Rire, rage et resistance. Mas o português, ainda uma língua indecifrável, veio até mim em pequenas levas. Antigas canções. Belas vozes. Tinha mais alegria que nosso dia a dia portenho. Isso tinha mesmo! Nada que me fizesse dominar centenas de palavras. Mas a música daqueles anos distantes ainda ecoam na memória do velho rádio fronteiriço entre tangos, tragédias, boleros, bossa nova e baionetas. Quanta raiva, quanta raiva! Era preciso resistir a tudo. Além do mais, além do mar, também, temos muita gente que vive de costas para o oceano azul esverdeado e de frente para a indominável cordilheira azul e branca. Os que estão mais a leste, onde o sol nasce, também não enxergam como nós enxergávamos os platôs andinos. Os ventos calmos que sopram por lá movimentam as areias de corpos morenos, de gente mulata. Aqui, por esse lado do Sena eu posso enxergar um monumento universal. Veja só, Catharina. Aquela torre. Para o que ela aponta mesmo? Diga lá, Catharina: Você dançou mesmo sua primeira valsa com um rapaz que tinha a cara do John Lennon? É mesmo? Bem, eu não cheguei a pedir um autógrafo. Eu só o vi de longe. Também, como eu ia conseguir pagar por um lugar mais próximo do palco? Mas eu vi todos os quatros rapazes cabeludos. E era uma gritaria só. Minha voz sumiu por quase quinze dias. Muito tempo. Muito tempo...

(...)

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

O moço que gosta de café e teatro e...


Ele adora café. Adora mesmo. E teatro, também. Música, também. Poesia, também. Ele gosta até de caricaturas digitais, como as que eu faço. Então eu fiz uma dele. Quem é o tal? Ele, Otávio Linhares, que é meu xará, pois também sou Otávio.

"Como se eu fosse o mundo", será encenado no Festival de Teatro de Curitiba

Paulo Zwolinski terá seu texto encenado.
Textos de Pretto Galiotto e Patrícia Kamis terão leituras dramáticas


Foram divulgados os textos produzidos no Núcleo de Dramaturgia SESI Paraná para encenação e leitura dramática durante o próximo Festival de Teatro de Curitiba em março de 2010.

O texto a ser encenado será "Como se eu fosse o mundo", de Paulo Zwolinski.

Os textos que ganharão Leitura Dramática são:

- Antes do Fim, de Marcelo Bourscheid
- (Você), de Alexandre França
- (em) branco:, de Patricia Kamis
- Inverno, de Pretto Galiotto

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Autoretrato em caricatura


Esta caricatura é meu autoretrato.
Ou eu próprio, sem retoques,
nem maquiagem.

Nova caricatura

J.D. Baggio

Descaracterizando mais uma pessoa ligada ao teatro curitibano. Desta vez é J.D. Baggio, que foi diretor do teatro Guaira e participa da oficina permanente de dramaturgia do Núcleo de Dramaturgia SESI Paraná.

2010 está aí. A borboleta vai logo voar?


Hoje é o quarto dia do ano de 2010. Uma segunda-feira. Daqui a dois dias - dia de Reis - temos que desmontar os presépios. Os presentes que ganhamos no natal passado já é passado. O que ganhamos, agradecemos. O que imaginávamos ganhar mas não nos foram dados, melhor é esquecer. Nada de lamentar o que não veio, nem chegou como esperado. Cada coisa no seu tempo. E o tempo, a partir dessa primeira segunda-feira do ano da graça de 2010, é de uma nova espera. Diz um ditado que "quem espera sempre alcança". Então é melhor continuar esperando. Esperando o trem, esperando vem, esperando, esperando. O que o futuro nos reserva? Uma contínua esperança? Uma espera imorredoura? Uma fé que não se abate? Um desejo que permanece? Diante disso tudo, para mim, uma certeza: continuar o trabalho, não esmorecer, perseverar (esse é um termo bem cristão, não é?). Insistir, digo eu. Teimar. Continuar a dar a cara para bater. Não se abater em cada percalço. Levantar, cair de novo, tirar a poeira. Olhar para o objetivo. Seguir em frente. Insistir, teimar, novamente dar a cara para bater. Não se abater por pouco. O muito que for nunca será suficiente para derrotar quem acredita no poder de sua teimosia. Vocês poderão perguntar: Vale a pena insistir? Teimar vale a pena? Continuar mesmo quando tudo se apresenta igual e difícil? Não sei se eu tenho uma receita para minha inabalável certeza de que algo diferente poderá acontecer em breve. O em breve, eu sei, eu sei, nem sempre é tão breve assim. Mas se eu desistir, será que ficará melhor? Não, não creio que fique melhor se eu deixar de acreditar em mudanças, em uma transformação que teima em não vir. O tempo meu não é o tempo de uma borboleta. Pode ser que, ainda crisálida, a borboleta pense que já se passaram quase 100 anos e ela ainda lá, uma massa disforme, um vôo que parece nunca ser possível. Mas ela fica lá, na espera. Ciente de que o tempo é tão lento, vem tão arrastado e nunca vem aquela hora em que ela, pela força da natureza, deixa aquela casca toda enrugada e feia para ganhar asas belas e coloridas e, num instante, começa a voar junto a milhares de outras borboletas como ela. Mas se ela é uma borboleta igual a tantas, o que vale, então, a longa espera? O que vale para a borboleta não é ser parecida, idêntica a outras milhares de borboletas. O que vale é que ela, única, mesmo com as mesmas cores, com o mesmo formato, com a mesma delicadeza, soube esperar, como nenhuma outra, o momento de sua mudança. E mudada, soube como ninguém, abrir suas asas e voar. Livre, sem nada para impedir que ela subisse, subisse, subisse. E olhasse, lá de cima, aquele mundo onde ninguém podia imaginar que ela ia enxergar de um jeito tão particular, tão seu, tão desafiador.