sábado, 27 de março de 2010

A força do contrário

O que brota provoca pensamentos

O que me faz pensar? É a ausência de um pensamento? Seria o vazio que se instala em mim? Fico a pensar e aquela ausência ganha um minúsculo corpo. Não há mais o absoluto vazio. Algo apareceu para ocupar um pequeno espaço em mim. Como por mágica – seria coisa de Deus ou do Diabo – já não sinto que o nada estava ali. O nada se transforma – a tal mágica, ou milagre, quem sabe um truque barato – ganha força, passa a avolumar-se, cresce mesmo. Agora, estou pensando. Mas ainda é um pensamento sem orientação. Não sabe para onde deseja ir. Sim, o pensamento se incorporou e se faz presente, mas para onde deseja ir e para onde vai?

Estou pensando ou estou fazendo uso da linguagem? Pensamento é palavra? Estou confuso, confesso. Pensamento sem palavra não existe. A palavra me ajuda a fazer uma análise do que de lógico tenho ao pensar. Mas palavra só não diz nada – que digam os vários dicionários disponíveis em todo o mundo. Um pensamento também não diz nada. Para que eu pense alguma coisa, formule um pensamento e o transforme em palavras, é preciso ter em mente que preciso passar para a frente isso tudo. Guardar naquele espaço vazio que havia em mim – que há em mim, em você, também – não colabora em nada. É preciso fazer com que o pensamento, com as palavras, tenha sentido ao ser levado para alguém. A palavra deve voar – verba volent – e, assim, eu poderei me fazer entender.

Tendo alguém a quem minha palavra se destina e de quem virá alguma resposta, instala-se um diálogo. Duas vozes. Do meu lado, vai essa inquietude, esse vazio que se fez pensamento e se transformou em palavras. Talvez eu possa argumentar alguma coisa. Provocar. Instigar. Propor um desafio, quem sabe. Do outro lado, aquela outra pessoa também agora pode ocupar seu vazio com algumas das minhas precárias reflexões. Poderá motivar-se com o que foi dito inicialmente. Com as palavras pode responder-me, questionar-me, dizer se estou certo ou errado. Ou não dizer nada. Concordar ou discordar. Ou se omitir. Dar seu apoio ou fugir de minhas palavras como aquele tal foge da cruz ou aquele outro foge do que tem de certo. Ou pode por mais lenha na fogueira. Ou apagar o fogo. Ou fugir com medo de tudo ou de nada. Neste instante o outro me responde. Na verdade, vejam bem, na verdade, ele não me responde. Ele apenas se manifesta para mostrar que também estava com aquela mesma dúvida sobre o vazio. No choque dessas coincidências – vazio versus vazio – um pouco nele e um pouco em mim ganha corpo. Nasce. O que brota provoca pensamentos. As palavras passam a justificar coisa e tal, tal e coisa. Palavras saem da minha boca. Se propagam, voam. Buscam endereços, destinatários. Entendedores. E pegas pelo outro, são devolvidas com outras letras, não são as mesmas palavras, são outras, mas alguma coisa tem em comum. As palavras que vão e as palavras que voltam, chegam a cada um dos ouvintes, com um forte desejo. Querem ser reconhecidas como válidas. Valendo-se da capacidade de argumentação, as palavras que voam, de cá para lá e de lá para cá, querem não apenas ser reconhecidas. Elas precisam de algo mais forte. Querem servir como instrumento perfeito de manipulação. Ou de convencimento. Querem dizer uma coisa dizendo outra. Querem provocar algo, insinuando exatamente o contrário. Querem dizer sim, quando são a negação de alguma coisa sempre.

Assim, diante desse dilema da palavra necessária dentro do diálogo que se estabeleceu por uma simples razão de alguém ter falado alguma coisa, começa, agora, o que poderíamos determinar como um diálogo teatral. A força do contrário.

Um improvável diálogo para um chuvoso sábado de manhã. Quem sabe, daqui a algumas horas faça sol. E as palavras encontrem o caminho para a qual foram pensadas, ditas e endereçadas.

Homem

Você não esperava que eu fosse aceitar suas condições sem discuti-las, não é?

Mulher

De você eu sempre espero tudo. Nada também.

Homem

Sempre assim. Quer se impor às custas da minha boca fechada, não é?

Mulher

Quando você a abre, sei que coisa boa não virá!

Homem

Não é isso que você me diz quando eu a beijo.

Mulher

Já aconteceram tempos melhores.

Homem

É mesmo. Eu aprendi a questioná-la.

Mulher

Você desaprendeu a beijar.

Homem

Não me ocupo mais em apenas lhe ser agradável.

Mulher

Agradaria muito se você continuasse de boca fechada e me beijasse mais.

Homem

Não seria essa receita ideal para você?

Mulher

Não quer que eu fale mais?

Homem

Só o necessário. Quero que fale com a boca, mas em outro contexto.

Mulher

Sempre tenho que ficar quebrando a cabeça para entender o que você quer, mas que não diz claramente o que quer.

Homem

O mesmo se aplica a você. Não tenho o dom da adivinhação.

Mulher

Nem se esforça, um pouco que seja, para entender outras linguagens em mim, não é?

Homem

Você se ocupa demais com sua própria boca. É ela que prevalece em você. Até ao ficar em silêncio, sua boca sempre está no centro de tudo.

Mulher

Isso pode significar que de boca fechada eu seja mais convincente?

Homem

Não é bem exatamente isso.

Mulher

O que é, então?

Homem

Feche a boca e segure minha mão.

Mulher

Sua mão?

Homem

Sim.

Mulher

E...

Homem

Agora eu só preciso disso.

A leitura dramática de "Teia"

A paixão conquistada e desmedida

Pagú Leal, Abner Valentim e Janja

Douglas Daronco, autor de "Teia"

Edson Bueno, Janja, Pagú Leal, Douglas Daronco e Abner Valentim

Elineia, Luciana, Douglas, Edna, Cristina e Regina

O texto "Teia", de Douglas Daronco, teve sua primeira leitura dramática ontem à tarde (15h00) no Teatro José Maria Santos, dentro da programação do Núcleo de Dramaturgia SESI Paraná no Festival de Teatro de Curitiba. Daronco produziu o texto durante a Oficina de Dramaturgia coordenada por Roberto Alvim.

A leitura, dirigida por Edson Bueno, teve as participações de Pagú Leal, Janja e Abner Valentim. O texto de Daronco trata do triângulo amoroso entre uma mulher viúva, sua melhor amiga e o falecido marido dela. Num clima de sensualidade e desejos latentes, quase reprimidos, o texto é apresentado e os personagens alternam o tempo real com lembranças e nenhum arrependimento pela traição que entre eles integrava seus cotidianos repleto de falta de desejo e amor - entre o casal - e do desejo incontrolável entre o homem e sua amante e, depois, entre as duas mulheres, a paixão conquistada e desmedida.

A peça terá sua segunda leitura, amanhã (domingo), às 18h00. A entrada é gratuita.



sexta-feira, 26 de março de 2010

A estréia de Douglas Daronco com sua "Teia" no FCC

Douglas Daronco conversa com Eliane Karas e
Nana Rodrigues num dos encontros da Oficina de
Dramaturgia SESI Paraná, no ano passado


Amanhã, no Teatro José Maria Santos, às 15 horas, será apresentado o texto "Teia", de Douglas Daronco, integrante da Oficina de Dramaturgia SESI Paraná. É a primeira vez que um texto de Daronco chega aos palcos durante o Festival de Teatro de Curitiba. E a estréia é na forma de leitura dramática, mas não é a estréia dele nos palcos já que, em 2008, dois textos dele - a comédia "Chique - Uma comédia curitiboca" e o drama "Nós", ambos dirigidos por Rogério Bozza, foram finalistas e tiveram leitura dramática no I Ciclo de Leituras Dramática da Fundação Teatro Lala Schneider.

A direção da leitura de "Teia" ficou por conta de Edson Bueno. A leitura será feita por Janja, Abner Valentim e Pagu Leal, esta, colega de Daronco na Oficina. A leitura dramática se repete, no domingo, às 18 horas.

Teia

Teatro José Maria Santos

Dias: 27 às 15h e 28 às 18h

Entrada gratuita

Texto: Douglas Daronco ; Direção: Edson Bueno

Com: Pagu Leal, Janja, Abner Valentim

"Duas mulheres - uma viúva e sua melhor amiga - se encontram para um chá da tarde. Aos poucos revelam uma teia que aprisiona lembranças, angústias, desejos e emoções"

Duração: 60 minItálico

Um trecho da peça "TEIA" de Douglas Daronco:

(...)

Mulher

Ela te atrai? Claro, qualquer homem teria atração por ela. Linda. Sensual. Deve trepar muito bem. Vai me trair com ela, não vai?

Ele

Não seja idiota! O que uma mulher como ela poderia querer com um homem como eu?

Mulher

Então ela é mesmo muito atraente, não é?

Ele

Sim, muito atraente. Você mesma reconhece!

Mulher

Ela não é perfeita.

Outra

Muito pior!

Mulher

Você já traiu alguém?

Outra

Não exatamente

Mulher

Como assim?

Outra

Acho que apesar de todo esse tempo, não nos conhecemos completamente. Não é mesmo?

Mulher

Não? Eu sempre me abri com você. Sabe tudo sobre mim. Tudo. Achei que não havia segredos entre nós.

Outra

Bem, eu...

Mulher

Está nervosa. O que foi?

(...)

Este Deus que pune e mata sou eu!!!

Homem: (...)
Não quero flores! Não quero que matem as flores para perfumar com o perfume da morte a festa de minha despedida.Quero flores de papel, mas não de papéis coloridos, quero flores feitas com as páginas policiais ou as páginas sobre as tragédias, a corrupção, a violência e as guerras que os jornais publicam diariamente. (...)


Escrevi "Das Razões do Nosso Medo" em 2003 quando morava em Salvador. Foi meu primeiro texto para teatro. Escrito com todos os defeitos do primeiro trabalho, com todos os vícios de um olhar sobre o teatro e não dentro do teatro. Jornalista com larga experiência, meus textos sempre focalizaram pessoas reais. Personagens vivos - alguns estavam morrendo ou já estavam mortos quando deles escrevia notícias, editoriais, reportagens. Os primeiros personagens fictícios - será que há algum personagem fictício? - foram escritos, anos antes, em alguns contos. As histórias que eu passava a contar eram invenções, mas também eram lembranças. Eram baseadas em fatos reais, mas poderiam ser ainda o quê? Verdade? Ilusão, mentira? Esta semana eu li a peça "É..." de Millôr Fernandes, encenada em 1979, no Rio de Janeiro com Fernanda Montenegro e Fernando Torres, nos principais papéis. Sim, em "É...", Millôr Fernandes indica que o texto foi "baseado num fato verídico que apenas ainda não aconteceu". Eu já havia escrito, há tempos, que "a verdade é uma mentira ainda não vivida". Muitas vezes, sabemos, que a mentira é uma verdade não vivida. Então, o que é verdade? É o reverso da mentira? E a mentira, o que é mesmo?

Aqui, um pequeno trecho do texto "Das Razões do Nosso Medo". O medo tem razões? Há razões para termos medo? Qual a razão de tudo?

Das Razões do Nosso Medo

Drama

É um ensaio. Mas é um espetáculo. São histórias de desencontros, de medos, de indecisões. São dois textos que são encenados. São três quadros. São três personagens – um homem, duas mulheres - que trocam seus papéis. Um é homem, depois é mulher, a mulher é outra mulher, depois é a consciência, é quem dirige e orienta a atuação dos outros personagens, que são atores. A consciência sempre pode aparecer em horas inadequadas. Quando chega na hora certa, faz tudo desandar, sair do ritmo, deixar o espaço confuso e o tempo incerto. Depois o homem, que foi mulher, é a consciência do personagem que foi, que será. Aos poucos, deixando aflorar medos e angústias, invejas, loucuras, ciúmes, inseguranças, certezas e o incerto pensar sobre o hoje, o presente e o que virá, os personagens ganham vida e se revelam os próprios atores e o embate diário que eles têm na luta pela sobrevivência e pela busca do papel perfeito, eles que acabam não mais sabendo quem realmente são e, quando se descobrem, através das falas, expõe toda a fragilidade de seres humanos que fazem do instrumento da representação uma vivência de mentiras e inseguranças.

Três personagens – Um homem e duas mulheres.

(...) Continuação do segundo quadro (são duas atrizes e um ator em cena)

Mulher 2 (com a capa, provocando o Homem, insinuando)

Esta coisa de amigos que sempre estão aparecendo, de novas propostas de trabalho... Preste atenção! Você parece que não enxerga o que se apresenta óbvio...

O óbvio, no entanto, todos nós sabemos, é o que menos conseguimos enxergar ou entender. É o que mais nos afasta da realidade, do que está em nossa volta, do facilmente encontrado, mas que nos cega, imobiliza...

Homem (exasperado, tenso, desesperado)

Terei mesmo que pedir socorro? Terei mesmo que pedir socorro? Não consigo parar de pensar que tenho necessidade de pedir socorro... Mas onde estão meus aliados dentro do meu peito? Onde estão aqueles seres miseráveis que me abandonam na hora em que mais necessito deles? Onde estão estas repugnantes figuras que me impedem de gritar? Quero fôlego, quero voz, quero ser ouvido, fazer-me ouvir além dos limites deste escritório, do meu quarto, meu banheiro, nossa cama...

Quero gritar a pleno pulmões... Vou gritar, preciso pedir socorro... Ninguém me ouve?

Mulher 2 (com a capa, mexe com o homem, sacode os seus ombros, imperativa)

Preste atenção... Se quer falar, fale... Se quer gritar, grite... Solte esta emoção que o está sufocando... Solte seu grito... Solte!! Solte e grite! Grite! Grite mesmo!!!

Mulher 1 (quebra o ritmo, falando com calma e entusiasmada)

Querido... Você não acha que eu poderia fazer este trabalho com aquele meu amigo político? Eu acho que tenho mesmo jeito para o trabalho. Ele disse que a atividade política é a minha cara! Disse que tenho o espírito de saber mentir, quando digo sim ou quando digo não... Mesmo querendo dizer exatamente o contrário.

Você vai adorar-me ... Eu fazendo política. Eu, nas altas rodas, participando de insuspeitas negociações, sugerindo novas verbas, tudo o que o mundo da política realiza diariamente. E olha que os ganhos são compensadores! Poderemos ficar muito ricos num piscar de olhos...

Homem (começa a ficar agitado, o tom é de desabafo, desespero)

Não consigo enxergar uma saída. O grito... preciso dar um grito forte. Talvez entendam com um grito o que tenho a dizer, tudo o que está engasgado. São tantos sapos que engoli que agora tenho que gritar e vomitar ao mesmo tempo... Por para fora tudo o que me incomoda e machuca.

(pausa e o tom fica mais intenso, forte)

Onde estão os ouvintes, os espectadores? Onde estão as pessoas ditas de boa fé? Onde estão as testemunhas? Tudo é farsa, enganação... Não existe dó, pena, piedade, misericórdia, compaixão...Tudo são sombras, sombras da mentira e do desprezo...

Vamos... me ajudem a tirar esta trava da minha garganta... Ajudem-me a tomar fôlego e a gritar com muita força... Preciso gritar...!!! Por favor, socorro! Socorro! Preciso gritar mais forte. Socorro!!!

(As duas mulheres seguram as mãos do Homem e movimentam seus braços na medida em que ele aumenta o tom das suas palavras)

Preciso gritar, preciso gritar... não suporto este peso, tudo o que me afoga não vem de fora, vem de dentro... Esta sensação de sufocamento não é por falta de ar. Este afogamento não é pela água que invade minhas narinas, enchendo meus pulmões. Esta visão distorcida das coisas não é o meu olho míope, ou minha catarata. O coração que lateja, não é por minhas artérias entupidas. O peso que sinto nos ombros, que faz doer meu pescoço, toda minha coluna, não é do excesso de peso dos compromissos inevitáveis do dia a dia.

Os braços que tento estender, que tento abraçar algo, alguém, alguma coisa, não são impedidos pelas fraturas da diária luta, do embate com adversários mais fortes do que eu...

(Com as mãos soltas, o Homem segura o pescoço com uma mão e com a outra simular tapar sua boca. A Mulher 1 tira a capa colorida da Mulher 2 e ambas vestem-na no Homem. Enquanto ele fala, as duas se afastam, lentamente, e deitam-se na cama, cobrindo-se)

Homem (solta um grito e, depois, em tom desesperado, intenso)

O que todos querem que eu faça? Como imaginam que eu estou me sentindo neste momento? Aqui... só... com minha consciência, minhas atrozes dúvidas, minha insegurança... Meus medos, aflorando forte e me destruindo. Isso tudo que me corrói e me consome...

(simula tapar sua própria boca, depois, grita)

Vocês querem que eu morra? Querem que eu morra?? Que eu morra.!! Morra!!!

(simula tapar os olhos e fala em tom mais forte)

Vocês querem que eu morra. Se eu morrer, se eu desistir de tudo, se eu desentupir o esgoto que poderá me levar em direção ao meu inferno...? Sim... se eu descobrir que o inferno é mais prazeroso que o azul do céu inatingível...?

(simula tapar os ouvidos, continua aumentando o tom da voz, desesperado)

Alguém vai chorar? Alguém vai escrever meu necrológio? Quem vai comparecer à minha missa de sétimo dia?

(ajoelha-se, levanta os braços para cima. O tom aumenta)

Não quero flores! Não quero que matem as flores para perfumar com o perfume da morte a festa de minha despedida. Quero flores de papel, mas não de papéis coloridos, quero flores feitas com as páginas policiais ou as páginas sobre as tragédias, a corrupção, a violência e as guerras que os jornais publicam diariamente.

Flores retorcidas com as dores de todo o mundo, com as dores dos desesperados, dos inválidos, dos sem voz. Quero flores retorcidas como o destino dos que se imaginam onipotentes, perpétuos, inatingíveis e imbatíveis. Esses que agem como se fossem Deus...

(Na cama, há um movimento de corpos, simulando um ato sexual)

(Homem em tom ainda mais forte, quase um grito, levanta-se e ergue os braços)

Agem como se fossem Deus...!!! Eu sou meu próprio Deus... No meu destino, no meu futuro mando eu!!! Sou eu meu próprio Deus! Este Deus que pune e mata sou eu!!!

(um forte estampido de tiro interrompe o ato com o corte da iluminação)

Fim do segundo quadro

O texto completo "Das Razões do Nosso Medo", aqui.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Noções de qualidade e de singularidade – ou como matei o meu mestre, ou ao mestre com carinho

No cenário de "Vida", antes de começar a mesa
redonda, no palco do Teatro José Maria Santos

O segundo ano do Núcleo de Dramaturgia SESI Paraná começou, efetivamente, no sábado, dia 20 de março, quando, numa mesa redonda - não tinha mesa, o formato da apresentação é que era de mesa redonda - Roberto Alvim, Mário Bortolotto e Gabriela Mellão, todos de São Paulo, participaram com o tema "O papel do dramaturgo no teatro contemporâneo", no Teatro José Maria Santos, com a moderação de Walter Lima Torres, professor da UFPR.

Outra matéria que completa a divulgação do evento aparece aqui, no blog de Luciana Romagnolli, do jornal Gazeta do Povo.

A informação publicada na matéria do site do SESI Paraná (veja aqui) está incorreta, pois incompleta na questão de números e participação de novos dramaturgos no projeto do SESI Paraná durante os nove meses – de abril a dezembro do ano passado, nos encontros quinzenais do Núcleo de Dramaturgia SESI Paraná acontecidos no Teatro José Maria Santos.

Num dos seus parágrafos foi publicada assim: "O primeiro ano de existência do Núcleo de Dramaturgia resultou em 16 peças, que foram publicadas pelo Sesi Paraná".

Na verdade, o primeiro ano de existência do Núcleo de Dramaturgia resultou em 30 (ou 32) peças (confiram com o Damaceno o número exato) escritas pelos 28 (ou 29) autores (confiram com o Damaceno o número exato) que concluíram a Oficina de Dramaturgia - de abril a dezembro de 2009 - coordenada por Roberto Alvim. Selecionadas entre as 30 (ou 32) peças, 16 delas, sim, foram publicadas pelo SESI Paraná. Produzidas, escritas, o dobro ou quase.

Ao colocar que o resultado do primeiro ano do Núcleo foi de apenas 16 peças publicadas, diminui-se o trabalho que os demais integrantes produziram e não revela, até, as diferenças, abordagens, enfoques, conceitos, visões de mundo, experiências individuais e outras questões que os autores-participantes produziram durante os nove meses em que trabalharam sob o comando e a orientação precisa e atilada do Roberto Alvim que destacou segundo a notícia publicada: "Os novos autores curitibanos trabalham com questões ligadas à construção do sujeito na contemporaneidade, com percepção de tempo e de espaço, de arte, de política e de existência. São questões trabalhadas autores mundiais". (sic)

Com certeza Roberto Alvim não falava apenas dos 16 autores, os que foram publicados, até porque, repetidas vezes e durante a mesa redonda ele disse aos presentes – e eu estava lá prestando muito atenção - que "não foram publicadas as melhores peças" e, mais adiante, ressaltou que, para ele a noção de qualidade é bastante elástica, já que disse preferir nos textos dramatúrgicos "menos qualidade e mais singularidade".

Assim sendo, Roberto Alvim deve ter defendido a publicação pelo SESI Paraná das 16 peças com um olho na "singularidade" e não na "qualidade", ou, para ele a noção de qualidade se amplia para atingir o status de "obra singular", ou “obra de arte”. E ponto.

Talvez fosse interessante, em termos de discussão, que o Roberto Alvim explicasse melhor essa noção de “qualidade” que ele adotou na Oficina de Dramaturgia SESI Paraná no ano passado e, assim, deixasse melhor explicado o que é mesmo a tal da singularidade.

Para ajudar no entendimento do que seja singularidade, mesmo correndo o risco de ser enfadonho, chato ou assemelhado, vai uma ajuda dada pelo mestre Aurélio:

SINGULARIDADE

[Do lat. singularitate.]

S. f.

1. Qualidade do que é singular.

2. Ato ou dito singular.

3. Extravagância, excentricidade.

4. Anál. Mat. Ponto singular.

5. Cosm. Região do espaço-tempo onde as leis da física atualmente conhecidas entram em colapso e as equações perdem o seu significado.

u Singularidade essencial. Anál. Mat.

1. Ponto singular que não é um pólo.

u Singularidade isolada. Anál. Mat.

1. Ponto singular que tem pelo menos uma vizinhança que o envolve, e na qual não existem outros pontos singulares.

A qualidade do que é singular? Sim. Então o que é singular? Insisto em ser prolixo.

SINGULAR

[Do lat. singulare.]

Adj. 2 g.

1. Pertencente ou relativo a um; único, particular, individual.

2. Que não é vulgar; especial, raro, extraordinário: 2 &

3. Diferente, distinto, notável.

4. Excêntrico, extravagante, esquisito, bizarro.

5. E. Ling. Diz-se do número (11) que indica apenas um ser.

6. Lóg. Que se aplica a um só sujeito. [Cf., nesta acepç., particular (6).]

7. Lóg. Que convém a um só dos indivíduos da espécie.

~ V. força -, integral -, juízo -, matriz -, ponto -, proposição - e solução -.

S. m.

8. E. Ling. O número singular dos nomes e dos verbos.

[Cf. cingular.]

Singular é um adjetivo. Singularidade é substantivo feminino. Qualidade é outro substantivo.

O que o mestre Aurélio nos ensina sobre o que seja Qualidade?

QUALIDADE

[Do lat. qualitate.]

S. f.

1. Propriedade, atributo ou condição das coisas ou das pessoas capaz de distingui-las das outras e de lhes determinar a natureza.

2. Numa escala de valores, qualidade (1) que permite avaliar e, conseqüentemente, aprovar, aceitar ou recusar, qualquer coisa: 2 2

3. Disposição moral ou intelectual das pessoas: 2

4. Dote, dom, virtude: &

5. Condição, posição, função.

6. Deprec. Espécie, casta, laia: 2

7. E. Ling. Combinação das freqüências sonoras que compõem uma vogal, as quais são determinadas pela posição dos articuladores móveis, tais como a língua e os lábios, dentre outros; qualidade vocálica. [ V. quantidade (4). ]

8. Filos. Na metafísica tradicional, categoria fundamental do pensamento que designa os modos diversos como as coisas são.

9. Filos. Na perspectiva dialética, categoria fundamental que designa a diversidade de relações pelas quais cada coisa, a cada momento, vem a ser tal como é. [Cf., nas acepç. (8 e 9), atributo (9), quantidade (7) e relação (8).]

10. Lóg. Caráter assertivo (negativo ou afirmativo) de uma proposição.

11. Bras. Rel. Variedade, dotada de traços pessoais distintivos, de qualquer das entidades [ v. entidade (6) ] do panteão religioso afro-brasileiro, que a faz detentora de denominação especial: 2

"menos qualidade e mais singularidade"

A preferência de Roberto Alvim pela “singularidade” contrapondo-se à “qualidade” pode ensejar discussões acaloradas, desde que as pessoas queiram “discutir” essas particularidades que certas palavras carregam.

Qualidade, digo, a palavra qualidade pode significar tantas coisas, pode ser interpretada de tanto jeito diferente. O que me deixou intrigado com a afirmação do Alvim de que prefere “menos qualidade e mais singularidade”, parece-me que ele estabeleceu um tipo de “paradoxo”. Se a tal singularidade é “a qualidade do singular”, qual, então, seria a “qualidade da qualidade”? Ah...! Você poderá dizer que o substantivo “singularidade” tem o “adjetivo” singular. Mas o substantivo “qualidade” não tem – pelo menos eu desconheço – um adjetivo nascido dela.

Um pouco mais. Se pegarmos, literalmente, a primeira acepção da palavra “qualidade”, vemos assim escrita e definida: “Propriedade, atributo ou condição das coisas ou das pessoas capaz de distingui-las das outras e de lhes determinar a natureza”.

Quando Alvim declarou em alto e bom som que dá preferência a “menos qualidade e mais singularidade”, lá naquela mesa redonda com o Bortolotto e a Gabriela Mellão, ele quis dizer mesmo o quê?

Talvez, sim, estou escrevendo talvez, a qualidade da qualidade de Alvim poderia então, ser algo que fosse uma propriedade, um atributo ou condição de uma coisa – da tal singularidade referida acima – ou das pessoas capaz de distingui-las das outras e de lhes determinar a natureza, ou a tal qualidade da qualidade? É uma pergunta que estou tentando ver/ler nas palavras (escritas) por Alvim ou ouvi-las/senti-las de sua própria boca.

Tenho que confessar é uma coisa muito intrigante deparar-me com essa coisa de “menos qualidade e mais singularidade”.

Ainda, levando ao pé da letra o que foi dito e o que o significado do que foi dito possa ter sido dito sem ter sido, de verdade dito e, assim, ficando o dito pelo não dito, ou seja lá o que isso possa significar mesmo, começo a buscar um entendimento da tal afirmação.

Para entender, claro, temos que refletir – filosofia barata, com certeza. E para que a mágica do ato de filosofar, mesmo em botecos, aconteça, é necessário formular algumas perguntas:

No entendimento do Roberto Alvim, menos qualidade - mais singularidade pelo que singular é - pode significar “mais único, mais particular, mais individual”?

Ou, pode ser entendido como “não vulgar”, portanto, “mais especial, mais raro, mais extraordinário”?

Seria aquilo que é “mais diferente, mais distinto, mais notável”?

Isso nos leva - me leva, em particular - a perguntar: é uma opção pelo “mais excêntrico”, o “mais extravagante”, o “mais esquisito” e o “mais bizarro”?

Na lógica, a tal palavra “singularidade” ensina que é o “que se aplica a um só sujeito”. E, também, aquilo e tal e coisa, “que convém a um só dos indivíduos da espécie”.

Se a singularidade se aplica a um só indivíduo, um coletivo não poderia ser singular. Talvez a tal qualidade – o singular – aconteça pela reunião de indivíduos tão singulares, tão diferentes entre si, tão especiais, tão esquisitos, excêntrico, bizzaro que, talvez, estou ressaltando, talvez, possam ter uma mesma feição, com traços similares – não iguais – aos da expressão “alviniana”.

Talvez, aí, depois de viagens filosóficas e o uso do “control C – control V” para não ter que digitar o que a fria letra da lei dos significados das palavras usadas em nossa língua nos ensina, poderia ter chegado a uma conclusão.

Mas, mesmo concluindo, terei que jogar mais perguntas, pois a essência da arte de filosofar é perguntar.

Então, ajude-me com sua resposta, meu querido e inestimável mestre Roberto Alvim.

Você que provocou em mim aquela mesma sensação que você teve quando, numa certa madrugada, em São Paulo, naqueles primeiros dias na capital paulistana, na sacada – seria na varanda ? - do apartamento do Peréio teve que se conter para não empurrá-lo sacada abaixo, sim, você disse que teve que se conter para não empurrar o Peréio lá do alto daquele prédio e que, ao se conter, teve um tipo de iluminação e escreveu seu “Anátema”, uma obra de seu amadurecimento como autor e diretor.

Então responda, mestre Alvim, ao matar, simbolicamente, claro, o seu mestre, ou um mestre, você encontrou o seu caminho para atingir o singular? Aquilo que “convém a um só dos indivíduos da espécie”? Sim, da espécie de pessoas, seres humanos, ou da espécie de escritores, dramaturgos?

Para esclarecer: eu nunca tive vontade de empurrar o Alvim prédio abaixo, nem matá-lo. Claro que não!

Mas, acreditem, eu o matei. Eu matei o Roberto Alvim. Matei mesmo!Mateio-o como meu mestre, já que, diante de tudo o que de importante ele me mostrou – aos outros participantes também, espero – e de tudo o que ele me provocou, me exigiu, me induziu a pensar, me ensinou a pesquisar, estudar, resultou numa enxurrada de ideias, não uma simples enxurrada, mas o rompimento de um enorme represa, fazendo com que tudo aquilo que estava represado em mim há 60 anos, começasse a vazar, a fluir rio abaixo. Sim, vazei-me como pessoa na forma de palavras, de sete peças de dramaturgia que escrevi desde então e que, a partir de certo momento, é uma de minhas principais motivações como pessoa.

Sim, eu matei o Roberto Alvim, matei mesmo. Matei-o como meu mestre.

E a partir de então, começo a trilhar os caminhos que a mim se abriram. Caminhos difíceis. Pedregosos. Íngremes. Desafiadores pelo que de desconhecido eles tem. Caminhos de incompreensão, de dúvidas. Muitos medos. Desilusões. Todos os afetos que, por serem da vida, do humano, me fazem acreditar no que é possível ou no ser possível.

Tem uma frase dita pelo mestre Matsuó Bashô – aquele mestre dos haikais - que diz mais ou menos assim: “Não siga os antigos. Procure o que eles procuravam”. Não faça o mesmo que seu mestre fez e faz, procure o caminho que ele procurava. Sim. Talvez ir por outros caminhos, buscando o que os mestres buscam sempre.

Mas, há também, uma frase, bem no estilo nordestino – olha só 50% do meu sangue baiano aqui: “Qual caminho vou percorrer? Ah... eu vou pelo outro”.

Atingirei o que, com ele?

Sabe que não sei!

segunda-feira, 22 de março de 2010

Richard Rebelo, clown, palhaço-caipira, D. Quixote e Cantinflas

Richard Rebelo, Cantinflas, Dom Quixote e Sancho Pança
Uma livre associação de imagens e palavras.

Ao publicar, hoje, dois posts sobre a arte do monólogo, fui buscar nos meus arquivos fotos do Richard Rebelo. Uma imediata associação veio à minha mente. No seu currículo, Richard Rebelo tem uma participação em um espetáculo onde fez um “clown”. A associação que fiz foi do rosto expressivo do Richard, imaginando-o um “clown” de cara lavada. Também imaginando-o com a figura do personagem do palhaço-caipira Veneno – da peça musical “Arco, Tarco ou Verva? Paixão e Alegria de Um Barbeiro Caipira”, de minha autoria, que ele teria feito tão bem, caso o projeto, em 2008, não tivesse sido arquivado pelo MinC, pelo descuido do produtor em não enviar cópias de documentos de sua produtora para a continuação do projeto pela Lei Rouanet. O projeto abortado forçadamente em 2008 será retomado, este mês, por outro produtor em Curitiba.

Associei, também, não só a figura do Richard como um “clown”, um palhaço-caipira, um heroi de uma epopeia grega, um narrador do conflito de Canudos, talvez ele como o sempre presente escudeiro Sancho Pança, numa possível montagem teatral de D. Quixote.

Então Sancho Pança levou-me a D. Quixote e o “cavaleiro da triste figura” levou-me, na associação que minha mente fez, ao genial – e para mim imortal – ator mexicano Mario Moreno, o Cantinflas, falecido em 1993, aos 82 anos. No ano que vem será comemorado o centenário de nascimento de Cantinflas.

O que ligaria Cantinflas a D.Quixote? O que Richard poderia ligar um personagem a outro?

Esta semana Richard Rebelo vai estrear o monólogo “A Luta”. Uma adaptação do livro “Os Sertões” para o teatro. Com certeza será outra monumental interpretação de Richard em um texto difícil, longo e feito na medida do seu imenso talento de intérprete. O talento de Richard para monólogos difíceis foi provado com o Canto XVI, da Ilíada de Homero, que ele apresentou em maio do ano passado, no Museu do Catete, no Rio de Janeiro.

Richard, Cantinflas, Canto XVI da Ilíada, palhaço-caipira, clown, D. Quixote.

Tudo isso me fez lembrar de uma citação em D. Quixote de um autor de livros sobre “Cavaleiros”, um dos que inspiraram o personagem de Cervantes a empreender sua aventura sem sentido, se é que sonhos possam ser assim considerados. Lendo o original em espanhol de Feliciano de Silva (Século XVI) e citado por Cervantes, associei que aquele jeito de falar tinha um certo ar de Cantinflas. Ou melhor, que Cantinflas, talvez tivesse um pouco de Feliciano de Silva, citado em D. Quixote.

Uma das falas mais conhecidas em Cantinflas, no seu jeito de falar sem sentido e provocando risos no modo como se expressava – rápido, confuso, dissimulado, desconcentrado, irônico etc, o personagem criado e interpretado por Mário Moreno, dizia:

¡Pueblo que me escucha! Aquí me tienen ante ustedes y ustedes delante de mí, y esta es una verdad que nadie podrá discutir.

Y ahora me pregunto: ¿y por qué estoy aquí, si podría estar en otra parte? Y enseguida encuentro contestación, porque soy muy rápido en todo.

Estoy aquí porque no estoy en otra parte y porque ustedes me llamaron, y si el pueblo me llama, el pueblo sabrá por qué lo hizo.

Agradezco estos aplausos tan desnutridos a la par que merecidos, que me incitan a seguir discursiando. Y ustedes se preguntarán: este joven de tan tierna edad, tan guapo, de aspecto tan distinguido, de cara tan agradable, ¿será capaz de conducir una nave a buen puerto?

Em D.Quixote, o texto de Feliciado também tem o mesmo estilo confuso e engraçado. Está assim no capítulo inicial – As leituras do fidalgo:

“La razón de la sintazón que a mi razón se hace, de tal manera mi razón enflaquece, que com razón me quejo de la vuestra fermosura”.

E também: “ Los altos cielos que de vuestra divinidade divinamente com las estrellas os fortifican y os hacen merecedora del merecimiento que merece la vuestra grandeza...”.

Quem lê e escreve, sempre faz essas ligações. Talvez alguém possa considerá-las sem nenhum sentido. Talvez sejam mesmo. Mas nossa mente liga tanta coisa sem sentido que só ganham sentido por quem para um pouco para pensar e tentar compreender por que “razão a minha sem razão que à minha razão se faz...” e se fez no momento em que via o expressivo rosto de Richard Rebelo numa foto de sua apresentação em “O Causo é o Seguinte...”

Quem não sabe muito sobre Cantinflas - que até deu origem ao verbo "cantinflear" pela Real Academia Espanhola, pode conhecê-lo ou relembrá-lo. Aqui sobre Cantinflas na Wikipedia.

Ou em um dos vários videos, no YouTube, do magistral Cantinflas com uma explicação sobre os átomos.

Também sobre a Gramática do “indioma” Castelhano.

A arte do monólogo em Richard Rebelo e Rosana Stavis

Richard Rebelo em "O Causo é o Seguinte..."

O Festival de Teatro de Curitiba que chega à sua última semana a partir de hoje, traz uma infinidade de modalidades de espetáculos que atende a um público bastante variado também. Dentre essas modalidades, uma que sempre atrai bom público interessado - por ser muito específico o trabalho a ser conhecido - é a do monólogo.

Em Richard Rebelo, que há tempos tem trabalhado com textos desafiadores e pesados - no sentido de textos extenuantes e que exigem um trabalho intenso e muito particular não apenas de memorização, mas, sobretudo de concentração do ator em cena - o monólogo é uma das atividades profissionais dele que, acredito, mais lhe dão prazer e reconhecimento da crítica e do público.

Assisti, há algum tempo, uma memorável apresentação de Richard Rebelo num dos espaços do ex-ACT. Tratava-se do Canto XVI, da Ilíada, de Homero. Ao contar e cantar as batalhas e os lances heróicos dos personagens, Richard tornava-se, pelo brilhantismo do seu trabalho, num dos nossos herois. Um heroi real, desafiando nossa atenção com aquele texto repleto de drama e, sobretudo, cheio de ensinamentos sobre a língua portuguesa e a arte de interpretar.

No ano passado, durante o período em que transcorreu o trabalho da Oficina de Dramaturgia do Núcleo de Dramaturgia do SESI Paraná, pude ver outro memorável trabalho em cima de um monólogo. Pude, por essas felizes oportunidades, assistir a uma tarde de ensaio de Rosana Stavis com o texto de "Árvores Abatidas... ou para Luís Mello". Depois fui assistir ao espetáculo no Teatro da Caixa. Rosana se agigantava nas várias vozes dos personagens do texto que foi adaptado pelo seu marido e diretor da montagem, Marcos Damaceno. Ali, naquele palco, Rosana também parecia, para mim - e com certeza para muita gente - uma figura heroica.

O monólogo, no conceito de um espetáculo com um só ator em cena, é sempre um desafio. Não só para quem vai apresentá-lo, mas, sobretudo, para o público. Também o é para quem o dirige, assim como foi, antes, para quem escreveu seu texto.

Pesquisando sobre o monólogo, impactado que fui, tempos antes, pela apresentação memorável de Richard Rebelo com o Canto XVI, de Homero, e por Rosana Stavis, encontrei um texto do autor, diretor e professor espanhol José Sanchis Sinisterra sobre o tema. O texto publicado em espanhol e disponível no site do CELCIT, da Argentina, foi um desafio para mim também. Não apenas para ler e entendê-lo, mas foi bem maior, porque eu o julguei importante ser levado ao conhecimento de outras pessoas e o fiz através da tradução que realizei e que, dias depois, socializei para quem tivesse interesse em saber mais sobre "A Arte do Monólogo" e como ela é vista e interpretada pelo teórico e criativo autor espanhol, José Sanchis Sinisterra.

Quem gosta de estudar, pesquisar e conhecer um pouco dos meandros do estudo da dramaturgia, o texto do Sinisterra é tão desafiador quanto os trabalhos de Rebelo e Stavis. Quem desejar, pode ler o texto publicado da Revista CELCIT - Teatro - edição 35/36 - no original em espanhol que está no site do CELCIT. Ou, quem quiser, pode acessar e ler a versão para o português que eu fiz.

Sinisterra classifica o monólogo em três modalidades gerais:

I – O locutor (o sujeito monologante) se interpela a si mesmo;

II – O locutor interpela a outro sujeito (o Personagem B);

III – O locutor interpela ao público.

E é em cima dessa classificação que Sinisterra trabalha e esclarece - dentro de sua visão - o que é o monólogo e como ele é apresentado em espetáculos de teatro como os de Richard Rebelo e Rosana Stavis, para citar os que pude assistir recentemente.

Aqui, a abertura do texto com alguns parágrafos iniciais que eu traduzi:

A ARTE DO MONÓLOGO

Por José Sanchis Sinisterra

Tradução de Rogério Viana

Quem sabe deveríamos começar por perguntar-nos: de que falamos quando falamos do monólogo? Porque é possível que, pressupondo que o termo remeta para todos e inequivocamente ao mesmo objeto referencial,nos encontremos naufragando no lodo de imprecisões, generalidades, lugares comuns, clichês e outros tics conceituais que configuram, contudo e por desgraça, o território da dramaturgia. A diferença da sólida, precisa e sistemática – ainda que também plural e contraditória, naturalmente – gama de estudos literários que constitui a narratologia, dotada de um vigoroso e florescente corpo instrumental, a investigação dramatúrgica leva uma arcaica esteira de preceitos, noções e padrões analíticos que, além de evidenciar uma letal inércia teórica, resultam inoperantes para dar conta da heterogênea e complexa casuística da produção textual contemporânea. Inclusive, em grande medida, para revisar com critérios atuais a dramaturgia tradicional.

Daí a necessidade de repensar, inclusive com a maior modéstia conceitual, todos os componentes do sistema dramatúrgico, desde as múltiplas articulações que podem estabelecer-se entre a fábula e a ação dramática, até cada um dos parâmetros da espacialidade, a temporalidade, o personagem textual, os vetores e graus da figuratividade, os recursos didascálicos e, particularmente, as muitas diversas configurações do discursos que se manifestam na fala dos locutores; dito de outro modo, os enunciados dispostos pelo autor para ser proferidos pelos “atores”. (Resisto faz tempo a chamar diálogos a esse material textual, dado que o termo designa, precisamente, uma de suas modalidades discursivas.)

Em vista, pois, dessa desconfiança que deve presidir o uso de termos e conceitos transmitidos acriticamente pela tradição, perguntamo-nos de novo: O que entendemos por monólogo? Devemos seguir atendo-nos às concepções classicistas, reformuladas modernamente por teóricos tão sólidos como Patrice Pavis, que o identificam abusivamente com o solilóquio e o definem como expressão dos pensamentos do personagem em situação de solidão dramática, diga-se, sem outro destinatário que ele mesmo? A própria definição de Pavis (“Discurso de um personagem que não está dirigido diretamente a um interlocutor com o propósito de obter uma resposta”) justifica sua qualificação de “antidramático”, no que coincide com outros muitos teóricos e práticos da dramaturgia que não duvidam em condená-lo a um patamar das convenções obsoletas.

Porém se nós permitimos modelar a critérios mais específicos – e inclusive mais estritamente etimológicos: “fala ou discurso de um só locutor” - e abrimos ao mesmo tempo a perspectiva para envolver a grande diversidade desdobrada pela dramaturgia realmente existente, podemos considerar como monólogo toda sequência dramatúrgica em que o discurso é ligado a um único sujeito, independentemente de sua extensão (uma situação, uma cena, uma obra maior...) e da “identidade” de seu destinatário. E é justamente esse último fator o que determina, não apenas a natureza, sem sombras de dúvidas, dramática do monólogo – diga-se, sua intrínseca e rica teatralidade -, senão também a ampla gama de suas modalidades textuais.

(...)


O texto completo de Sinisterra em português pode ser acessado aqui.

A Luta - Euclides da Cunha por Richard Rebelo

Richard Rebelo, no Canto XVI de Homero,
no Palácio Catete, Rio de Janeiro - 2009
(foto de Gilson Camargo)

Em maio de 2009, completando dez anos de estudos da Ilíada de Homero e a convite do museu da republica, o ator Richard Rebelo apresentou o canto XVI da Ilíada no salão nobre do palácio do Catete no Rio de Janeiro. Na ocasião o escritor carioca Ivan Jaf estava na platéia e nasceu ali um novo desafio, a adaptação da obra Os Sertões de Euclides da Cunha para a interpretação de um único ator.


“Minha intenção foi transformar o narrador num rapsodo que conta numa longa prosa épica, as batalhas reais entre a luz e a escuridão no sertão nordestino no final do século XIX” diz Ivan.


O monologo “A Luta” fará sua estréia no festival de teatro de Curitiba com a direção do psicólogo, preparador de elenco e diretor de teatro Tonio Luna. Foram nove meses de trabalho, sessenta paginas para decorar e um intenso processo de preparação para uma hora e quinze minutos de espetáculo. A adaptação é fiel ao livro, segundo Jaf.


“Euclides criou uma simbologia poderosa, traduzindo em imagens de batalha a luta entre as forças republicanas, que traziam a modernidade e o obscurantismo religioso, que alicerçava a monarquia” alem disso os aspectos psicológicos de Antonio Conselheiro, Moreira Cezar e outros personagens da história aparecem bem trabalhados por Tonio Luna.


Tudo indica que A Luta será um dos destaques deste festival para quem aprecia um bom trabalho de ator com texto de qualidade. O espetáculo será apresentado na sala de atos do Paço da Liberdade, espaço recém inaugurado pelo SESC, na praça Generoso Marques, imperdível.


Serviço:


Espetáculo A Luta

Onde: Paço da Liberdade

Quando:24/03 21h, 25/03 12h, 26/03 15h, 27/03 18h e 28/03 21h.

Duração 75 minutos

Texto Ivan Jaf

Direção Tonio Luna

Interpretação Richard Rebelo

Iluminação Wagner Correa

Contatos:

RR e Acerte! Produções artísticas.

Tonio Luna 041 96199126

Richard Rebelo 041 96551146