quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Um resumo sobre Diálogos

Núcleo de Dramaturgia SESI São Paulo

RESUMO DA AULA DIÁLOGOS

Por Marici Salomão

Há quem diga que depois de o autor saber qual é o seu ENREDO e os seus PERSONAGENS, escrever os DIÁLOGOS é a parte fácil de uma peça de teatro. É difícil de concordar com essa idéia.

DIÁLOGOS são uma das partes mais visíveis de um espetáculo teatral, e sua sonoridade evoca muito mais do que apenas PALAVRAS. É preciso conhecer PROFUNDAMENTE a alma do personagem para SABER o que ele tem a dizer. É preciso saber suas origens, desejos e poder de ação.

DIÁLOGOS não são informação tão somente do que aconteceu, acontece ou que poderá vir a acontecer, mas a EXPRESSÃO de seus desejos e vontades, recônditos ou não. Saber o que o PERSONAGEM fala é saber quem é o personagem.

Por outro lado, É PRECISO CONHECER ou INTUIR a forma que terá sua peça. Os diálogos também estarão diretamente relacionados com o tratamento que você está dando à sua PEÇA. Trata-se de um drama? De um épico? De um texto lírico? Ou de qualquer forma híbrida a preencher os espaços da ALMA da peça?

Escrever diálogos depende, claro, de um TALENTO NATO para ouvir a fala do nosso tempo, mas também podemos pensar que podem ser aprimorados por alguns estudos. Pode ser de valia a pesquisa de DUAS CARACTERÍSTICAS que fundamentam um bom diálogo: a RETÓRICA e a METÁFORA.

Por RETÓRICA (entendamos a ligada à argumentação, está mais colada nas idéias dos retóricos gregos, do que na dos estilistas franceses do Classicismo).

A METÁFORA, essa capacidade de substituir por uma IMAGEM FORTE o que muitas palavras nem sempre conseguem expressar em termos emocionais, é outra CARACTERÍSTICA que pode alavancar a qualidade dos diálogos teatrais.

Se pensarmos em ROMEU E JULIETA, podemos perceber quantas vezes o amor é manifesto em imagens (faladas e visuais, decorrentes da ação), sem que seja preciso lançar mão da manjada: “Eu te amo”.

Para saber mais, leia:

- POÉTICA
Aristóteles. Poética. Trad. Eudoro de Souza Abril Cultural, 1979.

- A EXPERIÊNCIA VIVA DO TEATRO
Eric Bentley – Coleção Palco e Tela Zahar Editores, 1981

- MANUEL DE RETÓRICA
Armando Plebe e Pietro Emanuele Martins Fontes, 1992

- DA METÁFORA
Sheldon Sacks (Organizador) Pontes e Editora da PUC-SP, 1992

Anotações de Marici Salomão

Núcleo de Dramaturgia do SESI São Paulo

DO CADERNO DE ANOTAÇÕES


. Lembre-se que uma peça de teatro é para ser FALADA, não para ser lida.

. Tente VISUALIZAR ao máximo uma cena. Um detalhe pode mudar toda a peça, além de atestar sua veracidade.

. No início, use o FREIO – construa as ações com calma, REVELE aos poucos. Depois do clímax, NÃO perca muito tempo, o espectador pressente ou já sabe o que virá.

. No teatro, é muito mais importante o “COMO” (as coisas acontecem) do que o “O QUE” (acontece).

. Um personagem é uma FORÇA dentro de uma história. Força pode ser entendida como o caráter que move a decisão de um personagem.

. O ENREDO ou a estrutura dramática é a parte mais difícil da construção dramatúrgica. Dê atenção a ele, mesmo que no decorrer da escrita, você queira mudar tudo.

. DIÁLOGOS devem conter metáfora e retórica (no sentido de argumentos do personagem). Pense também que devem conter certa IMPERMANÊNCIA, mudanças de estado, como ocorre na nossa vida comum.

. No DRAMA, a AÇÃO sempre ocorre no presente. Mas o PASSADO é fundamental para alimentar o PRESENTE. O tempo do drama é uma CADEIA de presentes: cada confronto entre PERSONAGENS gera um novo PRESENTE – ou um novo CONFLITO, até o DESFECHO.

. Numa peça de teatro, os SENTIMENTOS dos personagens são ATIVOS. Mostram-se em AÇÕES e REAÇÕES.

. SUSPENSE tende a aumentar o interesse do ESPECTADOR em relação à peça. O ESPECTADOR gosta de perguntar: E o que em depois? O que vai acontecer?

. Interessa numa peça de teatro a DINÂMICA EMOCIONAL por baixo da AÇÃO. Mas é na AÇÃO que o campo emocional pode se revelar.

. CARICATURA é resultado da GENERALIZAÇÃO. Portanto, quanto mais específica for a CARACTERIZAÇÃO do personagem, mais INDIVIDUALIZADO ele poderá se tornar.

. Quando for escrever uma CENA, pergunte-se: O QUE, COM QUEM E ONDE ACONTECE? Já são boas perguntas para começar. Depois, se pergunte: POR QUE acontece?

Marici Salomão

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Palavras Rotas

Reflexos de uma esquina

Palavras Rotas

haja palavra para tanto discurso
tanta promessa, tanto descaso
tanta esperança, tanto fracasso
tanto furor, tanta ressaca

há palavras que me cutucam
outras me assustam
algumas que me fogem – a maioria
aquela uma vem e vai

houve um tempo que palavra valia
hoje, palavra vazia é o que se vê
que se ouve, que se lê
que se pega pelo pé, essa vadia

já faz algum tempo que tento
quase me arrebento por ela
- eu vivo de você e você bem sabe
a palavra é meu sustento

dormia no sofá uma palavra veio
me pegou assim sem querer
bateu em mim de cheio
uma palavra bala perdida

tento jogar palavras fora
jogo com elas, jogo insano
pego aqui, escrevo ali
a palavra sempre me vence

sem forças para vencer
sem raça para ganhar
sou como o velho perdedor
caído por palavras rotas

Rogério Viana

Curitiba – 12 de julho de 2006 - 19h10

Casais - de Susana Lastreto

Susana Lastreto

Trecho da peça CASAIS (Parejas, em espanhol), da autora, atriz, diretora e professora de teatro Susana Lastreto, argentina que reside em Paris. A tradução para o português é de Rogério Viana. A peça foi originalmente escrita em francês e, depois, traduzida para o espanhol pela própria Susana Lastreto. O texto estreiou em Paris em janeiro de 1995.

(a peça é divida em noites)

(...)

QUARTA NOITE

Acende uma luz. O homem e a mulher estão em
seu quarto. A adolescente em seu, porém ouve
a conversa. Não se deve ver completamente ao
casal. Somente uma área do quarto. Mostrar
uma visão fragmentada da cena.

Mulher – Vamos fazer um jogo? Eu sou
Justine e você... faça-me o que quiser... Eu
jogo a que não se mova nenhum pelo...
porém deixo que faça qualquer coisa...

Homem – Bem... porém hoje eu gostaria
de jogar alguma coisa, mas...

Mulher - … proibido? Vai ver... sou a irmã
Feliciana e você é o padre da paróquia.
Padre, venho confessar... Ele me
interrompe enojadíssimo: Irmã, você
cometeu um pecado venial! Saia e reze
três Ave Maria... Ai, não, equivoquei-me.
Você cometeu um pecado mortal! Tire sua
roupa! Ahhh. Porém não tem nada por
baixo da roupa... Que vergonha! Vou lhe
dar umas boas palmadas nesse seu
traseiro!

Homem – Bom, chega! Se você faz todos
os papéis, eu o que faço?

Mulher – Tens razão, vamos trocar... Eu
sou Maria, a empregada. Você acaba de
acordar. Grita: Maria! Já preparou meu
desjejum? Venha, traga-me aqui na cama,
por favor. Ai, porém... tem uma média mal
feita... Que descuidada... Vou dar-lhe...

Homem - … uma linda palmada, já. Vai
gostar que lhe dê uma... (ouve-se uma
palmada, a mulher ri). Continue fazendo
todos os papéis.

Mulher – Sim estes não te inspiram, se me
ocorrer outros...Olhe: sou um anjo nu... Eu
abro e fecho minhas asas... assim, assim...
basta fazer-me gozar... E agora sou um
homem, muito jovem, quase um
adolescente... e o recebo nesse buraco
soberbo, suave, redondo, acolhedor que
tenho no meu cu... Sou uma puta e você é
meu assassino: mata-me a punhaladas! E
eu te estrangulo até que goze e sobre teu
sêmen cresça a mandrágora... Sou uma
cadela quente, uma porca banhada em
lodo... Sou uma loba, uma leoa, um dragão
surgido desde do fundo dos tempos... Sou
um vampiro sedento!

(o homem deixa escapar um gemido)

Sou uma virgem, uma virgem imaculada...

Nunca ninguém me fez carícias. Tenho
medo, muito medo... Ai, senhor, cuidado...
está me machucando... Sou toda negra e
minha pele brilha e desliza entre suas
mãos... Sou um sexo desconhecido que se
revela na escuridão... Sou uma estranha
que bate à sua porta no meio da noite:
venha abrir. Boa noite, senhor, venho de
muito longe... Porém eu não o conheço,
nunca o vi antes... Bem, venha, entre, não,
minha mulher não está... Sou casado, sim,
faz muitos anos... Tire sua roupa, faz muito
calor aqui... E então eu digo: eu sou a
morte e venho para buscá-lo. Estás
perdido. Por que abriu a porta? É perigoso
abrir a porta para desconhecidos. Veja:
sou sua mulher, sua mulher morta. A
mulher que você assassinou.

(...)

A íntegra da peça pode ser vista neste link:


O bandido que há em mim

Uma máscara

O bandido que há em mim

descobri ser meu próprio bandido
atiro sem rumo e sem olhar direito
e atinjo uma estrela lá no céu

falseio uma assinatura e tento
descontar um cheque em branco
num banco qualquer de uma praça

vendo falsos medicamentos
uma água santa, um ungüento,
uma injeção para meu desânimo

suborno e pago propinas
um ser corrupto igual a mim
enriquece um texto banal

faço chantagens, seqüestro
tiro do rico o muito que ele tem
e distribuo aos pobres de espírito

assalto joalherias, bancos, galerias
subtraio obras de arte, sonetos
e minha poesia continua pobre

atropelo um velho na calçada
alcanço com o carro, avanço
e atiro ao chão o poder da rima

vendo sonhos estragados
batatinhas que não nasceram
e mastigo o vômito das estrelas

assim, aos poucos, me revelo
sou mesmo um bandido
e o bandido que há em mim
desdenha de tudo,
desenha sim
um risco todo torto e diz
para mim: segue, segue em frente
este caminho sem fim
lá na frente, na tal encruzilhada
você saberá bem pouco
um pouco nada mais de mim


Rogério Viana