quinta-feira, 30 de junho de 2011

Mijando depois de ler Leminski

Tomado por uma febre, talvez um calor provocativo, fui conferir letra a letra o tal controverso "Catatau". Muitos falaram ser o livro ilegível. Não é, apresso-me a dizer. Dá para ler, sim. Afinal está escrito em português e em outras línguas, também. O latim, por exemplo. Este, claro, não consigo entender, mas há algumas frases que parecem soar conhecidas. Há outras frases em batavo antigo (o holandês de antigamente). Há frases em francês. Outras em "leminskês". Aí a gente tem que aceitar o jogo e seguir em frente. Se é para entrar no jogo, com o livro aberto, tem que ter a mente aberta para pelejar com Leminski e o desafio que ele nos impõe. É a regra não ter regra. E seguir em frente é ganhar, mesmo sentindo-se perdido entre aquela florafauna de seres que se materializam como vocábulos, as tais palavras. Junção de letras, com ou sem sentido.

Um dia destes vi, num vídeo, um programa da OTV onde o jornalista Fernando Parracho falava sobre Leminski e sua obra com Sandra Novaes, professora da UFPR, com Paulo Teixeira, músico dos grupos A Chave e Blindagem e com o livreiro Aramis Chain. A professora Sandra, que escreveu uma tese de doutorado sobre a obra de Leminski , ao começar a falar teve um branco e perdeu-se na resposta. Ela riu, ficou sem jeito. Coisas, claro, que só Leminski mesmo poderia provocar em tão douta professora. O músico, um velho roqueiro das antigas, um rólingstones curitibano, contou alguns lances do Leminski quando este fez letras para músicas para os roqueiros de sua época e para outros cantores também. Amigo do Leminski, Chain disse que conheceu o poeta num dia de grande tristeza: Miguel, filho de Leminski com Alice Ruiz estava muito doente, de câncer, aos 10 anos, no Hospital das Clínicas da UFPR. Sobre a obra "Catatau", Sandra Novaes sintetizou dizendo que era um livro de "ditados, de provérbios" onde Leminski promoveu uma releitura deles e contou qual teria sido a visão de Descartes ao visitar o país que todos conhecemos.


Sandra Novaes também disse que Leminski é um autor "ignorado pela academia" e que conhece, em 30 anos na UFPR, poucos professores que estudam ou promovem leituras de textos do autor de "Catatau". Para ela a obra de Leminski precisa ser muito mais conhecida, lida, do que falada. Fala-se mais de Leminski, do personagem que ele foi, do que das obras que efetivamente foram produzidas e publicadas, boa parte somente viraram livros depois de sua morte, prematuramente, em 7 de junho de 1989.

E mesmo sendo um livro de "frases, de ditados e provérbios", temeria dizer que  "Catatau" é um livro onde Leminski brincou com a linguagem, juntando "frases", modificando-as, criando outras em cima, invertendo, traindo versões originais, traduzindo para seu jeito frases feitas, outras não feitas como poderia ser, mas, ao final (ah, ainda estou na página 63) e até onde estou ele não narra uma fábula, mas sim, explode em mil ideias, ou reflexões, ou rumina o que poderia ter ruminado, filosoficamente, o Descartes. Tudo até onde li é desconexo, até sem nexo. Mas a sequência de frases nos faz seguir adiante - estou indo. Há, claro, quem não conseguiu ler mais que 41 linhas de uma página, todas escritas num fluxo só, sem os tradicionais parágrafos. Há muitos trocadilhos. Lemas que viram temas. Leminski adora brincar com o som das palavras e se diverte com assonâncias e aliterações. Brinca e goza com o som das palavras e se afunda na descoberta, na citação ou na invenção de termos. Daí ser muito rica sua prosa que é pura poesia, demência lúcida, e uma tresloucada aventura hipotética onde a hipotenusa nada tem a ver com o cateto, a não ser com a anta, a preguiça (o bicho), o tatu e o tamanduá, todos eles presentes no que vai desbravando da floresta tropical invadida pelos batavos em sua aventura tropicalíssima em terras pernambucanas.

Recortei algumas frases - claro, frases soltas, sem o nexo que o polaco quis dar a elas - e fui assinalando as que julguei ter algum interesse para reflexões posteriores, claro. Vai uma:

"Eu me chamo Procurado, muitos me têm procurado, poucos me têm achado. Eu estarei à sua direita, fazendo sinal. Sou o facho que atrai todos os olhares na escuridão das frases. Eu crio seres".

Não vou inferir nada sobre o que estou colando aqui. Depois, talvez eu faça um resumo do que colei (no caso, colar, de copiar, de citar). Deverá servir para alguma coisa. Ou não.

Vai outra, mas vou pegar um pouco mais, na viagem que Leminski faz:

"Letras me nutriram desde a infância, mamei nos compêndios e me abeberei das noções das nações. Consultei índices e consultei episódios. Desatei o nó das atas, manuseei manuais e vasculhei tomos. Olho no turno e diurno, palmilhei as letras em estradas: tropecei nas vírgulas, caí no abismo das reticências, jazi nos cárceres dos parênteses, rolei a mó das maiúsculas, emagreci o nó górdio das interrogações, o florete das exclamações me transpassou, enchi de calos a mão fidalga torcendo páginas. Em decifrar enigmas, fui Édipo; em rolar cogitações, Sísito (*), em multiplicar folhas pelo ar, outono. Frequentei guerras e arraiais; assíduo no adro das basílicas, cruzei mares, pisei o pau dos navios, o mármore dos paços e a cabeça das cobras. Estou com Parmênides, fluo com Heráclito, transcendo com Platão, gozo com Epicuro, privo-me estoicamente, duvido com Pirro e creio em Tertuliano, porque é mais absurdo. Lanterna à mão, bati à porta dos volumes mendigando-lhes o senso. E na noite escura das bibliotecas iluminava-me o céu a luz dos asteriscos." (...)
(página 30 da edição da Iluminuras de 2010)

Lá na página 51, perto do meio dessa, ele escreve:

"Eis o que é isso: cada eu tem jeito particular de se arranjar para não dizer nada."

Na página 60, vem Leminski com:

"Eu cometo hipóteses. Trabalho com hipóteses. Fabrico hipóteses. Façamos uma hipótese, por exemplo, este livro. Eu não estou ouvindo música, é outra coisa que está acontecendo. Signos evidentes por si mesmos, por incrível que cresça e apareça, multiplicai-vos! Creio em um sinal. Ei-lo. Não me lembro bem. Distraio-me. Perco os sentidos, ganhos os dados. Deus não já passou. Perdeu-se no fim. Aqui. Voltei. Disse que voltava pronto. Cá estou. O resto, salário do silêncio, o mistério, - um segredo óbvio. Eu, contemporâneo do meu fantasma, olho-me no espelho e vejo nada. Submeto-me a isso. A percepção. Não voltarei aqui. Me percebo. Triunfam. Tudo é claro, estou compreendendo.. Atenção. Quero a liberdade de minha linguagem. Vire-se. Independência ou silêncio. As Núpcias da Essência e da existência. Vir a ser é assim. Oração para chamar o minotauro, silogismo para pegar no sono. Que tal a fala, que tal você falando? Dizendo o que não sei, ouvindo o que estou cansado de saber? Quer ser eu? Para quê? O que é que vai fazer comigo? Ficar assim? Comunico. Vou embora. Tudo vai embora comigo. Tudo vai ficar sozinho. Mudar de rumo no meio. Alteração permitida. De novo, o espelho. A lei da atração dos espelhos me fixa aqui. Regra dos sólidos". (...)

E para finalizar, até onde estou, colo o que aparece quase no quarto final da página 61:

"Incenso nas ideias! Virtude é questão de fraqueza, forma é questão de fraqueza, a forma é a arte dos fracos."

Estou podendo perceber que entre frases, algumas soltas, aparentemente sem sentido, nexo ou consistência, Leminski provoca ao inserir na aparente balbúrdia, no palavrório aparentado da insanidade, algo com muita lucidez. Precisão. Cartesiano, como dizem alguns. Faz um corte. Cirúrgico. A homeopatia da brincadeira e gozação ele faz entre as frases, antes ou depois das vírgulas. E em tudo ele relata, cita, mostra, evidencia uma eterna preocupação: a linguagem, é a que vale. É a que ele preza e dá valor. E, na frase final, acima que citei, ele sentencia algo forte contra a forma: "a forma é a arte dos fracos". Assim, inventa um "Catatau" que ganha o apelido ou o reforço de uma explicação prévia de que se trata de um "romance-ideia". Não é romance e não é ideia, claro. E é romance e é ideia, sendo o que mesmo? Linguagem. Linguagem.

E é no campo da linguagem que, felizmente, creio eu, quis brincar e provocar com meu texto "O dia em que morreu Leminski". Sim, o dia em que morreu aquele "polaco loco paca" que deixou de ser poeta (e outras tantas coisas) para virar poesia. E dar nó (ele adorava a figura do Nó Górdio) em nossas cabeças. Na minha fez tóin... e na de vocês?

Na benevolente repugância de Leminski, ele diz e eu reforço, a seguir:

"Me nego a ministrar clareiras para a inteligência deste catatau que, por oito anos, agora, passou muito bem sem mapas. Virem-se"

O que escrevi, está escrito. Agora é com vocês. Afinal, como Leminski nos ensina, "mapa não é território" (ele escreveu isto de outro jeito) e cada um segue seu destino pelo caminho que desejar. Afinal, todos nós queremos chegar no mesmo lugar. E só a linguagem nos permitirá atingir este objetivo tão impreciso quanto necessário. A minha linguagem se completou. E vai ser mais evidente com a linguagem de cada um de vocês: o diretor Léo, os atores Felipe e Val, a atriz Nai, o cenógrafo Varlei, o iluminador Raul, o músico Gabriel. E o bando de loucos que tiver coragem de por dinheiro nesta aventura de fazer reviver, não o Leminski, mas uma ínfima parte de seu delicioso espírito.

Enquanto fazia o que vai aparecer óbvio demais nesta manhã, ocorreu-me esta frase.

Estou inchado de ideias, fedendo a novidades. O que eu faço? Mijo!


(*) Seria Sísifo? Ou foi outra brincadeira de Leminski, ou erro na digitação que também passou pelo erro da revisão. Mas como saber?

terça-feira, 28 de junho de 2011

Edifício Amor, uma comédia quase romântica

Edifício Amor, uma comédia escrita e dirigida por Pagu Leal

Danilo Avelleda apresenta “Edifício Amor”, uma comédia “quase romântica” e escrita e dirigida por Pagu Leal. Esta peça foi montada pela primeira vez em 2004 e agora conta com o incentivo do Edital de Mecenato Subsidiado de 2010. O texto tem como pano de fundo uma pesquisa realizada pela autora, Pagu Leal, sobre o amor e sua construção no Ocidente: como ele foi contado, analisado e inventado pela tradição amorosa. Um inventario que vem desde o “Banquete” de Platão, que passa pelas elegias romanas, pelas novelas de cavalaria, pelo romantismo alemão e chega aos dias de hoje, com o amor que é cantado pela nossa MPB. O amor que se construiu como um sentimento de incompletude. Este amor que vem, ao longo da história, acompanhado de dor. O amor paradoxal que nos faz feliz, e também, nos faz sofrer. Como nos explica Diotima no Banquete de Platão “O amor é filho da miséria e da fartura, está sempre com fome, mas sempre arruma o que comer.”
Essa nova montagem conta com a participação de Danilo Avelleda, que interpreta o grande arquiteto Longevo e marca o retorno de Silvia Monteiro como atriz, depois de 6 anos atuando como dramaturga e diretora. O elenco ainda conta com a interpretação de Luiz Carlos Pazello, Mevelyn Gonçalves e Juscelino Zílio.

A história da peça Edifício Amor” começa na noite da mudança de Cândida para o Amor. Nefelibata, um velho compositor aposentado, apossou-se do terraço e de lá observa atentamente os outros moradores por suas janelas íntimas, bebe whisky e fala de sua antiga paixão, Amália. Esta, uma escritora que há mais de vinte anos, pôs fim a sua vida em um dos apartamentos deste prédio. Eventualmente, o gênio da mecatrônica Gentil vai visitá-lo neste terraço e com ele, tabula conversas sobre sua platônica paixão por Solicitude, a enfermeira e esposa de Longevo, o idealizador do Amor. Nesta noite Solicitude sobe ao terraço a procura de Gentil. Está muito assustada, pois viu luz no apartamento da suicida Amália.  Solicitude ama Gentil, mas não pode abandonar seu marido Longevo, ancião doente que não fala há mais de dez anos. Enquanto isso, Pitosga, a sindica cega do prédio, procura seu cão Petit que foge do apartamento sempre que pode, com a intenção de fazer Pitosga passear.  Petit, em suas fugas, sempre acaba na lixeira do prédio, onde mora uma gata cruel, que desenvolveu com ele, ao longo de muitos anos, uma relação de amor e ódio.  A luz misteriosa no apartamento de Amália é a vela de Cândida, a nova e misteriosa moradora do Amor.  Mal sabem eles que depois desta noite, este Edifício e seus moradores, jamais serão os mesmos.


Ficha Técnica
Dramaturgia e Direção: Pagu Leal
Direção de Produção: Mevelyn Gonçalves e Juscelino Zílio
Elenco: Danilo Avelleda, Silvia Monteiro. Luiz Carlos Pazello, Mevelyn Gonçalves e Juscelino Zílio
Cenário: Cleverson Oliveira
Figurinos: Ricardo Garanhani
Iluminação: Nadja Naira
Maquiagem e caracterização: Marcelino de Miranda
Sonoplastia e trilha sonora: Cleber Hidalgo e JR Pereira

Serviço
Local: Teatro Barracão EnCena – Rua Treze de Maio, 160 – Centro (próximo ao Teatro Guaíra)
Temporada: de 01 a 31 de julho / quarta a sábado, às 21 horas e domingos, às 19 horas
Ingressos: R$ 20,00 inteira / R$ 10,00 meia entrada / R$ 5,00 preço especial para estudantes da rede pública de ensino.
Gênero: Comédia
Classificação: 14 anos
Duração: 70 minutos

Danilo Avelleda, Juscelino Zilio, Mevelyn Gonçalves, Sílvia Monteiro e
 Luiz Carlos Pazello do elenco de "Edifício Amor", de Pagu Leal

Sinopse

“Edifício Amor” é uma comédia que conta a história de um pequeno e antigo edifício chamado Amor. O Amor fica situado no coração de uma grande cidade. Foi planejado pelo grande arquiteto Longevo e teve seus áureos dias, quando tudo em volta, pessoas e cidade eram outros. Hoje, a localização é perigosa. Pressionado por prédios e arranha céus mais altos e modernos, o Amor resiste. Neste prédio habitam nove moradores que amam de maneiras específicas objetos distintos: o amor a alguém que não está, aos animais, às máquinas, a alguém impossível. Os moradores do Amor são: Nefelibata, Pitosga, Gentil, Solicitude, Longevo, Petit, Gata e Amália. Trazem em seus nomes suas qualidades e, também, o contrário destas qualidades.  Aquilo que é virtude vira defeito e vice e versa. A história se passa na noite em que Cândida muda-se para o Edifício Amor e essa nova moradora, vai mudar a vida de todos para sempre.