sábado, 20 de fevereiro de 2010

Casais, peça de Susana Lastreto que traduzi

Susana Lastreto no monólogo Nuit d’ été loin des Andes ou
dialogue avec mon dentiste, a peça "Casais" que traduzi
e ela em uma palestra

Em junho do ano passado, nas pesquisas que fazia sobre dramaturgia na América do Sul, deparei-me com o texto "Parejas", da argentina Susana Lastreto. Baixei o texto no site da CELCIT, de Buenos Ayres, imprimi e o li imediatamente. Como eu havia feito, dias antes, uma tradução do texto "Narraturgia", do espanhol José Sanchis Sinisterra, desafiei-me a traduzir, desta vez, um texto maior e mais complexo. Assim, assumi o desafio de traduzir a peça "Parejas". Em uma semana, trabalhando oito horas por dia, talvez até mais, terminei a tradução. Daí, então, fui saber um pouco mais sobre quem era a autora, Susana Lastreto. Ao pesquisar sobre ela, descobri que Susana nascera na Argentina mas que passara quase que boa parte da infância e adolescência no Uruguai, tendo, anos depois, mudado para Paris, onde foi estudar teatro. Hoje, Susana Lastreto é professora da Escola Internacional de Teatro Jacques Lecoq e dirige o grupo teatral GRRR. É autora de várias peças, dirigiu várias montagens e também tem um forte trabalho como atriz.
Ao ler mais sobre Susana Lastreto, encontrei seu e-mail e enviei para ela a tradução que eu fizera de "Parejas". Para minha agradável surpresa, dias depois, Susana Lastreto respondeu meu e-mail dizendo-se muito surpresa e agradecida pela tradução que eu fizera, afirmando que sempre se interessara pela língua portuguesa, que ela entende bem, mas que não sabia escrever nada em português. E confidenciou que a primeira cidade brasileira que ela conheceu no Brasil foi Curitiba, pouco antes de mudar-se para a França.
Desde, então, tenho trocado e-mails com Susana Lastreto, até porque, em novembro passado eu escrevi a peça "Eu Avec Você", onde dois personagens - o brasileiro Gabriel que mora numa grande cidade ao sul do Brasil, troca informações e confidências com Susana, uma argentina que mora na França. Ambos atuam com dramaturgia. A peça foi inspirada no encontro que tive com a Susana Lastreto.

Susana mostrou interesse em participar, no ano que vem, do Festival de Teatro de Curitiba e, hoje, em Paris, ela informou que vai participar, na Maison de la Poésie do espetáculo da CBT sobre Paulo Leminski.

Apresento, aqui, os comentários iniciais que Susana Lastreto fez da versão em espanhol dela mesmo da peça "Parejas" e que traduzi como "Casais". A peça "Couples" estreou em Paris em 1995 e, anos depois, foi traduzida do francês pela própria Susana.

A peça tem como personagens três mulheres - uma de 40-45 anos, outra de mais de 70 - 100 anos, e uma adolescente de 13-, e dois homens, um de 40-45 e um de 30-35 anos.

CASAIS

Noite. Uma adolescente sem sono. No escuro de seu quarto escuta... Os adultos festejam, fazem amor, fazem a guerra. A adolescente se levanta, abre portas, vaga, surpreende intimidades, confissões, dores, segredos. Percorre um labirinto de paixões, descobre o amor, observa o mundo adulto com um olhar curioso, crítica ou divertida, noite a noite, cresce. Ao final da noite, ou de muitas noites, já não será a mesma: terá se convertido em mulher, começará sua própria vida.
O homem e a mulher podem ser considerados como o mesmo casal ou casais diferentes. Por isso pouco importa que às vezes o casal tenha filhos e às vezes, não segundo as cenas. Nem que o tempo seja cronologicamente lógico. Segundo as cenas o casal se separa, ou recém se conhece, ou viveu juntos cem anos. Os personagens não tem por que ter relações de parentesco entre si; a velha, a dama das rugas não é a avó da adolescente, nem a adolescente a filha do casal. Pode ser às vezes.
É um universo mental. É um mundo noturno, de sonhos e penumbra. Meu desejo é que a cenografia seja a mais simples possível e que todos os textos, inclusive os mais poéticos, sejam ditos com uma grande simplicidade e muito concretamente.

A peça CASAIS (veja aqui) é dividida em sete noites (sete cenas, sete quadros).

Aqui, parte da cena da QUARTA NOITE, na versão que fiz para o português:

QUARTA NOITE

Acende uma luz. O homem e a mulher estão em seu quarto. A adolescente em seu, porém ouve a conversa. Não se deve ver completamente ao casal. Somente uma área do quarto. Mostrar uma visão fragmentada da cena.

Mulher – Vamos fazer um jogo? Eu sou Justine e você... faça-me o que quiser... Eu jogo a que não se mova nenhum pelo... porém deixo que faça qualquer coisa...

Homem – Bem... porém hoje eu gostaria de jogar alguma coisa, mas...

Mulher - … proibido? Vai ver... sou a irmã Feliciana e você é o padre da paróquia. Padre, venho confessar... Ele me interrompe enojadíssimo: Irmã, você cometeu um pecado venial! Saia e reze três Ave Maria... Ai, não, equivoquei-me. Você cometeu um pecado mortal! Tire sua roupa! Ahhh. Porém não tem nada por baixo da roupa... Que vergonha! Vou lhe dar umas boas palmadas nesse seu traseiro!

Homem – Bom, chega! Se você faz todos os papéis, eu o que faço?

Mulher – Tens razão, vamos trocar... Eu sou Maria, a empregada. Você acaba de acordar. Grita: Maria! Já preparou meu desjejum? Venha, traga-me aqui na cama, por favor. Ai, porém... tem uma média mal feita... Que descuidada... Vou dar-lhe...

Homem - … uma linda palmada, já. Vai gostar que lhe dê uma... (ouve-se uma palmada, a mulher ri). Continue fazendo todos os papéis.

Mulher – Sim estes não te inspiram, se me ocorrer outros...Olhe: sou um anjo nu... Eu abro e fecho minhas asas... assim, assim... basta fazer-me gozar... E agora sou um homem, muito jovem, quase um adolescente... e o recebo nesse buraco soberbo, suave, redondo, acolhedor que tenho no meu cu... Sou uma puta e você é meu assassino: mata-me a punhaladas! E eu te estrangulo até que goze e sobre teu sêmen cresça a mandrágora... Sou uma cadela quente, uma porca banhada em lodo... Sou uma loba, uma leoa, um dragão surgido desde do fundo dos tempos... Sou um vampiro sedento!

(o homem deixa escapar um gemido)

Sou uma virgem, uma virgem imaculada... Nunca ninguém me fez carícias. Tenho medo, muito medo... Ai, senhor, cuidado... está me machucando... Sou toda negra e minha pele brilha e desliza entre suas mãos... Sou um sexo desconhecido que se revela na escuridão... Sou uma estranha que bate à sua porta no meio da noite: venha abrir. Boa noite, senhor, venho de muito longe... Porém eu não o conheço, nunca o vi antes... Bem, venha, entre, não, minha mulher não está... Sou casado, sim, faz muitos anos... Tire sua roupa, faz muito calor aqui... E então eu digo: eu sou a morte e venho para buscá-lo. Estás perdido. Por que abriu a porta? É perigoso abrir a porta para desconhecidos. Veja: sou sua mulher, sua mulher morta. A mulher que você assassinou.

Homem – Chega! Seu jogo não tem nada de divertido!

(longa pausa)

Agora vamos jogar como eu gosto... Estamos em casa eu e você: cada um faz seu próprio papel. Chega sua amiga Eleonora. Eu digo: está muito bonita hoje, Eleonora...

Mulher – Não.

Homem – Mas sim, é um jogo! Agora você faz o papel de Eleonora. Eu a ajudo a tirar o que a encobre... depois eu tiro sua roupa lentamente... eu lhe dou um beijo... aqui...

Mulher – Não.

Homem – … e depois... aqui... Eu a acaricio pouco a pouco seu peito... assim, em sua frente... e você nos olha...

O esperado encontro de Leminski com Paris

O programa do evento sobre Leminski
e a notícia em sites franceses


Hoje, em Paris, na Maison de la Poésie, a apresentação do resultado do trabalho desenvolvido pela CBT - Companhia Brasileira de Teatro - diretor Márcio Abreu e os atores Nadja Naira, Giovana Soar, Rodrigo Ferrarini e Ranieri Gonzáles e diretores e atores franceses da Compagnie Jakart - Mugiscué, grupo francês com o qual a CBT, desde 2005, tem promovido uma troca de experiências muito intenso. O projeto tem o título de "Distraído, Venceremos" e se refere a um título de uma obra de Leminski.

Em dezembro de 2009, Márcio Abreu esteve em Paris e, juntamente com o diretor Thomas Quillardet, foi conhecer o trabalho que esse tem realizado com alunos do Colégio Guillaume Budé de Paris e do Liceu Paulo Éluard de Saint-Denis. Márcio revelou ter ficado impressionado com o que os pequenos alunos fizeram a partir dos estudos da obra de Paulo Leminski.

Hoje serão apresentados os resultados dos trabalhos feitos por Quillardet com os alunos das duas escolas francesas. O trabalho tem o título de "Distraídos, desembarcamos". Após será apresentado o trabalho dos integrantes da CBT e da Jakart - Mugiscué, e a apresentação tem o nome de "Distraídos, divagamos". Para finalizar, com o título de "Distraídos, deliramos", música brasileira e caipirinha com mais textos de Leminski e algumas versões em francês de textos dele

Retorno a Curitiba

O diretor e os atores da CBT retornam a Curitiba no final de fevereiro e, no dia 2 de março retomam os ensaios da peça "Vida", escrita por Márcio Abreu que será apresentada no Festival de Teatro de Curitiba. Os ensaios vão acontecer no Teatro José Maria Santos onde a peça será apresentada.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Teatro brasileiro ganha Enciclopédia Virtual

ENCICLOPÉDIA VIRTUAL DO TEATRO BRASILEIRO
é iniciativa da SP ESCOLA DE TEATRO




A SP Escola de Teatro está organizando a Enciclopédia Virtual do Teatro Brasileiro, que será hospedada em seu site. O lançamento acontece no Festival de Teatro de Curitiba. Assim, estamos desenvolvendo os primeiros verbetes. Gostaríamos de convidar você a ser um dos primeiros a integrar este projeto.

Para participar é bem simples, basta preencher o questionário.

Cada perfil contará com uma imagem. Essa foto pode ser de seu acervo pessoal ou de um profissional que aceite disponibilizá-la no site. Se a imagem não for de sua autoria, é importante que o próprio autor autorize sua publicação através de um e-mail contendo o seguinte texto.

Para participar envie e-mail para:
enciclopedia@spescoladeteatro.org.br

Divulgue esta iniciativa aos artistas que você conhece.


SUGESTÃO: Encaminhei algumas idéias para a SP Escola de Teatro para que eles coloquem no site deles um FORMULÁRIO (ativo e direto no próprio site) para que os interessados em se cadastrarem façam seus cadastro diretamente e com a inclusão de fotografia. Assim, evita-se o envio de material (via PDF) para ser, posteriormente copiado e retrabalhado pela Enciclopédia Virtual.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Cinco Cafés e Algumas Gotas de Afeto

Defeitos... cafés com defeitos nunca dão
boas bebidas. Grãos com defeitos, mesmo em cafés
de boas regiões, nunca dão boas bebidas.

No meu texto "Cinco Cafés e Algumas Gotas de Afeto", alguns encontros.

Cafeteria. Uma mulher vai ao encontro de um homem que seguiu um roteiro definido por ela para encontrá-la. É um tipo de jogo, um desafio, uma fuga da rotina ou o encontro de duas pessoas que se descobriram tão diferentes e incompatíveis. Quem deve submeter-se aos caprichos do outro. Cafeteria. Uma jovem espera pelo namorado. Eles se encontram. O café é o ponto de encontro e de discórdia. Cafeteria. Um homem fala do seu prazer pelo café e da impossibilidade que tem de experimentá-lo. E é através do café que ele identifica os potenciais e os talentos das pessoas. Cafeteria. Uma mulher e um homem se encontram, se reencontram, descobrem o que tem em comum e o muito que um nada tem a ver com o outro. Cafeteria. São várias, são cinco. E tantas histórias e personagens que aparentam ser o que não são e são o que aparentam não ser. Personagens: Dois homens e duas mulheres, um homem e uma mulher são jovens.

Uns diálogos da Cena 3:

Rubens – Fazia tempo que não nos encontrávamos!

Débora – Sim, a última vez foi naquele café...

Rubens – Desde então, como tem sido sua vida?

Débora – Desde então, tem sido diferente e a sua?

Rubens – Sua, sempre a sua?

Débora – A minha, sim, sempre a minha...

Rubens – Você não se preocupa com os outros?

Débora – Outros olhares, outras configurações do meu olhar

Rubens – Olhar para você e não reconhecer mais aquela mulher

Débora – Mulher, sinto-me outra mulher, mais forte...

Rubens – Forte como o café que você sempre gostou?

Débora – Gostou? Que nada... continuo gostando de novas combinações, sabores...

Rubens – Sabores é tudo o que lhe interessa...

Débora – Interessa sabores, lugares, cheiros, desafios, provocações...

Rubens – Provocações que você inicia e que, depois, desiste... só insinua e nada!

Débora – Nada do que foi será como agora...

Rubens – Agora é um tempo onde você não vive, não permanece. Está, depois não está mais,como se fosse apenas uma breve passagem.

Débora – Passagem, chegadas, partidas, malas, embarques, desembarques, destinos, e o mesmo roteiro de ir e vir, de estar, não permanecer

Rubens – Permanecer é difícil para quem não se vê real, nem se acredita íntegro...

Débora – Integro uma entidade onde seus membros são íntegros, todos. Íntegros na sua diversidade, nos seus estilos, manias, defeitos, sim, defeitos...

Rubens – Defeitos... café com defeitos nunca dão boas bebidas. Grãos com defeitos, mesmo em cafés de boas regiões, nunca dão boas bebidas.

Débora – Fiquei embebida com as novas combinações de sabores que a vida me tem presenteado.

Rubens – Presente, presente mesmo nunca estive. Sempre circulava por fora, tangenciando tudo, sem penetrar no essencial, nos sentimentos.

O texto completo está aqui ou no link:

http://recantodasletras.uol.com.br/roteirosdeteatro/2090289

Todos os meus textos são acessados aqui.



Ambiguidades em torno do próprio umbigo

O meu lado esquerdo é seu lado direito...
O espectro parece amplo. Posso ser extrema esquerda,
você sendo extrema direita. Há um ponto médio?
Centro esquerda. Se for para lá um pouco, é. Se não...

Seria trágico, poderia ser comédia. São reflexões limitadas ao perímetro que dá contorno ao umbigo de quem pensa que reflete, reflete sem pensar... No meu texto "Homem Ambíguo em Torno do Próprio Umbigo", isso é o que acontece: Antes de se enxergar ambíguo, o homem se enxerga espermatozoide, óvulo, cordão umbilical, feto, bebê, gente. Antes de nascer, ele foi gestado, sim, lá em pé, na escada, num sexo ocasional de uma adolescente e de seu namorado surfista que nem nome tinha. Numa rapidinha que bambeou quatro pernas. Depois, dialogando com seu próprio umbigo, enroscado ainda com seu cordão umbilical com a placenta, com o umbigo de sua própria mãe, sua mãe com seu próprio umbigo, trocando de umbigos e de ligações entre si – o homem, seu umbigo, a mulher e seu umbigo – toda a ambiguidade é revelada nas visões que cada um tem daquele limitado espaço importante mas que não pode e nem vai além de simples e simplificadas reflexões atemporais onde o espaço de análise e reflexão não vão além de poucos centímetros ao seu entorno.

Aqui, diálogos do homem e do seu próprio umbigo. Do primeiro quadro com o título:

"Gênese - Que porra é essa?":

Um homem

Mas isso estaria certo? É correto ver pelos olhos do outro? E os meus olhos? O que é meu olhar? Minha visão, meu jeito? O que vejo agora, se eu estivesse na sua posição eu veria apenas o contrário. Não é como um espelho, eu sei, pois em mim ainda nada reflete. Mas... bem, é sim... É como? Sim... Como uma imagem refletida. Não faz sentido enxergar apenas com um sinal invertido. De lá para cá, é... De cá para lá, não. O certo é errado, o direito é agora esquerdo, o lado que vai para lá, agora vai para cá... Vai ou vem? Tanto faz? Então, é um desconforto ter que enxergar e conviver com sentimentos divergentes, contrários, contraditórios, contrastantes. O que antes era claro, está agora confuso, equivocado. Embaralhou tudo? De novo? Estou correto ou, do meu ponto de vista, estaria equivocado?

O umbigo dele

Mas, por um lado, você verá por outro, não é? Visão privilegiada, isto sim! Poderá ver por outro, se do outro você não mais estiver. Parece ambíguo? Nem tanto. É uma vantagem ver-se olhando por outra perspectiva. Ou não? Basta girar. Afastar. Subir, descer. Dar um zoom ou fazer um traveling... Assim, sim... Percebeu? Ah, se você se considerar equivocado, por outro, o equívoco não existe. É tudo uma questão de ponto de vista. Ou não? Percebeu? Enxergue... Uma coisa pode ser tantas outras. Rode. Veja como as perspectivas se ampliam. Pule para este lado. Rode, venha, entre na roda... Gire, mova-se... Não saia do trilho... Se sair, aproveite ir para onde nem imaginou estar.

Um homem

Mas se eu pular para o seu lado, você, fatalmente, terá que vir para cá. Não podemos estar no mesmo lugar no espaço. O que? Um pouquinho mais para o lado? Você vive me confundindo com sua falta de habilidade de reconhecer-se de esquerda. Não? Sim, de esquerda. Já não é mais? Mudou?

O umbigo dele

Sim, vire para o lado esquerdo... Sim... um pouco mais para cá... Vamos, vire-se...

Um homem

O meu lado esquerdo é seu lado direito... O espectro parece amplo. Posso ser extrema esquerda, você sendo extrema direita. Há um ponto médio? Centro esquerda. Se for para lá um pouco, é. Se não...

O umbigo dele

Sim... então escolha...


Acesse o texto integral aqui.


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Entre fios e urdiduras

...um pouco da trama, dos fios que se entrelaçam,
costuram, tecidos, vozes, afetos, dramas e mentiras...


No meu texto "Parent(es)is - Fábula para seis ou mais vozes", seis ou mais vozes falam sobre e nos encontros que acontecem ou aconteceram numa antiga fábrica de tecidos e onde, hoje, as vozes são de outras pessoas, de atores, diretores, cenógrafos, iluminadores, gente que vive não mais na fabricação de tecidos mas na tessitura de papéis, de olhares. Os personagens são os pronomes pessoais, do singular e do plural. No terceiro ato - são quatro atos ou quatro quadros - "Entre fios e urdiduras", um pouco da trama, dos fios que se entrelaçam, costuram, tecidos, vozes, afetos, dramas e mentiras:

Eu – Foi assim. Ele chegou mais cedo que de costume. Não que ele fosse sempre o primeiro a chegar, mas estava entre os primeiros. Notou que o Roberto já estava. Só que o carro dele não estava na frente. Estava lá no fundo, perto da chaminé...

Tu – Logo com aquela moreninha? A de cabelo cacheadinho e olhos verdes?

Ele – Rapaz, nem te conto...

Nós – Apesar das aparências, ele não era de todo desprezível...

Vós – Ouviu um barulho estranho. Uma batida ritmada, seca. Andou mais devagar pelo corredor. Afinou os ouvidos... Pam, pam, pam, pam... pampampampampam...

Eles – Quando mostraram a nova cartela de cores, eu não acreditei. De novo este azul ridículo? Não gosto de azul. O quê? O céu de Curitiba está de novo cinza? Normal, não é? Até parece Londres. Só que aqui chove menos...

Eu – Não pare! Não pare! Vai, vai, vai...

Tu – E foi assim... Pampampampampampam... E ela gritou, gemendo, gritou gemendo... Deu para ouvir direitinho... Roooobeeeeertoooo... Roooobeeeeertoooo... você gozou dentro de
mim?

Eu – Menina, menina... Que loucura! Que loucura!

Ele – Sim, a menina do cafezinho disse que vai pedir demissão...

Nós – Não sei bem quando foi... Não fico controlando este tipo de coisa. Aqui, se está no orçamento eu pago, caso contrário, que se dane. Mas ele é chefe! É seu patrão, idiota! Se está previsto, eu pago. Não pago nada por fora. Não sou burro. Isso eu não sou. Podem me chamar do que quiserem, menos idiota. Doutora, a senhora tem remedinho para saco cheio? Manda aquela filho da puta enfiar os pedidos no cu! Não tem essa de pedir adiantamento. Se não está no orçamento, não dou. Nem que me amarrem... Mas... e daí, o que aconteceu depois?

Eles – Minha mãe não quer abrir mão dos direitos dela. Ela tem 50 por cento das ações. Afastá-la das decisões será difícil. E ela não vai dar procuração para o Roberto? Não vai mesmo...

Tu – Doutora, por favor, a senhor tem que me dizer o que tenho... É grave? O quê? O que é isso? A senhora dá uma receita, então.

Acesse o texto integral aqui.

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Caminhe sobre o fio da navalha

Venha, caminhe sobre o fio da navalha.
É pouco o espaço a percorrer?

Na minha peça "Eu Avec Você", dois autores de teatro, pessoas mais vividas e experientes, dialogam entre si e com seus personagens. Um está numa cidade ao sul do Brasil. O outro, em Paris. Gabriel é brasileiro. Aqui, ele fala um pouco da noção de tempo e espaço e da aventura de construir um pensamento, um personagem, uma voz.

Gabriel – Nem sempre tudo isso deve ser levado em consideração. Tudo, sempre, é tão pouco. Tudo é, na maioria das vezes, uma parte onde se evidencia uma discriminação latente. Que em algum momento vai aflorar nos vários discursos. Tudo é nada. Nada, no entanto, me faz acreditar que sejamos mesmos frutos de condições favoráveis. Que somos escolhidos ou que somos detentores de todas as qualidades que nos fizeram vencer a noção do tempo e do espaço e permanecermos inabaláveis aqui. Você é quem diz isso. Eu não. Eu não digo nada sobre tempo e espaço. Eu vivo, eu apareço quando me é possível, quando, alguém me faz ganhar corpo e voz. Sou um pensamento em construção, não é mesmo? Meu discurso, sempre é precedido por um vazio. O que vem em seguida, também é um vazio. E é sobre o vazio que devemos construir um entendimento.

Completar os espaços, as lacunas devem ser observadas atentamente. Nada de se opor ao que está lá para ser completado. Pense, reaja, ofereça alternativa. Construa, saia da mesmice, meu caro Martin. As dificuldades que você pode viver, não foram de todo tão más assim. Fizeram você ganhar corpo, deram voz, deram vez. Vez ou outra, também, está claro para mim, eu me deixo levar pelas aparências. Claro, ninguém é perfeito. Mas se é na busca de entendimento a perfeição deve ser uma meta, não uma utopia. O local é aqui, então, vamos tentar nos fazer entender e deixar de transigir sobre o real, o factual, o imagético, o narrativo, o dramático, o épico, o lírico. Cada coisa ao seu tempo. Então, há tempo de imaginar. Há tempo de representar. Há tempo de opor-se ao imaginado e há tempo para não representar assim tudo tão rasteiro, tão desprovido de dor ou de sentimento. Venha, caminhe sobre o fio da navalha. É pouco o espaço a percorrer? Aumente para o fio de uma faca. Também acha pouco. Desembainhe uma espada sarracena. Ela não será mais desafiadora? Ah, meu caro Martin. Quanto eu não daria para ir com você para Paris? Mas dar como? Nada tenho, nada possuo. Nada posso tirar de onde nada existe.
De onde? Você me atribui assim tanta capacidade de improvisar? Mas tenho que confessar que ando meio cheio de tanto jogo de cintura, está sabendo? Não dá, não dá mesmo para ficar assim sempre projetando coisas que nunca se transformam em pequenas coisas reais e necessárias! Tem horas que quero jogar a toalha. Dizer chega. Não suporto mais levar tanta porrada! Não aguento mais ter que me subordinar a questões tão mesquinhas. Sou um pensamento vivo. Ganho voz se você me permitir que eu use o seu corpo para me expressar. Assim é como eu vivo!

Acesse o texto completo aqui.

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Traduzindo Leminski, sensibilidade e provocação

Cada poema inspira uma canção: Leminski nas vozes de Paris


O relato da CBT em sua aventura com Leminski nas ruas e nos palcos de Paris

(por Nadja Naira)

16.02.2010 - Nas ruas e nas vozes dos parisienses, poemas de Leminski

Os ensaios e a produção da apresentação estão realmente intensos. Diversas saídas pela rua para captação de imagens dos atores nos pontos turísticos de Paris, a leitura de poemas de Leminski por pessoas desconhecidas na rua, formam um suposto Jornal de Vanguarda, uma inspiração direta do programa de TV protagonizado pelo nosso autor nos anos 80.

As dificuldades e diferenças de conceitos, contextos e idéias entre o português e o francês são sem dúvida o nosso principal material de trabalho. Às vezes para explicar um pequeno haicai ficamos horas, dias debatendo debatendo até então, talvez, chegarmos a um lugar comum, possível de traduzir a sensibilidade e a provocação de Leminski.

A música também não nos deixa nenhum minuto....cada poema nos inspira uma canção, nos lembra uma melodia... e como os franceses são melódicos, sonoros, cantores, músicos... como são sensíveis à sonoridade da nossa quase ilhada língua. Eles gostam de nos ouvir falar, cantar (meio desafinados), nos ouvem, menos, às vezes, sem compreender nada.

Mesclar as línguas e gerar um trabalho possível, compreensível, sensível, que possa ser fluído e que possamos nos deleitar com as palavras .... cantá-las talvez!!!!

Descartes com lentes

Um belo encontro de Leminski, professores e alunos da Paris III


O relato da CBT em sua aventura com Leminski nas ruas e nos palcos de Paris

(por Nadja Naira)

15-02-2010 - CBT leva Descartes de volta a Paris através de Leminski

A apresentação de DESCARTES COM LENTES na Paris III ontem foi excelente. Começamos efetivamente a apresentar Leminski aos parisienses, ainda no nosso desconhecido português, mas ouvido com atenção e interesse. Sala lotada de alunos e professores concentrados e se deliciando com as palavras de uma ilha (Brasil) tão distante. Foi como um golpe, um gole e em um suspiro o texto já os tinha transpassado, rasgado, tocado. E Descartes foi então devolvido à sua querida Paris. Um belo e feliz encontro!!! Merci!!!

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

O Paradoxo de Hermes. O paradoxo é Lula?

O mitológico Hermes no paradoxo de Lula


No final da folia de momo, nesta terça-feira de carnaval, nosso presidente bem que poderia ter vestido a fantasia de Hermes, aquele que é considerado o Deus do Comércio, o patrono da poesia, das viagens, da oratória. Mas também é o patrono, o protetor dos ladrões, segundo nos conta a mitologia grega.

Em setembro de 2005 escrevi um texto e o publiquei no site RECANTO DAS LETRAS. O tema “O Paradoxo de Hermes” ou Lula sabia ou não sabia? No texto, um exercício de livre pensar, escrevi sobre o paradoxal comportamento de Lula e do PT (com seus amigos aboletados no poder federal) bem à época em que fervia os vários escândalos, o advento do mensalão, as graves denúncias que o Congresso deixou passar batido e permitiu, blindando Lula, dar-lhe um novo mandato e quase a certeza de que o PT poderia se manter no poder por mais anos, algumas décadas até.
Lula tem mostrado, mesmo, um comportamento paradoxal. Atua com desenvoltura, feito o Deus Hermes, aquele que é o Deus do Comércio, patrono da poesia, da oratória, das viagens e, por outro lado, é o protetor dos ladrões. É tão paradoxal a figura de Hermes, como é a de Lula, que dá para compararmos algumas situações. Um deus aberto para o mundo dos negócios, deu origem ao termo “hermético”, fechado, escondido, aquilo que se faz nos bastidores, na calada da noite, impenetrável. Deu origem, também, ao termo “herma”, aquele tipo de estátua que cultua a imagem de alguém, pois se Hermes é um deus no panteão do Olimpo, Lula é um deus vivo, no panteão da nossa política populista, daí corrupta, pois como já disse alguém, que “toda unanimidade é burra”.

Se quiser conhecer o que escrevi em setembro de 2005 sobre o “Paradoxo de Hermes” ou Lula sabia ou não sabia? visite o site
http://recantodasletras.uol.com.br/ensaios/47232

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Devassa, uma mulher que abre a vidraça

Em março de 1999 lancei o livro "Trinta Toques" com poesias, haikais, tercetos e uns epigramas. Foi uma aventura e um rito de passagem que completei aos 51 anos. Dentre os textos que publiquei tem esse:

É devassa essa mulher
que seus sonhos expõe
quando abre a vidraça?

A pergunta, para mim, não tinha uma resposta óbvia. Poderia ensejar várias respostas. Afinal, o que é ser devassa? O que é ser sonhadora? O que é expor? O que é abrir? O que é ser ou não vidraça?

O significado da palavra "devassa" saiu no Dicionário Online de Português e, nele, o que escrevi foi usado como exemplo daquela palavra:


Ao ver, hoje, os comerciais da cerveja DEVASSA - uma cerveja premium - que foi recentemente adquirida pela cervejaria Schincariol e que traz a "insinuante", "exibida" e "afetada" Paris Hilton como modelo, lembrei-me do que eu havia escrito há 11 anos. E percebi que aquela pergunta que eu fiz tem tudo a ver com o que os comerciais de TV mostram. Nos comerciais, uma insinuante, exibida e afetada loira mostra-se nas janelas (uma grande vidraça, no caso uma vitrine mesmo) de um prédio residencial e atrai a atenção de um fotógrafo "voyer", depois de outros vizinhos e de pessoas que passavam pela rua, pelo calçadão, pela praia ensolarada. Mostrando-se a todos, a loira deixa que devassem sua intimidade, expondo seus sonhos, seus predicados sensuais e seu gosto por uma certa latinha com uma gelada bebida, a cerveja DEVASSA.

Vejam a campanha, o comercial de TV:


Na campanha, o termo é bem aplicado, no sentido que tem de dissoluto, libertino e licencioso, livre de qualquer peia moral (como ensina o Aurélio). Depravado. Sensual, libidinoso, libertino. Que abusa da liberdade e é desregrado.

A Paris Hilton caiu bem no tema da campanha, pois alguns atributos que a palavra possa significar estão ali, explícitos.

A mulher que expõe seus sonhos é devassa? Ou apenas quer ser livre, quer gozar a vida, quer vivê-la com intensidade e sem nenhum tipo de "freio" moral (a tal peia do Aurélio) para impedir que ela não apenas sonhe, mas viva o que sonhou ou que foi fruto do seu incansável desejo?

Com vocês, as respostas...

É devassa a mulher que abre a vidraça com graça ou a que abre uma lata de cerveja sem nenhum pudor? Ou seria a que abre a vidraça sem pudor ou a que abre a lata de cerveja com toda a graça?

É só responder, com ou sem a tal "loira" na cabeça...