Matheus – Você e os critérios, de novo? Condição é critério? Critério é regra? Regra é condição? Tudo parece convergir para um só ponto. Aceitar ou não. Ficou claro?
Ricardo – Não é critério o que estamos discutindo. Eu falava
Anália – Você vem até aqui para justificar as vozes que você se apropria para justificar o que disse, o que tem dito, nos últimos tempos... Não é esse o critério. Acho que deixamos bem claro isso. Não usar a voz do outro, nunca. É a regra, é o critério, é a condição que não se pode burlar, nem alterar.
Ricardo – Essa condição, que vocês chamam de critério eu desconhecia. Quando falo não falo por mim só. Não está em mim essa condição de ser único. De ser uma só voz. Um só. Sou múltiplo. Ampliam-se em mim todos os sentidos. Além das vozes. Estou tentando, desde o início do processo deixar bem claro que não falo apenas pelo que eu falo. Pela necessidade que se impõe. Eu falo pelo que outras vozes precisam falar. Não é tom de voz, nem é timbre, nem é emissão, nem é meramente sotaque ou vício de linguagem. Eu falo de algo mais profundo e que vem de uma consciência. Uma latente consciência que se soma a outra consciência latente. Uma que se esfrega na outra. Outra que alavanca outra, que provoca sinergia, confronto. Que faz outra eclodir, nascer. Que bate, que recebe o baque de volta, que retorna com mais força e solta, salta, pula, amplia, vai além, explode em outras vozes, que alcançam outra voz, mais alta, mais perceptível. Uma que provoca, que sai, outra que brota, que se soma, que se amplia, que se torna uníssona para, lá na frente, se fragmentar e rebrotar, re-somar, re-ampliar, re-virar, re-transformar, virar um duo, depois, um quarteto, um octeto, uma orquestra, um coral imenso, vários corais, várias orquestras, na sinfonia da voz primeira, do grito primitivo. Daquele eu que gritou de dor, mais adiante vai gritar mais forte é de prazer, de um prazer imenso de poder ser ouvido, sem interferências, sem pré-condições, sem regras, nem critérios, nem nada que atrapalhe que imponha barreira, que prenda, que estanque, que confunda, que afunde, que aprisione, que guarde, que proteja, que salve, que encarcere numa gravação ou na forma mais primitiva de eco ou de reverberação atonal... Não, as vozes não nascem das palavras, nem as palavras nascem das vozes. A voz é palavra quando ela é sentimento, é razão. A voz é sentimento quando é palavra e palavra ouvida, que se possa ouvir. Voz é isso. Deixem as vozes serem ouvidas, não aprisionem as vozes, as razões e os sentimentos nos tais critérios que não estão claros, está bem?
(...)
Anália – Ficar se lamentando não é o que eu esperava de você...
Matheus – Mas as promessas...
Anália – Você acreditou nelas?
Matheus – Não eram de verdade?
Anália – Quanta ingenuidade... Assim pode parecer que você é um idiota.
Matheus – Mas ingênuo posso ser. Idiota, jamais!
Anália – Não aparente, então. Segure sua onda, rapaz!
Matheus – Eu pensei...
Anália – Eu já havia dito antes. Você não foi contratado para pensar. Está fora de cogitação qualquer ideia que possa sair dessa cabecinha de melão...
Matheus – Sinto-me traído. Enganado. Parece que você me usou e que tudo o que fez foi de caso pensado.
Anália – Mas eu só faço coisas pensando muito bem cada centímetro do caminho que teria que percorrer.
Matheus – Eu era um simples objeto em tudo isso? Um instrumento para você usar nos momentos certos?
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