quarta-feira, 23 de junho de 2010

Da forma amebiana e do teatro do “novo”

Publiquei aqui num post abaixo um comentário que foi originalmente publicado no blog do Enéas Lour e referente a uma polêmica matéria veiculada no Caderno G e completada por post no blog da jornalista Luciana Romagnolli (blog PALCO) no domingo, dia 20 de junho de 2010.

Dentre outras considerações, escrevi:

O grande problema que eu vejo neles, infelizmente, é que pouco se dedicam para a arte da escrita - pois escrevem e escreveram muito pouco ou quase nada - e perdem muito tempo na arte de se formatarem através daquilo que as amebas são especialistas.

Vou buscar ajuda na Wikipedia para a definição do que seja uma ameba ou um amebóide. É só ver a definição no link.

As amebas, assim como todo aprendiz – de feiticeiro, de sapateiro, relojoeiro, de escultor, pintor, músico, ator, escritor ou dramaturgo – em determinadas etapas de seu aprendizado não caminha com seus próprios pés. E segue, muitas vezes, o rastro deixado por seus mestres ou mentores. É uma forma de aprender? Claro que é! É a única forma? Claro que não! Os aprendizes vão na sombra, no vácuo dos que passaram e estão mais na frente. As amebas não possuem pés e a biologia ensina que elas alteram sua forma em função de utilizarem-se de um recurso que ganha o nome de psudópodes (onde pseudo = falso + podo = pé). Sem pés ou com falsos pés, a caminhada limita-se ao que já foi percorrido. Na escala da evolução biológica, não sei se as amebas permaneceram tal e qual a bilhões ou zilhões de anos ou, alguns dos amebóides, evoluíram. Não sei. Posso presumir que nenhum ser vivo se mantenha igual no espaço e no tempo. Presumo.

Assim, ao me referir aos “novos” autores e compara-los a seres amebianos (os pseudópodes), deixei claro com a metáfora que só se pode caminhar na direção que se escolhe quando se consegue abandonar os pseudos ou falsos pés por pés reais, pés que, nas futuras caminhadas vão ficando, dia a dia, palavra a palavra, frase a frase, parágrafo a parágrafo, texto a texto, mais calejados e mais fortes.

O Enéas Lour não nasceu Enéas Lour. Ele foi batizado Enéas Lour, por opção de seus pais junto ao registro civil. Enéas Lour, Álcide Lopes, Edson Bueno, Shakespeare, Koltès, Gil Vicente, Novarina, Nelson Rodrigues, Millor Fernandes, Mário Bortolotto, Roberto Alvim, Sarah Kane e Paulo Biscaia consolidaram seus nomes e suas trajetórias dando muitos bicudos em pedregulhos, tirando tampos dos dedões, rachando unhas, perdendo-as, ralando muito pés descalços ou pés calçados em suas árduas jornadas noite adentro na busca de um caminho singular em suas atividades como autores de teatro. Alguns deles, com certeza, tiveram e devem ter alguém que tenha feito suas cabeças. Quem sabe, uns deles possam ter sido “amebas” no começo da difícil caminhada. Quem sabe! Depois que vislumbraram um caminho e foram em frente, estudando, trabalhando muito, estudando, arriscando, perdendo, teimando, insistindo, experimentando, ganhando, perdendo de novo, encontraram um jeito particular de fazer teatro. Hoje, se perguntarem a eles, haverá a possibilidade deles questionarem alguns de seus trabalhos que integram seus currículos. Talvez gostem menos de algo que ficou no passado. Pode ser também, que possam, já maduros e com pés calejados, teorizarem até sobre o que ficou lá atrás e justificarem, teoricamente, o que importante foi aquele trabalho e que no momento em que foi realizado, encenado, não obteve uma resposta ou uma sinalização encorajadora. É possível olhar para o que passou e ver se foi bom ou ruim. Mas tudo o que foi feito foi válido. E como valeu a pena ter vivido aquilo tudo!

As amebas, não sei com certeza, mas, a meu ver não evoluem. As amebas não caminham com seus próprios pés, até porque ameba não tem pé e nem chulé! As amebas se comportam como amebas no seu caminhar pela busca de alimentação e reprodução. Só vai pra frente quem caminha, come e goza. E o gozo é o começo da reprodução. Um grupo de jovens desejosos por caminhos brilhantes não pode se comportar como amebas, nem se formatar nas suas escolhas como tais. O movimento amebiano é um movimento vital para a manutenção da vida na terra. Mas, aqui na terra curitibana não é necessário ser ameba para ir em frente. Há formas mais inteligentes de vida. Há formas já consagradas. Há formas que estão em processo de mudança. Há formas que estão surgindo e que poderão – poderão mesmo – ter vida e brilho próprios.

Quanto a se comportar como amebas, não creio que seja essa uma opção válida. Não sigam o caminho percorrido pelo Roberto Alvim. Não façam o uso da sombra, da penumbra e do palco sem luz a sua estética. Não sejam menos, desejando serem mais. Mas sejam menos, sempre menos, se entenderem que o menos é sempre mais em quase tudo na vida. Não escrevam como Alvim, Koltès, Kane, Pinter, Novarina, Lagarce. Nem caminhem pelas obras deles com pés falsos, falsas direções. Assumam-se antiamebianos (neologismo e grafia incorretas?). Tudo o que o Alvim ensinou e tem mostrado é muito válido. Não como modelo, crivo, padrão ou régua. Adepto da penumbra, Alvim é um iluminista, podem acreditar. E ele quer jogar luz na sombra, quer iluminar o caminho dos não detentores de uma luz própria, mas com potencial para tal.

Os ainda “amebianos” porque “novos autores” não podem utilizar falsos pés sobre falsos caminhos. Falso aqui no sentido de não ser próprio ou verdadeiro. Há no pensamento japonês, zen por natureza, uma frase pertinente e bem adequada para um caminho iluminado. Diz Bashô: “Não siga os antigos. Procure o que eles procuravam”.

Em seu livro “Sobre a Literatura”, Umberto Eco encerra com a frase: “Infeliz e desesperado aquele que não sabe se dirigir a um Leitor futuro”.

Não se pode atingir o futuro se uma obra não estiver sendo pensada, pesquisada, trabalhada, escrita e formatada com olhos no presente. No aqui e agora. Bem no presente. Voltar-se para o que já foi, já foi. E é bom lembrar também que ter luz própria é condição do pirilampo e do vagalume. Mas o que eles iluminam mesmo? Um caminho à sua frente? Ou o próprio traseiro?

Nem ameba e nem vagalume. Nem Lour, nem Alvim. Nem Koltès, nem Bonassi. Sejam seus próprios modelos, com seus próprios pés e a luz se fará presente.

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