Nem um dia se passa
sem notícias suas
Comentários críticos
Rogério Viana
Joaquim, bem sucedido cirurgião,
acaba de perder o pai e se interna na casa onde sua família viveu para resgatar,
de baús e de sua memória, mais que simples objetos – discos, livros, roupas. Naquela
casa, onde passou sua vida até os 27 anos, ele vai para inventariar lembranças
e emoções e descobrir quanto importante será remexer em objetos e reviver o que
havia ficado ao longo do caminho e o que lhe será revelado no instante em que
estiver lá, na solidão de suas lembranças.
Joaquim é Edson
Celulari, na montagem de “Nem um dia se passa sem notícias suas”, texto de
Daniela Pereira de Carvalho, dirigida por Gilberto Gawronski, que está em
cartaz no Teatro do Leblon, na sala Tonia Carrero, no Rio de Janeiro.
Ao pegar uma luminária
móvel de uma fraca e quente luz amarela – dessas utilizadas por mecânicos para
iluminar motores de carros – Joaquim é surpreendido pela entrada em cena de
Juliano, seu irmão mais novo, que aparece segurando, entre cortinas
transparentes, uma outra luminária móvel, de uma luz mais forte, porém, branca
e fria.
Está posta em cena o
que vai acontecer. O calor das lembranças e dos acontecimentos reais esmaecidos
pelo tempo, passam a ecoar na frieza de uma realidade antes jamais entendida ou
percebida pelo competente cirurgião. Ele, que salva vidas, relembra ter ficado
impotente diante da trágica cena de encontrar seu irmão morto, que se
transformou numa ilha rodeada de sangue e pedaços de si mesmo ao ter se
suicidado com um tiro na cabeça.
No instante em que
Juliano entra em cena, os objetos que iam ser resgatados, deixam de ser
importantes e o que Joaquim passa a viver está apenas dentro dele mesmo, no seu
olhar para aquelas coisas. Joaquim olha para dentro de si e empreende um acerto
de contas com o passado, na solidão de um espaço onde o que apenas tem vida é
ele próprio. Aquele lugar, criado por Daniela Pereira de Carvalho, é um mundo onde
“o presente foge, o passado volta e o futuro passa”.
A peça foi escrita para
ser encenada por Edson Celulari e seu sobrinho Pedro Garcia Netto e, talvez,
amparado nesta indelével marca da consanguinidade, os dois atores tenham
conseguido empreender um jogo orgânico, potente e eficaz que foi construído
pela segura e discreta direção de Gawronski em cima do texto de Daniela Pereira
de Carvalho.
Sem exageros
melodramáticos, Celulari e Garcia Neto – tio e sobrinho – fazem verter
insuspeitas lágrimas, quando os irmãos se encontram, no tempo onírico da
memoria, mas, depois, muito mais potente, no campo físico mesmo, quando pai e
filho, o adulto seguro se encontra com um deslumbrado e amoroso filho, que
revela e demonstra sua forte ligação com seu avô recém falecido e com o tio que
ele só conheceu por fotos e de quem é uma perfeito cópia física.
A montagem tem algumas
sutis citações, pelo menos percebidas por mim: nas cenas iniciais, num tipo de “A
chorus line” improvisado, o diretor faz Celulari lembrar e citar a ex mulher do
ator, a atriz e bailarina Cláudia Raya. Cita, também, pela bela trilha sonora
de música norte-americana, um passado musical e dançante daquelas famílias – da
que se faz presente como personagens e na que tio e sobrinho vivem fisicamente
ao se tocarem, em longos abraços, e numa dança que flui tão bonita e tão
desajeitada como a dança da vida e o afeto em cada olhar, em cada palavra, em
cada lágrima que a tristeza de Joaquim só consegue verter para dentro de si
mesmo, mas que é viva, presente e esperançosa pelo filho adolescente, que se
diz “emo” e que pega da casa do avô, um simbólico arco e flecha. Aquele que
ele, com certeza, vai arremessar suas esperanças para um futuro menos trágico e
dolorido que o presente vivido pelo seu pai, no confronto de suas lembranças
com o passado.
A emoção da montagem
atingiu o alvo e, na plateia, o aplauso veio com a certeza de ter sido atingida
por uma certeira flecha: os afetos primários de todos nós podem ser sempre
resgatados se tivermos os olhos abertos para o revelado pela bela poesia que a
jovem autora Daniela Pereira de Carvalho criou para tio e sobrinho, dois
irmãos, pai e filho. Nós e eles. O real e o sonho. O prazer de sorrir depois da
catarse de um choro que veio espontâneo numa noite chuvosa do Rio de Janeiro.
NEM UM DIA SE PASSA SEM NOTÍCIAS SUAS - Texto de Daniela Pereira de Carvalho. Direção de Gilberto Gawronski. Com Edson Celulari e Pedro Garcia Netto. Sala Tônia Carrero do Teatro do Leblon. Quintas, 18h (a partir de 15/09), sexta e sábado às 21h30, domingo às 20h.
Mto bom o seu texto Rogério, que sensibilidade, fico mto feliz que a peça tenha tocado tanto, vale mto lutar para fazer teatro no Brasil...
ResponderExcluirObrigado Pedro.
Pedro,
ResponderExcluirQue legal que tenha gostado do texto, mas a montagem e as participações - sua e do Edson Celulari - são mesmo muito boas. E o texto, a direção, enfim, tudo está bem redondinho e o resultado é um bom espetáculo de teatro. Parabéns e grato pelo comentário no meu blog.