quarta-feira, 28 de março de 2012

Meu (s) contato(s) com o Millôr Fernandes

Caricatura de Millôr Fernandes feita em 1975 pelo
cartunista e artista plástico Douglas Mayer.
Em 1974 eu trabalhava como repórter no jornal O DIÁRIO, em Piracicaba. Meus colegas de redação - uns eram colaboradores, não funcionários - Alceu Righetto, Adolpho Queiroz e Roberto Antônio Cera, e outros, organizaram o primeiro Salão de Humor de Piracicaba, com apoio da Coordenadoria de Turismo da cidade, que diante do empenho de seu coordenador Luiz Antonio Lopes Fagundes, o Fagundinho, conseguiu transferir verba de uma exposição de orquídeas para a realização do primeiro salão de humor brasileiro, hoje um dos mais importantes do mundo. Os tempos eram bicudos, muito bicudos. Mas o Salão atraiu a atenção do pessoal do Pasquim e, quando menos se esperava, cartaz pronto elaborado pelo Zélio (irmão do Ziraldo) e impresso em papel de baixa qualidade, começou a ser divulgado. Numa tarde, no dia da abertura do Salão, instalado no prédio do ex Banco Português, na praça José Bonifácio, em Piracicaba, a cidade foi invadida pelo Millôr Fernandes, Zélio, Ziraldo, Fortuna, Jaguar... Eles se reuniram, escolheram os cartuns vencedores e antes da abertura oficial daquela mostra pioneira, foram jogar bocha no Clube de Regatas de Piracicaba, às margens do famoso rio.

Eu, com minha máquina fotográfica, registrando um pouco de cada coisa. As fotos que fiz do pessoal do Pasquim jogando bocha, depois, no dia seguinte, num almoço no restaurante Brasserie, foram publicadas numa edição histórica sobre os 30 anos do Salão de Humor. Os negativos dessas fotos se perderam no tempo, mas algumas cópias das fotos ficaram registradas naquela edição, embora não apareçam com crédito a mim.

No ano seguinte, meus colegas de trabalho não se entenderam mais direito com o Fagundinho, coordenador de Turismo da Prefeitura de Piracicaba e desistiram de organizar o que viria a ser o II Salão de Humor, desta vez, já com um apelo internacional, pois traria a Piracicaba - como trouxe - o editor de quadrinhos Claude Moliterni. Como eu trabalhava parte do meu dia no Banco do Brasil e parte no jornal O DIÁRIO (que já não existe mais) e como o BB era ao lado do prédio onde funcionava a Coordenadoria de Turismo, vez ou outra eu passava por lá. Um dia o Fagundinho pediu a mim: Você pode me ajudar a organizar o II Salão de Humor? Respondi que sim. E uma das primeiras coisas que fiz foi elaborar o REGULAMENTO DO SALÃO. Um dos detalhes do regulamento, que pesquisei junto a regulamentos de concursos de fotografias da Kodak, foi a definição de um tamanho padrão para os cartuns, as charges, as caricaturas. O tamanho seria 30 x 40 cm (o que se chama de A3), pois a referência era o tamanho de folhas de papel fotográfico.

Como eu estava para ser transferido para LONDRINA (PR), onde iria trabalhar no Banco do Brasil (meio período) e à tarde e à noite, na redação do jornal PANORAMA, organizei os primeiros passos e sugeri que o Fagundinho convidasse o Ermelindo Nardin (professor de arte da Unicamp e artista plástico piracicabano), o Fausto Longo, vindo depois, o Djalma de Lima (jornalista). Com eles participei de reuniões importantes em São Paulo, na Secretaria de Cultura de São Paulo com o então secretário José Mindlin que decidiu apoiar a realização do II Salão de Humor de Piracicaba, mesmo participando de um governo indicado pelo regime militar vigente. Foi um ato de muita coragem e de uma visão a longo prazo do grande José Mindlin ao apoiar o incipiente salão, agora reconhecido internacionalmente.

Pouco tempo depois fui transferido para o BB de Londrina e iniciei meu trabalho no jornal PANORAMA (este dá uma longa história também pelo que de importante foi no jornalista paranaense). Lá, na redação do jornal PANORAMA conheci o Douglas Mayer, cartunista e ilustrador.

Dias antes do II Salão de Humor ser inaugurado, eu e o Douglas Mayer propusemos ao diretor e chefe de redação do PANORAMA a fazer uma cobertura sobre aquele importante salão. Não foi preciso argumentar muito e a direção do jornal nos autorizou a cobrir o evento em Piracicaba. Fomos a Piracicaba, num Fuscão branco 1973 que eu tinha. Comigo o Douglas Mayer, o Ariovaldo Gambarão (Camarão) que era diagramador e havia trabalhado comigo em Piracicaba, e o Juarez, repórter.

Na manhã de sábado, fizemos contato com a organização do Salão, da qual eu fizera parte, meses antes, e o Fagundinho pediu-me que fizesse um favor a ele. Eu teria que ir a São Paulo, com um motorista de táxi (o Penteado), buscar no Aeroporto de Congonhas, o Millôr Fernandes que viria pela famosa Ponte Aérea Rio-São Paulo. Fomos, então, para Congonhas, num Opala novinho, o motorista, eu e o Douglas Mayer. Tivemos que esperar muito tempo pois o vôo do Millôr Fernandes demorou muito para chegar. Mas assim que ele saiu da sala de desembarque, eu e o Douglas nos apresentamos (ele, claro, já me conhecia do ano anterior) e fomos para o Opala. Millôr quis ir no banco da frente do carro, enquanto eu e o Douglas ficamos felizes em poder realizar aquela viagem de São Paulo a Piracicaba - à época, umas três horas e pouco de vagem.

A viagem foi super agradável e o Millôr Fernandes veio conversando comigo e com o Douglas, num bate-papo inesquecível, ele debruçado no banco do carro e virado para trás, falando, falando, respondendo a minhas perguntas, comentando de tudo um pouco sobre sua vida, sobre o seu nome (ele seria Milton... mas o cartorário teria lido Millôr, confundindo o corte da letra T como se fosse um L e um circunflexo). Falou que nunca quis fazer nenhum tipo de propaganda, mas que fora convidado a fazer propaganda de uísque. E a conversa foi deliciosa, exclusiva. E nós dois, embevecidos com a inteligência deste grande gênio da cultura, literatura, teatro, jornalismo, humor, haikai, ilustrações, traduções, política.

O Salão de Humor, a segunda edição, já internacional, foi aberta no sábado a noite e, coincidentemente, num prédio que também havia sido uma agência bancária (como foi o primeiro). Tiramos várias fotos - eu e minha câmera fotográfica. Na tarde do domingo, quando o Salão ia ser aberto, lembro-me muito bem de estar conversando com o jornalista Roberto Godói (do Estadão, sucursal de Campinas) quando o Millôr Fernandes chegou. Ele me cumprimentou como se eu fosse um grande amigo dele, o que deixou o Godói bem surpreso. Então contei a aventura do dia anterior, da viagem, do ano anterior, das fotos que eu fizera etc. Logo em seguida, acompanhando o Millôr, lembro-me muito bem de ter apresentado a ele o ANGELI, sim o da Folha de São Paulo, criador, anos depois da Rebordosa.

A aventura terminou naquela noite, retornamos a Londrina e, dois dias depois, publiquei uma página, que considero histórica, sobre os resultados e os premiados do II Salão de Humor de Piracicaba, no jornal PANORAMA, que, meses depois teve que ser fechado (isto é outra história a ser contada um dia).

Lembro-me do Millôr Fernandes, quando eu era criança e via sua página de humor na antiga revista O CRUZEIRO. Ele criara a página PIF-PAF... e lá, publicava seus hai-kais...

Ter tido a oportunidade de conviver com o Millôr Fernandes - mesmo por pouco tempo - com esse lendário escritor, pensador, criador de grandes textos e tradutor de teatro, foi um privilégio enorme para mim e sua morte, deixou-me muito triste.

O Brasil perdeu um grande artista.

Agora, do Millôr Fernandes, apenas as minhas lembranças e as fotos que eu fiz dele e que estão em livros que já são história.

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