sexta-feira, 21 de maio de 2010

Autor por Autor - das coisas do inconsciente coletivo

O e-mail que encaminhei à TVE Bahia em junho de 2003

Nos últimos seis anos tive pouca - ou nenhuma - oportunidade de assistir a programas da sempre especial TV Cultura de São Paulo. Uns até que eu tive muita vontade, mas estava impedido, por ser então um assinante da NET, a TV por assinatura que não transmitia para Curitiba a programação da TV paulistana. E também não podia assistir na TV Educativa paranaense, porque o então governador Requião usava e abusava do direito de completar a grade da nossa emissora com seus implacáveis programas de cunho eminentemente político, com um disfarce de aula. Em resumo: passei batido por muitos programas que me interessavam.

Em novembro passado troquei de operadora de TV por assinatura e passei para a Sky, aquela da parabólica. E, graças a Deus, tem na sua programação a TV Cultura de São Paulo. Assim, posso contar uma história interessante.

Autor por autor - uma ideia sobre literatura, teatro, televisão

Foi apresentado ontem, na TV Cultura paulista o segundo programa da série "Autor Por Autor", que é, segundo matéria publicada pelo jornal O Estado de São Paulo - edição de 19 de maio, por Flávia Guerra - "um misto de TV, teatro e literatura aplicada" e que tem a "missão de vencer, não com palmatória, mas, com criatividade, a difícil e recompensadora tarefa de criar no espectador a vontade de ler (mais) sobre a vida e a obra dos grandes escritores contemporâneos brasileiros".

O primeiro programa, em 2009, foi com Lygia Fagundes Telles. O segundo, de ontem, com o imortal João Ubaldo Ribeiro, autor de "Viva o Povo Brasileiro", "Deus é Brasileiro", "Sargento Getúlio", "A Casa dos Budas Ditosos", dentre outros intermináveis "best-sellers". João Ubaldo foi vivido no programa pelo ator baiano Othon Bastos.

O programa foi concebido por Paulo Markun, jornalista que dirigiu a emissora até pouco tempo. A direção geral é de Ricardo Elias e teve a co-produção da SescTV, também de São Paulo. Na matéria publicada pelo "Estadão", o diretor Elias disse que para "este primeiro, passamos muito tempo concebendo a ideia do programa, que é a de contar como um autor se tornou o escritor que é hoje. O que ele viveu e leu que foi decisivo em sua formação". O programa "mistura de tudo um pouco para compor um romance de formação da vida de um autor como o Ubaldo. Mesclamos entrevistas do próprio escritor com dramatização e, por fim, aplicamos o cenário por computação gráfica". O cenário, segundo a reportagem do "Estadão" foi uma biblioteca imensa que fez fundo para as aparições de Othon Bastos como João Ubaldo Ribeiro.

Do inconsciente coletivo e de sua ampliação e melhoria

Em junho de 2003 eu estava passando meus últimos dias dos longos meses que morei e trabalhei na Bahia. Depois de ter trabalhado numa editora universitária ligada a uma universidade particular na cidade de Lauro de Freitas (que é vizinha do aeroporto de Salvador, como aqui é São José dos Pinhais), fiz uns free-lances e andei criando alguns projetos editoriais, dramatúrgicos e propus, para a TV Educativa da Bahia, uma série de programas, sendo que, um deles ensejaria uma série. O tema dessa série se vinculava a literatura, o conto na Bahia, vida e obras dos autores (baianos).

Ao assistir as chamadas do programa "Autor por Autor" notei algumas semelhanças no formato daquele programa com minha idéia do programa que propus à TVE baiana. Semelhanças que atribuo ao inconsciente coletivo e que somente herr Jung poderia dar uma explicação mais abalizada. Mas ele já morreu e, talvez, algum dos seus discípulos possa explicar como é que as idéias aparecem aqui e ali, muitas vezes espalhadas pelo tempo, não no mesmo espaço, mas que trafegam por uma temática semelhante e, vejam só, por um mesmo tipo de autor, no caso da TV Cultura, o baiano João Ubaldo Ribeiro, e no que a mim tem ligação, o autor e crítico literário Hélio Pólvora, que foi amigo de Jorge Amado (ele é de Itabuna, vizinha a Ilhéus) e de Clarice Lispector, dentre outros autores brasileiros de renome.

Reproduzo, aqui, a proposta que encaminhei para a TVE Bahia (na imagem acima tem a cópia da cabeça do e-mail que encaminhei à época para pessoas daquela emissora) com data de 16 de junho de 2003.

PROJETO DE PROGRAMA PARA A TVE-BAHIA

Temática

Literatura - O conto na Bahia – Vida e Obras dos autores

Marco conceitual

O povo e, em particular, o estudante baiano conhecem (bem) a literatura baiana e os autores contemporâneos da Bahia? Conhecem seus principais poetas, romancistas, cronistas e contistas? E as obras desses escritores são difundidas e conhecidas aqui na Bahia, na dimensão de suas importâncias dentro da Literatura Brasileira?

No processo formal do ensino da Língua Portuguesa e da Literatura Brasileira, na Bahia, onde e como são destacados os grandes autores que aqui sempre produziram inesquecíveis obras? Que instrumentos além das classes e da leitura de livros, dos grupos de estudos, das palestras, dos seminários e da discussão acadêmica, são democraticamente acessíveis aos baianos?

Estas indagações suscitam outras abordagens sobre a questão e ensejam a proposição de um programa de televisão para ser veiculado na TVE - Bahia cujo principal objetivo é o de revelar quem são os principais e mais ativos escritores baianos de contos da atualidade, qual é o conjunto de suas obras, suas características principais e o que têm contribuído para a Literatura Brasileira, dando instrumentos para que os telespectadores possam refletir sobre suas próprias vidas e estabelecer as relações pertinentes sobre as obras narradas por autores tão criativos e competentes.

Formato

O programa que está sendo proposto vai adotar, em seu formato, uma apresentação do perfil de um escritor, mostrando sua história, suas origens, a cidade e região onde ele nasceu, suas influências, seus contemporâneos, suas principais obras, seus prêmios. As imagens serão feitas na casa do autor e em outros locais que revelem o ambiente onde ele vive e trabalha. O programa vai mostrar uma análise de algumas de suas obras em depoimentos de críticos, professores de literatura, personalidades e leitores. Na parte final do programa, o autor focalizado inicia a leitura de um de seus contos dentro de um ambiente onde vai se desenvolver a ação de uma de suas histórias, num trabalho de adaptação de teledramaturgia de um de seus contos, ou da passagem de um deles, por um grupo teatral baiano.

Produção, direção e captação de patrocínio

O programa será produzido num sistema de co-produção com a TVE Bahia por uma conceituada produtora de vídeo de Salvador, em padrão digital e com as demais características técnicas que se encaixem dentro da programação daquela emissora educativa.

O programa será dirigido pelo jornalista Rogério Viana, que também será o autor do roteiro.

Obedecendo-se as determinações legais que vigem sobre a matéria, o programa será produzido com o patrocínio de uma ou mais empresas do setor privado, na forma de cotas de patrocínio e de apoio. O trabalho de captação do patrocínio será desenvolvido pelo próprio proponente.

Sinopse do primeiro programa

O baú de Pólvora

O focalizado no primeiro programa será o jornalista, crítico literário, romancista e contista Hélio Pólvora, baiano de Itabuna e que foi contemporâneo e amigo de Clarice Lispector quando trabalhava em grandes jornais no Rio de Janeiro.

O programa vai contar a história de Hélio Pólvora com imagens de antigas fotos, filmes, se houver, e quando é que surgiu o gosto pela literatura, sua entrada no jornalismo e as influências que recebeu para escrever seus primeiros trabalhos como contista, os prêmios que conquistou e sua atuação como crítico literário. A infância, os primeiros contatos com a literatura, os amigos, Jorge Amado, Jorge Medauar (recém-falecido), Clarice Lispector, a vida em Salvador, no Rio de Janeiro, o retorno a Salvador e a Ilhéus, onde ele é o diretor da Fundação Cultural de Ilhéus. Críticos, outros escritores, professores de Literatura de escolas e de universidades baianas, bem como leitores (personalidades ou gente do povo), comentarão sobre a obra de Pólvora.

Um grupo de teatro de Salvador vai adaptar um dos contos de Hélio Pólvora que será apresentado na forma de uma narrativa feita pelo próprio autor, integrando-se como espectador privilegiado da obra a ser mostrada em algumas cenas.

Autor do projeto

Jornalista e redator de publicidade Rogério Viana, autor de contos, do roteiro de cinema “Caculé”, da peça teatral “O medo de te perder” e do livro de poemas e haikais “Trinta toques”.

Salvador, 16 de junho de 2003.

Rogério Viana

71 9995 4XXX (meu telefone de Salvador, na época)

----------------------------------------

Quem assistir - e recomendo que assistam os próximos episódios de "Autor por Autor" - vai notar que há, mesmo, algumas semelhanças no formato do programa da TV Cultura de São Paulo com o que propus em 2003 para a TV Educativa da Bahia.

Está no meu projeto:

O programa que está sendo proposto vai adotar, em seu formato, uma apresentação do perfil de um escritor, mostrando sua história, suas origens, a cidade e região onde ele nasceu, suas influências, seus contemporâneos, suas principais obras, seus prêmios. As imagens serão feitas na casa do autor e em outros locais que revelem o ambiente onde ele vive e trabalha. O programa vai mostrar uma análise de algumas de suas obras em depoimentos de críticos, professores de literatura, personalidades e leitores. Na parte final do programa, o autor focalizado inicia a leitura de um de seus contos dentro de um ambiente onde vai se desenvolver a ação de uma de suas histórias, num trabalho de adaptação de teledramaturgia de um de seus contos, ou da passagem de um deles, por um grupo teatral baiano.

No programa da TV Cultura, o ator Othon Bastos aparece narrando um depoimento de João Ubaldo Ribeiro sobre a relação desse com seu pai. E, aos poucos, vai se formando no fundo, o cenário de uma imensa biblioteca e, entra em cena, no papel do pai de Ribeiro, o ator Milhem Cortaz, que olha para Othon e fala como se ele fosse o menino João Ubaldo. Em seguida, a cena é da visita da avó do autor baiano à casa do pai dele. O programa segue com fatos da vida de João Ubaldo narrados por ele e ilustrados por fotos e imagens de vídeo de sua amizade com o cineasta Glauber Rocha. Tudo muito bem feito, com o uso do recurso da tela azul (antes chamada de cromaqui).

No que eu propus sobre outro baiano, "um grupo de teatro de Salvador vai adaptar um dos contos de Hélio Pólvora que será apresentado na forma de uma narrativa feita pelo próprio autor, integrando-se como espectador privilegiada da obra a ser mostrada em algumas cenas". Mais ou menos o que fez a TV Cultura de São Paulo, no belo trabalho do diretor Ricardo Elias.

Concluindo

As ideias nascem assim. Umas são apresentadas e vingam. Outras são apresentadas e deixadas de lado, não levadas a sério. Algumas até podem servir de inspiração, tempos depois, para uma adaptação. Na verdade as ideias estão aí. Perambulando esse espaço tão cheio de oportunidades. Foi uma pena que a TVE baiana não tenha aceitado minha proposta do tal programa. E foi uma sorte, alguém, sete anos depois, ter tido uma ideia semelhante que pode ser produzida e resultado num excelente programa. As duas ideias, a do Markun e a minha tem algo em comum, felizmente: as duas ideias trabalham com a difusão do hábito da leitura e a valorização dos nossos escritores. O resto, bem, o resto é coisa que só Jung poderia explicar. E para quem não acreditar que isso possa mesmo ter acontecido, junto algumas imagens. Assim ninguém vai achar que, nesse caso, nem Freud explicaria...



Nenhum comentário:

Postar um comentário