Esta semana li um texto do professor pernambucano Elton Bruno Soares de Siqueira sobre o diálogo no teatro contemporâneo com sua análise sobre a obra "Na solidão dos campos de algodão" de Bernard-Marie Koltès. O texto tem como objetivo analisar "a estrutura complexa do diálogo" na peça de Koltès, com "a finalidade de caracterizar a relação que se estabelece, pelo texto dramático contemporâneo, entre autor-público". O texto integral pode ser lido no link.
Na parte que antecede o final do texto, Siqueira destaca o trecho em que Koltès se refere ao ato de diplomacia. Segundo ele, "a visão que o autor tem das relações humanas é muito existencial. A diplomacia é entendida como o comércio do tempo, uma forma de retardar a violência que está latente nas relações entre homens. A troca de palavras, sintoma da diplomacia, é uma forma de ganhar tempo". Para Koltès, conforme assinala Siqueira, "não existe tolerância entre os homens, não existe comunicação efetiva, não existe nada senão a hostilidade".
Aquele diálogo aparentemente sem sentido que "Na solidão dos campos de algodão" apresenta entre o "Cliente" e o "Negociante", os personagens da peça de Koltès, me fez imaginar o que pode ter acontecido de real no recente "diálogo" entre Lula e o "presidente" Mahmoud Ahmadinejad, na recém e super festejada visita ao Irã pelo presidente brasileiro.
O Irã, que tem feito de tudo para manter seu programa nuclear em atividade, é um dos personagens de um diálogo que parece não ter sentido - e, para mim, não tem mesmo - quando quer dar caráter pacífico para o que, no fundo, tem fins bélicos, puramente hostis. Do outro lado, o restante do mundo, que defende a tese de que seria catastrófico para o mundo - o mundo todo, nós inclusive aqui no Brasil - o Irã dominar a tecnologia para fabricar armas nucleares.
Na representação teatral da semana passada, Ahmadinejad e Lula, com a co-participação do presidente turco, assinaram um pretenso acordo de que a tecnologia nuclear iraniana será apenas para uso pacífico. Lula, aos olhos de espectadores mais centrados na leitura do que de real existe naquele diálogo de entendimento e de paz, interferiu indevidamente no texto dramático que a história está registrando no momento. A diplomacia brasileira talvez não tenha se dado conta de que, como disse Koltès, o Irã assinou um acordo apenas para "ganhar tempo", iludir a audiência, enganar os espectadores e fazer com que o Brasil e o inoxidável presidente Lula faça apenas o único papel que lhe resta nessa trama internacional: o papel do bobo da corte. E esse papel, convenhamos, não cabe nem em tragédia, nem em drama, muito menos numa espetáculo épico.
O tal acordo que o Irã assinou e que, hoje, foi duramente criticado pela ONU que já anunciou o endurecimento nas represálias a serem feitas ao país dos aiatolás, é uma peça de teatro que, em momento nenhum, reservou sequer uma pontinha para o pretenso protagonismo de Lula e sua política externa descabida, infeliz e, por não dizer, absurda, por equivocada e sem sentido.
Para Koltès, para mim, e para o mundo todo, a posição do Irã, com seu jogo de cena, não passa de um mero artifício no seu papel de vilão, pois pregar a paz com o desejo de ter armas nucleares é montar um espetáculo falso já que "não existe tolerância entre os homens, não existe comunicação efetiva, não existe nada senão a hostilidade". E é para ser hostil que o Irã vestiu sua "pele de cordeiro". Sob os aplausos de Lula, o cara!
Olá, Rogério. Muito me apraz saber que Koltès foi o ponto de contato entre mim e vc. Gostei de conhecer o seu blog e me tornarei um leitor assíduo dele. Qt a seu texto, percebo que faz coro a um pavor generalizado, e não é sem razão. O cultivo do Urânio conduz, inapelavelmente, a intenções bélicas, não obstante não ser esta a razão 'primeira' no caso do Irã. Inquieta-me, porém, ler em seu texto a tipificação do Irã como o "vilão" da história. De acordo com a fábula que estamos vivendo, o sujeito da ação certamente é o Ocidente imperialista, na figura dos Estados Unidos e seus aliados. Esse sujeito quer alcançar seus objetivos, qual seja, controlar o petróleo do Golfo Pérsico e a rota marítima do estreito de Ormuz, por onde trafega o óleo da Arábia Saudita, Kuwait e outros países árabes, rumo ao ocidente, como todos nós sabemos. O Irã e outros países do Oriente Médio se colocam como adversários desse desejo, o que gera toda a ação dramática da tragédia que estamos vivendo. Claro que, para nosso olhar, o Irã é visto como alteridade, por isso, como um país de sujeitos "desequilibrados", "loucos" etc etc etc. Mas sou do tipo que relativizo o maniqueísmo, sobretudo por saber que os EUA é tão ou mais vilão que os países do Oriente Médio. Vc bem lembrou da hostilidade... Sou terminantemente contra toda a ação que conduza à guerra. Mas, pensemos no caso do Urânio... Por que a uns o direito e a outros não? Para o Irã, evitar a guerra é estar sempre submetido ao imperialismo norte-americano? A questão é complexa, amigo. Não se resolve em pequenos textos. Continuemos, pois...
ResponderExcluirVc deve ter lido esta matéria do Globo: http://www.guiaglobal.com.br/noticia-acordo_brasilira_resolve_o_impasse_nuclear-4454
Prazer em conhecê-lo, e fica com um grande abraço.