quarta-feira, 13 de julho de 2011

Por que o Brasil não tem indignados?

Fiz a tradução do texto oportuno do jornalista espanhol Juan Arias, correspondente no Brasil do jornal "El País" e que está sendo reproduzido por vários sites e blogs brasileiros.

A cobrança que Arias faz é legítima. Até porque ele, morando no Brasil, não aceita que nós sejamos cordeiros e cordatos com relação ao que a corrupção política tem trazido de malefícios para todos nós. Permitir que os políticos continuem a fazer o que fazem, que retirem de contratos e contas públicas o dinheiro que falta para a melhoria da saúde (abalada, sempre), transportes (deficiente), infraestrutura (precária), educação (abandonada), segurança (ineficaz), é assinar um atestado de burrice. Coisa que eu não sou e não assumo assim. Também não aceitarei ser chamado de conivente. E contra isso eu quero lutar ainda mais fortemente. Hoje, mais uma vez, estou deixando de publicar, aqui, um espaço para os estudos do teatro e da dramaturgia, para, como cidadão brasileiro, assinalar, aí sim, traduzir para o português o que escreveu com tamanha lucidez o jornalista Juan Arias. E minha tradução de um tema político, para mim se transformou num tema de consciência e de lucidez. Tudo o que um escritor, um estudioso da dramaturgia, tem que ter: consciência e lucidez. Para não permitir, sobretudo, que essa "nossa coletiva omissão" se transforme num atestado eterno de termos permitido, em nosso tempo, que os políticos fizessem de nossa história uma verdadeira e inaceitável tragédia.



Por que o Brasil não tem indignados?

Juan Arias – EL PAÍS – Espanha

O fato de que em apenas seis meses de governo a presidente Dilma Rousseff tenha demitido dois de seus principais ministros, herdados do governo de seu antecessor, Lula da Silva (o da Casa Civil da Presidência, Antonio Palocci, uma espécie de primeiro ministro, e o de Transportes, Alfredo Nascimento), demitidos sob os escombros da corrupção política, pode-se perguntar aos sociólogos por que neste país, onde a impunidade dos políticos corruptos tenha chegado a fazer extensiva a idéia de que “todos são uns ladrões” e que “ninguém vai para a cadeia”, não exista o fenômeno, hoje em voga em todo o mundo, do movimento dos indignados.
É que os brasileiros não sabem reagir diante da hipocrisia e falta de ética de muitos dos que os governam? É que não lhes importam que os políticos que os representam, no Governo, no Congresso, nos estados ou nos municípios, sejam descarados sabotadores do dinheiro público? Se perguntam, não poucos analistas e blogueiros políticos.
Nem sequer os jovens, trabalhadores ou estudantes têm apresentado até agora a menor reação diante da corrupção dos que os governam. Curiosamente, a mais irritada diante do assalto aos cofres públicos por parte dos políticos, parece ser a primeira presidente mulher, a ex guerrilheira Dilma Rousseff, que demonstrou publicamente seu desgosto pelo “descontrole” em andamento em áreas de seu governo. A presidente já retirou de seu governo – diz que ainda não terminou a limpeza – dois ministros chaves, com o agravante de que foram herdados de seu sucessor, o popular Lula da Silva, que lhe pedira para mantê-los no governo.
Hoje a imprensa diz que Dilma começou a desfazer-se de certa “herança maldita” de hábitos de corrupção do passado. E por que não provoca eco nas pessoas na rua, ressuscitando aqui também o movimento dos indignados? Por que não se mobilizam as redes sociais? O Brasil, depois da ditadura militar, saiu às ruas inspirado pela marcha das “Diretas já”, para pedir a volta das urnas, símbolo da democracia. Também o fez para obrigar ao ex presidente Collor a deixar seu cargo diante das acusações de corrupção que pesavam sobre ele. Mas hoje o país está calado diante da corrupção em andamento. As únicas causas capazes de levar para a rua até dois milhões de pessoas agora são os homossexuais, os seguidores das igrejas evangélicas na festa de Jesus e os que pedem a liberação da maconha.
Será que os jovens não têm motivos para exigir um Brasil não somente cada dia mais rico (ou menos pobre, pelo menos), mais desenvolvido, com maior força internacional, se não também menos corrupto em suas esferas políticas, mais justo, menos desigual, onde um vereador não ganhe até dez vezes mais que um professor e um deputado cem vezes mais, onde um cidadão comum, depois de 30 anos de trabalho, se aposente com 650 reais (400 euros), enquanto um funcionário público com até 30 mil reais (13 mil euros)?
Em breve o Brasil será a sexta maior potência econômica do mundo, mas no momento é o mesmo em desigualdade social e na defesa dos direitos humanos. Entretanto trata-se de um país onde não se permite à mulher abortar, o desemprego de pessoas de cor alcança uns 20% - contra 6% de brancos – e a polícia é uma das mais violentas do mundo.
Há quem justifique a apatia dos jovens pelo fato de que uma propaganda bem sucedida os convenceu de que agora o Brasil é invejado por todo o mundo (e é em outros aspectos). Ou que a saída da pobreza para 30 milhões de pessoas tem levado a acreditar que tudo está bem, sem compreender que um cidadão da classe média européia equivale mesmo hoje a um rico daqui.
Outros justificam pelo fato dos brasileiros serem gente pacífica, pouco dada a protestos, e que gosta de viver feliz com o que têm e que trabalha para viver, em vez de viver para trabalhar. Tudo isso também é certo, mas não se explica ainda por que, em um mundo globalizado, onde se conhece no mesmo instante tudo o que acontece no planeta, começando pelos movimentos de protesto de milhões de jovens que pedem democracia ou a acusam de estar degenerada, os brasileiros não lutem para que o país, apesar de ser mais rico, também seja mais justo, menos corrupto, mais igualitário e menos violento em todos os níveis. Assim é o Brasil que os honestos sonham deixar para seus filhos, um país onde as pessoas, no entanto, não perderam o gosto de desfrutar do pouco ou muito do que tem e que seria ainda melhor se surgisse um movimento de indignados, capaz de limpá-lo das sujeiras da corrupção que agridem todas as esferas do poder.


(tradução de Rogério Viana)


Leiam mais sobre o texto de Juan Arias, no blog do Reinaldo Azevedo, da revista VEJA.

6 comentários:

  1. mandei o meu comentário por email.

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  2. Veio da Isabel por e-mail e colo aqui:

    Pois é...

    No disco de Ana Carolina e Seu Jorge, no final da música Beatriz e começo da música Brasil Corrupção,
    Ana Carolina reflete exatamente o sentimento do brasileiro diante de tanta bagunça. Talvez até Juan tenha se inspirado nesse trecho. Interessante ouvi-lo.
    O brasileiro, povo, não tem tempo para reflexões políticas,
    O brasileiro, elite, do jeito que tá está bom,
    O brasileiro, nós, até tentamos, mas para quem?
    Por isso que o Brasil não tem indignados.
    A crise está debaixo do tapete, somente o brasileiro nós, consegue vê-la.

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  3. Grande Rogerio
    Muita Lucidez, muitos verdades no artigo anexado.... Sou/somos de uma outra geração : a que não se calava, não se acovardava, e.... principalmente não se contentava com o " status quo " imposto. Fomos às ruas, fomos presos - de vários formas , incluindo um longicuo Congresso da UNE em Ibiuna !!!!
    Mas porque nos dias de hoje não temos mais " os indignados ", os que se revoltam com o descasos praticados pelos políticos, ainda que hoje em dia tenhamos uma população muiiiiito mais bem informada ???? Será ? Tenho minhas dúvidas ??!!!!
    Pensando bastante sôbre isto, arrisco colocar minha opinião pessoal : a IMPUNIDADE !!!! SIM, pois com a impunidade os cidadãos honestos preferem não mais participar da política no Brasil. Como dizem alguns amigos de minha/ nossa época : não tenho mais idade, saco, estômago, paciencia para me envolver nesta POLITICALHA que, a cada dia, aumenta. Começando pelo primeiro degrau na escalada política : a Câmara de Vereadores. Hoje os cidadãos corretos e com muitas contribuições a darem, não querem mais participar. Aliás, na maioria das cidades, estes cidadãos não tem a mínima chance de ocupara uma cadeira !!!! É uma triste constatação mas uma realidade.
    A reforma política, já está atrasada, pelo menos 20 anos..... Já fui um militante político e nunca me arrependerei desta atitude. Mas num breve espaço de tempo, ingressei na " política partidária "..... e desta decisão me arrependo muito !
    Continuo um " indignado " aguardando a melhor, a mais eficiente maneira de demonstrar esta indignação.
    Aceito sugestões dos companheiros e amigos.......
    Abraços a todos
    joão flôres

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  4. rogério, é de fato um quadro de alienação e "quesefodismo" generalizado. o que mais me assusta, no entanto, é a conduta dos universitários e dos movimentos estudantis. um nojo! o que vemos, na maioria esmagadora dos casos, é a "ética partidarizada", de um cinismo sem limites. ou seja, se o pt faz, td bem, deixa baixo...
    imagine a grita e as manifestações que viriam às ruas caso isto acontecesse no governo fhc...

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  5. Pois é. A tal ética partidariza além de cínica é venal. A UNE, dos velhos tempos da ditadura, ia às ruas, gritava. Anos depois, contra Collor, pintou-se a cara. Hoje, no terceiro governo do PT, a ética além de ser partidarizada ficou flexível, sabe tipo hímen complacente? Cede aqui, cede ali e está levando ferro. Lamentável!

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  6. rogério, dê só uma olhada no excelente artigo escrito pelo joão ubaldo ribeiro. saiu ontem no estadão...

    http://www.almacarioca.net/estao-querendo-enganar-quem-joao-ubaldo-ribeiro/

    abraço.

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