sexta-feira, 18 de novembro de 2011

As teorias selvagens - Crítica de Juan Martins


Pola Olaixarac, autora de "As teorias selvagens"

O autor, professor e crítico venezuelano Juan Martins, do qual traduzi o texto teatral "Caramelo de nova york", publica na Venezuela alguns blogs. Em um deles faz críticas a peças de teatro e a livros, embora o blog tenha o título de "Crítica Teatral" apenas. Esta semana Juan Martins enviou-me a crítica que fez do livro "Las teorias salvajes", da escritora argentina Pola Oloixarac, publicado pela Editorial Entropía, de Buenos Aires e que no Brasil foi publicada, recentemente, pela Editora Benvirá, com o título de "As teorias selvagens".

Como ultimamente tenho lido vários textos de autores argentinos, de teatro, de literatura e de críticas a teatro e a obras literárias, e como o livro de Pola Oloixarac (que participou do FLIP este ano) foi bem recebido no Brasil e em vários países, decidi traduzir a crítica de Martins e publicar no meu blog, já que um dos temas do livro são os blogs e o ciberespaço. A autora argentina é chamada de Musa Nerd. Talvez por sua beleza (ela lembra a atriz espanhola Penélope Cruz), mas por ser muito ligada em tecnologia a apelidaram de "musa" e de "nerd" pela conotação óbvia.

Quem se interessar por conhecer mais sobre o livro "As teorias selvagens", podem acessar os links que aparecem aqui e nesta pesquisa maior do Google.

No site da Saraiva Livraria há uma apresentação do livro de Oloixarac que diz: 

As teorias selvagens é uma sátira da vida intelectual na era dos blogs, da pornografia virtual, do videogame, das pílulas coloridas e da junk food. É uma compilação de histórias cheias de referências por todos os lados - um gato chamado Yorick, uma militante de esquerda que escreve cartas para Mao, uma estudante de filosofia que persegue o professor pela universidade. É um compilado de histórias sempre esclarecidas por teorias que explicam tudo, ao menos aos olhos dos jovens contemporâneos, que viajam pelo mundo do ciberespaço.

Mas o livro não é apenas isso, o que o resumo apresentou. Como a própria Pola é, aos meus olhos, uma personagem fascinante, fiz a tradução da crítica de Juan Martins, mas indico, também outra crítica feita por Carla Fátima Cordeiro, da Unesp, que pode ser lida aqui, em formato PDF.

As teorias selvagens

Juan Martins

Tradução de Rogério Viana


“As teorias selvagens” (*) de Pola Oloixarac, editado por “Editorial Entropía”, 2008, Buenos Aires, deixou de ser em mim uma simples curiosidade ao afirmar-se como um romance divertido, convocado para conquistar leitores e outras coisas boas que dizem sobre ele: fluidez narrativa, solidez e irrupção literária. Quer dizer, sabemos que toda estrutura narrativa conduz um mecanismo de abstração por parte do autor: esse evoca seu próprio universo para significar por meio das palavras e seu leitor interpretará tal universo. A relação que se estabelece então entre um e outro estará significando por sua vez que simbolizando este entorno que se expressa no romance (já veremos mais adiante a importância da simbolização e interpretação que é adquirida por parte do leitor). O que para uns serão referentes próximos (toda vez que este significando na escrita do romance), para outros, terá aspectos de simbolização, de interpretação mais geral por estar distante do contexto, desses referentes e da cotidianidade dessa realidade que vai se construindo ao leitor: a realidade política da Argentina nos anos 1970: significa, mas também simboliza finalmente para o leitor. Terá que ler as condições dessa realidade. E o fazemos até o final do romance já que nos leva a divertirmos. Obterá esses instantes seus leitores. A autora faz que o contexto dos personagens nos pertença a partir de uma “realidade” (re) criada naqueles novos significantes para este leitor. Oloixarac compõe, o faz junto com o leitor, posto que o processo dê lugar na recepção do romance. Tudo devem no leitor, para seu gosto e prazer, com certeza. Aqui haveria que destacar a frase do texto narrativo, dado que sua representação vai entre o uso do gênero e a possibilidade de transferir esse gênero em outro: os momentos narrativos relacionam-se com outros ensaísticos, em que o mediador é o leitor. Criando a eventualidade de que este se conduza pela voz narradora, ensaie seu encontro com o narrado, como se o narrado fosse de construindo no achado conceitual do romance. O leitor, quem sabe, queira deter-se, deixar de pensar, de abrir-se à alternativa conceitual e reflexiva, a que dá lugar este constructo narrativo. É constructo narrativo posto que a escrita se faça no leitor. As cenas, o nível pragmático em que se estabelece o narrado, poderia ou não ser um referente para esse leitor: o idiossincrático, as ideias e a noção do amor colocadas em um contexto político e, por demais, ideológico. Aquilo que é ideológico é também o tempo do narrado, de uma realidade da política, portanto será ao mesmo tempo realidade do ficcionado, como se o ideológico funcionara de identidade diante a presença dos personagens que existem, existiram ou não, para o contexto políticos dos anos 1970 na Argentina: uma complexa relação de vítimas, desaparecidos e torturados com seus algozes. Todos aprisionados nesta realidade do romance com o mesmo caráter de responsabilidade. O interessante é que nos oferece a oportunidade de imaginarmo-nos neste contexto representado tão distante por sua vez da história como seja possível. Prevalece o inventado. Porque não interessa a Oloixarac escrever o que a história já escreveu. Prefiro dizer que a história fica “transparente” de seus aspectos ideológicos. Mas o que pode interessar-nos é o meio com que o romance inventa uma época, seu tecido e uma realidade que se transfere para outra para filtrar seus significados. Em primeiro lugar se instaura a possibilidade de que a linguagem se representa a si mesma, como se sua lógica designara outra natureza das coisas: sucede em significações. Quer dizer, tudo aquilo que se relata é a demarcação de algo que se representa enquanto seja realidade para o romance. Insisto, a época se recria: as significações estarão criando seu sentindo dentro do narrado mediante a amarração de diferentes histórias, da combinação simétrica de outras vozes, descrevendo a visão emocional de um país e de um momento político: o texto é uma unidade maior de signos para identificar o eu que anuncia, mas que também evoca e, por sua vez, no leitor se simboliza. O abstrato, penso agora, dialoga com os personagens: o cotidiano se introduz em outros discursos desiguais entre si: o antropológico se tece de realidades descasadas sobre o pensamento de ditos personagens e consegue unificar-se com a voz narradora do que sucede no relato. Uma postura de reconstrução, uma postura do discurso. Dito de outro jeito, o simulacro do ideológico representado naquele lugar pragmático da linguagem, no que os signos (a unidade do narrado) criaram outras unidades de significação, ao tempo que este discurso se introduz em outro. Uma ideia superposta como uma imagem mental de realidades que são autônomas entre si e que também serão para o leitor,

Difícil é, se sabe, dissociar sensatez e sentimentos de um contemporâneo, mas se o contemporâneo em questão nos parece primeiro de alguma espécie secundária de Tyrannosaurus rex (...) minha mente presenteava-se com um descanso. Fora desses intervalos, minhas unhas não cresciam: o constante tec-tec do teclado as corroia...

em seu ínterim este leitor flui com o pensamento da voz narradora. Tal intertextualidade manifesta no corpo escrito. Isto é, o signo – a sintaxe do relato – o qual se organiza de maneira tal que aquelas ideias vão sendo conduzidas na mesma continuidade da escritura quando uma ideia filosófica se introduz no contexto político do romance e, este, no entendimento do leitor. A autora, mediante a voz narradora, não anuncia o que já registrou a história oficial. Não quer, ao contrário, montar-se em uma espécie de remake literário e muito menos sociológico. Senão que o sociológico não é mais que uma postura do personagem o qual é expresso em primeira pessoa pela voz narradora com a intenção de simbolizar essa realidade para o leitor. Ao tempo que esta se distancia do contexto do narrado ao unificar segmentos de outros discursos e, com ele, realidades que convergem por suas diferenças no texto do romance. Do conceitual ao lúdico, do lúdico ao grotesco e do erótico ao divertimento. A ponte desse nível discursivo será a sintaxe com a que se organiza este corpus ideológico no que, como disse, se representa a linguagem: Já! Os telefones públicos são bons aliados da filosofia... E o que se representa? A modernidade do homem, seus mundos e as ideias que o compõem. E a representação está dada como forma de comédia através do lúdico: submeter o rigor do pensamento a sua absoluta liberdade. Liberdade que lhe confere esta forma expressiva do discurso,
Devo dizer que me encontro muito impressionado porque reconheceste essa referência perdida da ideologia alemã de Marx. Não acredito que pessoas de sua idade – e passou a língua por seus lábios – lesse estas coisas hoje em dia...

permitindo que a cotidianidade do(s) personagem(ns) – necessário para qualquer romance que como tal a qualifique seu leitor – se acomode em outro plano expressivo para o uso literário das ideias. A partir deste mecanismo de imbricar realidades diferentes se consolida o ficcional e se estabelece o nexo subjetivo do leitor – em lugar da interpretação – com as realidades subscritas sobre o relato. Esta modalidade subjetiva dialoga com o mundo do racional. É também uma distância visível, uma transparência da natureza humana, de seu contexto social e das diferentes reações individuais que produzem o entorno nos personagens: o amoroso e o erótico situado para transcender sobre a cotidianidade. Assim “Kamtchowsky” é um significante, um nome, mas também um vocábulo. Este, sendo uma unidade mínima de significado, por sua vez se contém de definição humana e, sobretudo, do que acaba simbolizando, sem embargo, esta definição se dê no escrito desta personalidade. O personagem nos introduz nesse conjunto de significações as quais se movem em diferentes contextos: uma história na outra, permitindo que o epistemológico tome lugar na mesma formalidade da escritura. A contingência política é somente um argumento para Oloixarac como se a presença do pensamento tomasse lugar na memória do leitor: todos nós ficamos retidos neste estado do epistemológico: Borges, Cortázar, a literatura e o marxismo funcionando neste significante “Kamtchowsky”, referente-significado na estrutura do relato, e sem/sentido transgredindo a lógica da comunicação para sua alteridade. E se acaso o acento da ideais é agregado em um mesmo nível, então, o lúdico se constitui na irreverência do discurso. A escritura como simulacro donde se reúnem qualquer modo expressivo do discurso: ensaio, romance e crítica. O diálogo é a forma com a que se apresenta, mas tudo converge em ficcional-ideia-divertimento. “Kamtchowsky” é a postura desse discurso. De modo que o sintático se organiza sobre o pragmático da linguagem. Tudo se dilui nesta dialética do romance. Um simulacro, sim, também, uma ordem do discurso político. O que quer Pola Oloixarac para seu leitor, como se o mundo se explicasse por meio da lógica, da sintaxe. E sabemos que além do mais há outras coisas para que a vida seja vida. Dali ao cinismo e o divertimento, porque tudo vai contradizer-se no final das contas.
Não estamos falando de qualquer leitor para ele, terá este que acercar-se por meio do constructo que faça da leitura. O escatológico, o emocional e o erótico funcionando nestas condições para o leitor. O divertimento está dado: as anedotas e o meta-literário introduzindo-se com jeito de comédia. Assim o divertimento se dá na possibilidade de situar o mundo da ideias em um posicionamento bizarro de ruptura até a desmistificação do pensamento, da militância política. Instalando-se em seu lugar o gosto pela leitura. Quem sabe seja um fluido de relatos onde parecera que o mundo se unificara. Fluidez de vontade, de paixões e frustrações. Identificando-nos com a dor dos “desaparecidos” na Argentina. Núcleo de pessoas que se agrupam na história do relato. A memória de um país vem de identificar a linguagem que o representa. Por exemplo, o discurso da militância política dos anos 1970 alienando o aparato ideológico do poder quando antes eram vítimas de um discurso antagônico mas simétrico, no exercício desse poder. Os torturadores serão vítimas desta alienação. Uma “matriz” de ideias bifurcando-se nas emoções de seus espectadores. Os espectadores de um país que se definem por seu imaginário, por seus escritores. E que estão escrevendo bem.

(*)As teorias selvagens – Editora Benvirá – 2011

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