domingo, 22 de abril de 2012

Um monólogo inspirado em Shakespeare

Escrevi em dezembro de 2010 a peça A ARTE DO MONÓLOGO - são vários monólogos na peça - e um deles inspirei-me numa das cenas de Romeu e Julieta.

Saiu assim:

Inspirado na Cena 2 - Jardim dos Capuleto – de Romeu e Julieta – William Shakespeare

(entra Romeu e deita na mesa. Uma luz azulada forte ilumina a mesa onde está o homem. Ela faz as duas vozes – de Romeu e Julieta)

Romeu - Só ri dos meus piercings quem nunca foi ferido por eles...ou com eles...
Silêncio, porra! Que merda de farol é este na janela? É a luz de uma sala de cirurgia, mais forte que a luz do sol? Cadê meus óculos escuros? Onde colocaram o meu colírio? Apaguem esta luz forte, seus merdas! Tá me dando uma zonzeira. Parece que estou vendo meu amor. O piercing dela em minha boca. O meu em sua boca. É minha dama, é o meu amor. Se ela ao menos soubesse que estou aqui, zoado com esta puta luz forte na minha cara! Estou sonhando com minha amada ou é uma puta de um trip animal? Alguém me diz umas coisas! Respondo ou não? Sou muito ousado... tenho pra lá de trinta piercings, não é a mim que ela fala. O brilho vem de seus olhos, minha amada? Como ela apóia seu rosto na mão! Como eu queria ser uma luva em sua mão, para poder tocar aquela face! Mas que porra! Essa mulher com uma luz tão forte atrás está de luva. Eu é que queria ser uma luva em sua mão. Mas ela está de luva... parece que usa uma máscara!
(Julieta usa uma meia máscara fixada numa haste)
Julieta – Ai de mim!
Romeu – Ela está falando! Fale de novo, anjo brilhante, anjo glorioso no alto dessa noite, com essa puta luz forte, mas bonita em sua cabeça. Estou vendo a luz e será que pobres mortais arregalam os olhos e enxergam luz tão bonita? Ou devo torcer o pescoço dos que também enxergam esta puta de uma luz bonita pra caralho? Você está envolta numa luz bonita, agora parece cavalgar em nuvens, que vão preguiçosas no céu. Você cavalga ou veleja nas nuvens, minha amada?
(Julieta usa uma meia máscara fixada numa haste)
Julieta – Romeu! Romeu! Porque você é Romeu? Será que você ainda não adormeceu de vez? Eu sou sua médica, tentando aplicar-lhe uma anestesia geral, mas você não para de falar! Não negue receber a anestesia, Romeu. Nem renuncie aos nossos procedimentos cirúrgicos. Se a cirurgia não for bem sucedida eu poderei deixar de ser médica e terei meu registro cassado no CRM...
Romeu (à parte, meio sonolento) – Devo ouvir mais ou devo responder?
(Julieta usa uma meia máscara fixada numa haste)
Julieta – Não você, mas apenas seu nome poderá ser meu inimigo num processo judicial, caso esta cirurgia não dê certo! Você continuaria sendo meu paciente, mas, agora, me parece que você não é mais, está deixando de ser. Não é na mão, nem no pé, nem no braço ou no rosto que você tem esses piercings. Você tem em toda parte do corpo. Tem até aqui, na parte inferior de sua glande – que é grande, Romeu! Assim, Romeu, se você não tivesse tantos piercings até que poderia ser um homem interessante. Poderia ter conservado sua beleza, sem essas centenas de pedaços de aço e de prata, espetando todo o seu corpo. Romeu jogue fora os seus medos, digo, os seus piercings que não são parte de você mesmo e fique comigo, aqui, inteiro!
Romeu – Peguei você pela palavra! Deu-me o nome de coisa simples, uma simples pequena cirurgia, sem complicações. Será que serei eu mesmo depois que você terminar essa porra dessa cirurgia? Ou nunca mais serei Romeu? O Romeu, o príncipe dos piercings?
(Julieta usa uma meia máscara fixada numa haste)
Julieta – Quem é você que foi escondido na noite lá no meu consultório e que, agora, aqui, não adormece para eu concluir o procedimento cirúrgico? Quem é você que quis que eu resolvesse seu problema com este maldito piercing e que me disse, quase chorando, quando você tirar esta porra do meu pau, eu quero penetra-la inteirinho?

Romeu – Estou zuado e nem sei mais quem sou eu e muito menos quem é você, mulher da luz forte! Meu nome, minha cara santa, digo doutora da Santa Casa, por que está me tratando como seu inimigo? Será que terei que rasgar a autorização que lhe dei por escrito?
(Julieta usa uma meia máscara fixada numa haste)
Julieta – Ainda não ouvi sequer cem palavras de sua boca, mas ainda sei que você não está completamente anestesiado e continua semi consciente. Você ainda sabe que é Romeu, o príncipe dos piercings? Ou você é outro Romeu, quando está chapado?
Romeu – Nem um nem outro, se lhe desagradam.
(Julieta usa uma meia máscara fixada numa haste)
Julieta – Como chegou aqui, diga-me, por onde veio? Os muros da Santa Casa não são fáceis de escalar, e o lugar é mortal para você. Vai que você caísse lá de cima. Ainda mais, subiu pelo lado de fora do prédio e teve a coragem de pichar uma frase de amor lá no alto. Se o diretor do hospital souber que a frase é para mim, estou ferrada. Digo, serei admoestada por ele!
Romeu – Eu subi lá com as asas do amor, voei sobre eles; não há muros de pedra para o meu amor, nem seus parentes ou o diretor da Santa Casa poderia me encontrar lá em cima.
(Julieta usa uma meia máscara fixada numa haste)
Julieta – Se eles o tivessem pegado lá em cima, eles o matariam, digo, o processariam, se o vissem.
Romeu – Ai de mim! Há mais risco eu ficar com este soro enfiado no braço e esta máscara de oxigênio na cara que enfrentar o tal diretor. Este soro é muito doce? Pois nem mais sinto aquela larica crônica que sentia antes de aqui chegar.
(Julieta usa uma meia máscara fixada numa haste)
Julieta – Por nada deste mundo quero que o vejam aqui, nesta sala de cirurgia que arrumei às pressas para atendê-lo.
Romeu – Tenho o manto da noite para ocultar-me em minhas andanças quando estou com minhas latas de tinta spray. Não me importo quando me enxergam. Prefiro a morte rápida pelo ódio que todos sentem por mim quando dou uma pichada bem feita em qualquer prédio. Mas estou falando cada merda, agora! Que zoeira estou sentindo, porra!
(Julieta usa uma meia máscara fixada numa haste)
Julieta – Quem foi que lhe ensinou este caminho?
Romeu – Foi o amor, digo, foi essa puta dor que estou sentindo que me obrigou e me encorajou. Deu-me conselhos, eu sei, mas fiquei com olhos e ouvidos tapados. Não acreditei que pudesse ficar com um puta de um problema, aqui no meu bilau! Mas eu a encontraria mesmo na mais longínqua praia, digo, cidade, melhor dizendo, hospital, clínica ou pet shop. O que estou falando mesmo? Será que corro risco de perder o pau, o meu bilau, o meu cacete, só por causa desse maldito piercing que enroscou na sua boca, no seu dente, no seu aparelho de ortodontia?
(apaga a luz)
(pausa)

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