sábado, 29 de março de 2014

MENSAGEM SOBRE O DIA MUNDIAL DO TEATRO, POR PATRICIA ZANGARO

Traduzi o texto 27 de março - Dia Mundial do Teatro, escrito pela autora e professora argentina, Patricia Zangaro e publicada no site do CELCIT, de Buenos Aires.

O texto é o seguinte:


27 de março – Dia Mundial do Teatro
Mensagem Nacional, por Patricia Zangaro, autora e professora de teatro na Argentina.
(Publicado no site CELCIT – Buenos Aires)

Tradução de Rogério Viana

Gostaria de compartilhar com vocês duas imagens que obsessivamente impuseram sua presença apenas ao começar o esboço de umas palavras sobre essa celebração e cujo sentido somente fui descobrindo com o correr dos dias.

Um teatro romano. O ator Vernacchio apura seus recursos para expulsar o tédio de uma pequena plateia que permanece distante ao convite do palco. Convencido de que a irrupção do real poderá alcançar o que a mimeses não alcança, pega um machado e decepa o braço de um escravo. Porém, o publico permanece impávido frente àquele pedaço sanguinolento e Vernacchio, num último gesto de desespero, se ajoelha diante de quem não lhe devolveu nada mais que desdém e indiferença.
Um banquete na casa do rico Trimalchione. Um grupo de atores declama em meio de uma orgia de comidas, vinhos e excessos, suprimindo toda distância ritual entre a cena e os espectadores. Os restos do teatro são compreendidos na frase lapidar de um dos comensais: Como eu gosto de comer escutando aos gregos!

O cinema, como a literatura, tem tentado capturar a natureza efêmera do teatro. Somente podemos imaginar o esplendor da tragédia grega através do legado escrito de seus dramaturgos.

Não é por acaso que em sua versão de Satyricon, à qual pertencem as cenas de Vernacchio e Trimalchione, Fellini tenha recorrido ao absurdo de querer fixar em imagens o instante irrepetível do teatro para mostrar através de sua dissolução, a decadência de um império. Toda vez que os gregos fundavam uma cidade, construíam um teatro, sabedores de que esse espaço, onde a polis celebrava os mistério da condição humana, constituía a forma mais eficaz de levar sua cultura aos povos conquistados. Desde então o Ocidente tem edificado e destruído teatros. E nós, da classe teatral, temos persistido em sua reconstrução, às vezes, inclusive, revolvendo seus próprios fundamentos.

Temos insistido, sem chegar aos extremos de Vernacchio, cutucar a sonolência da plateia burguesa apre-sentando em lugar de repre-sentando. Procuramos, também, ainda com finalidades diversas do funesto efeito retratado por Fellini no banquete, colocar o público no centro do espaço ritual, suprimindo toda distância entre a cena e os espectadores. E o teatro, apenas dos embates do poder e do tempo e fortalecido com as múltiplas inovações de seus criadores, tem resistido o passar dos séculos. Porque nada, salvo a voluntariedade de suas partes, pode romper o pacto sobre o que ele se fundou. O teatro pode prescindir de tudo, menos do acordo entre o ator e o espectador, a partir do qual o espaço e o tempo se fundem num círculo mágico, onde tudo é possível.

Por isto, neste Dia Mundial do Teatro, quero celebrar com as centenas de pessoas de teatro em todo o País (Argentina) que mantiveram viva a chama através das expressões mais diversas e que incansavelmente questionam ao poder propondo novas formas de configuração da experiência humana.

Mas desejo celebrar muito especialmente com a imensa quantidade de espectadores que sustentam com a cena aquele pacto fundante. Que constituem, com a contradição de sua ativa presença, a mesma condição do teatro. Porque, como assinala Rancière, ao observar, selecionar, comparar e interpretar o que ocorre no palco, também atuam e realizam um gesto emancipador ao imaginar novos horizontes possíveis de concepção do mundo. Pela classe teatral, então, e pelo público que propicia, com sua participação, o instante fugaz e irrepetível do teatro, cada vez que acorre à festa.

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