Assisti, ontem, no Miniauditório do Teatro Guaira a estréia da montagem "Uma História de Pouco Amor", texto de Edson Bueno, dirigida por Moacir Chaves e com Zeca Cenovicz, Laura Haddad, Sidy Correa e Patrícia Kamis.
A partir do título já dava para presumir que jogo aconteceria no palco. Onde há pouco amor, sobra espaço para tantas coisas. Se falta amor, ultrapassa o limite do que possa ser desilusão, insatisfação, solidão. Se falta amor, há um excesso de desejos, ânsia pelo que não se sabe o que possa ser. Quando falta amor, a arrogância ganha contornos insustentáveis. Onde não existe amor, aprisiona-se sentimentos mais saudáveis, a existência se limita pelo que ilimitado seja possível. Dinheiro e poder substituem o amor? O que excede, então, evidencia o que pouco existe ou se existiu minimamente, pouca semente deixou para florescer e ocupar o necessário espaço de paz e de consciência.
Moacir Chaves, nas cenas iniciais, deu o tom exagerado de tudo que equivocado e ruim havia na vida dos personagens. A voz empostada e artificial, o tom discursivo, frio, ausente, distante do que se poderia entender como real e pretensamente saudável, caracteriza não o pouco amor que possa existir entre Erik, Hilda, Max e Ana, mas o tanto de amor que não existe entre os parceiros que se formam entre tapas e beijos sem o menor sentido. O autor – Edson Bueno – escolheu bem os nomes dos personagens. Nomes curtos, minimalistas, nomes que soam duros, diretos, como tapas na cara, como beijos em si mesmos.
O cenário de Fernando Marés tem a mesma característica minimalista. O figurino, também. Os tons escuros – predomina o preto, o cinza – deixa evidente, também, que poucas luzes podem sair daquelas pessoas já sem brilho próprio e que podem fulgurar, em breves momentos, pelo falso brilho das drogas, das bebidas e do sexo inconsequente. Mesmo o “criativo e arrogante” Max, o máximo de cor que ele consegue atingir é o marrom. Uma cor muito difícil de combinar com o espírito criativo do personagem, mas, ao mesmo tempo, marrom combina com todas as cores, se a palheta deixar de simbolizar pessoas e for apenas para o vestuário, a moda, o que possa ser ou não “fashion”, passageiro, efêmero. O preto e o cinza sugam a luz, engolem a luz. Assim como são engolidos os personagens naquele ambiente de tanto desatino. E de brilhos ocasionais. O que seria sucesso para quem adora um tapão na fuça? Sexo, poder, beleza são ingredientes para a felicidade? O prazer pode ser alcançado apenas pelo que vai além da conta? Falando em conta, quanto vai custar a cada um o que cada um toma emprestado da falta de consciência ou do excesso de arrogância que, para eles, tem um sentido: para se ter prazer, vale tudo.
Ana (Patrícia) manipula com seu tipo exótico. Quando quer e como quer, pede para levar uns tapas. E leva. É a forma que ela tem de mostrar que é forte, que domina. Max (Sidy) quer, a todo custo, revelar nos seus anúncios, que só o sexo tem o poder de vender – e de convencer sobre qualquer coisa que se venda ou se compre, ou que tenha sentido. Erick (Zeca), sente-se ultrapassado, mas transfere suas inseguranças para a suposta força que tem Ana e Max, e deixa-se controlar pela rigidez de sua companheira. Hilda (Laura), toda rígida, insatisfeita – ela nunca conseguiu um orgasmo? - e focada apenas no amor e prazer que ela nunca teve, joga tudo para o trabalho e para o poder que imagina ter, demitindo, diminuindo, menosprezado a todos e a tudo que não signifique dinheiro, posição, sucesso.
A música de Vadeco é mesmo o som ideal para tantos desencontros. A guitarra solo, os blues, a batida sincopada, os sons levemente distorcidos, contrastam com a total distorção da perspectiva do real e reforçam que “Uma História de Pouco Amor” somente poderia ser contada com talento, com rigidez formal, com exageros e, sobretudo, com a demonstração de que amor é amor, mas pouco amor, nunca será amor. Nunca.
Rogério Viana
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