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A dança de Oberon, Titania e Puck com as fadas, c. 1786 William Blake (Inglaterra, 1757-1827) Aquarela sobre papel grafite, 47,5cm x 67,5cm Tate Gallery, Londres |
Algumas e principais falas de Puck, em “Sonho de Uma Noite de Verão”, de Shakespeare.
PUCK — Olá, espírito! Para onde vais?
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PUCK — Para este ponto o rei já se encaminha. Cuidado! Não se encontre com a rainha, pois Oberon se mostra estomagado deveras por lhe haver ela roubado o gracioso menino da Índia oriundo. Na opinião dela é o pajem sem segundo. O ciumento Oberon desejaria em seu séqüito vê-lo noite e dia, para, juntos, passearem na floresta. Ela, porém, de nada se molesta; retém o lindo pajem, venturosa, e grinaldas lhe tece cor-de-rosa. Nos olhos dele encontra a luz mais pura. Assim, quando nas fontes, porventura, os dois se vêem, num vergel umbroso, à luz do luar, num bosque nemoroso, a tal ponto discutem, que, de medo, nas bolotas os elfos ficam quedos.
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PUCK — Fada, acertaste. Eu sou, realmente, o ledo vagabundo noturno que brinquedo faço de tudo, porque a todo instante alegre de Oberon deixe o semblante. Como ele ri gostoso, ao ver o efeito, sobre um cavalo gordo, do meu jeito de relinchar qual égua calorosa. Às vezes ponho tudo em polvorosa, quando me escondo, qual maçã cozida, no jarro de uma velha delambida: tropeço-lhe nos beiços, sem que o veja, e no regaço entorno-lhe a cerveja. A sábia tia, às vezes, numa história de enredo triste e perenal memória, pensa me ter, qual um banquinho, à mão; então me afasto e, bum! vai ela ao chão, e enxertando na história um disparate reclama em altas vozes o alfaiate, sem parar de tossir. Em gargalhadas as comadres rebentam, de malvadas, saltam de gozo e juram, da janela, não terem visto uma hora como aquela. Retira-te; Oberon vem com o seu bando.
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PUCK — Quem são os cascas-grossas que assim gritam tão perto do lugar em que repousa nossa rainha excelsa? Oh, novidade! Um ensaio teatral! Ótimo. Ouvinte vou ser da peça, e ator, conforme o caso.
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PUCK — Vou perseguir-vos sem vos dar sossego, por vales, montes, pela mata espessa; ora como corcel, ora morcego, ou sapo, ou chama, ou urso sem cabeça; como cavalo, ou leão, macaco, ou burro, relincho forte e rujo, guincho e zurro.
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PUCK — A rainha se encontra loucamente de um monstro apaixonada. Quase em frente do sagrado lugar em que ela a sono mui tranqüilo se achava em abandono, unia tropa de artífices de Atenas, capazes de trabalho rude, apenas, para ganhar o pão com o suor do rosto, ensaiava uma peça de mau gosto, para o dia solene do himeneu da Amazona garbosa e o grão Teseu. O casca-grossa de mais rude engenho de todos eles, que, com muito empenho, de Píramo fazia, a cena deixa por um momento, à espera de sua deixa. Eu, então, da ocasião me aproveitando para em um monstro o transformar, infando, sobre os ombros lhe pus, sem mais demora, de burro uma cabeça. Eis chegada a hora da resposta de Tisbe, o instante azado para na peça eu por o meu bocado. Ao vê-lo, os outros, tal como bulhento bando de patos bravos, no momento em que percebem caçador matreiro que para eles se arrasta sorrateiro, ou como gralhas de pés rubros, quando a um tiro súbito, a gritar, voando, se espalham pelo céu – cheios de medo também se afundam logo no arvoredo. Para mais assustá-los, sapateio sem parar, deles todos pelo meio: uns sobre os outros caem, por socorro gritando, em desespero: Atenas! Morro! Minguando-lhes o senso na medida que aumenta o medo, quanto não tem vida lhes causa dano, que, pelos caminhos vão deixando nas pontas dos espinhos aqueles membros do teatro imbele parte das roupas, dos chapéus, da pele. Dominados, assim, todos do medo, deixei-os ir. Só fica no brinquedo nosso Píramo, em burro transformado. Nesse instante, porém, tendo acordado. Titânia, apaixonou-se loucamente do belo monstro que lhe estava em frente.
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PUCK — Capitão do nosso bando de duendes, já vem andando para cá Helena bela e o jovem da tal querela por mim causada, também. Ora dizei se convém prosseguir na brincadeira, porque a tenhamos inteira. Oh mestre! Como são loucos os mortais! De senso há poucos.
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PUCK — Ó rei das sombras, podeis crer-me: houve erro. Não disseste que fácil me seria reconhecer o moço, pelas vestes de modelo ateniense? Não mereço censura desta vez, pois encantado deixei de Atenas jovem namorado. Mas alegra-me ver tudo assim torto, que para mim não há melhor desporto.
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PUCK — Meu rei dos duendes, isso vai ser, feito com toda a pressa, como o pede o pleito, que os velozes dragões da noite escura não cessam de apartar com a viatura aquelas nuvens negras. Não demora, vai nos surgir o anunciar da aurora, ante o qual os espíritos nefandos procuram logo o cemitério, aos bandos; os espectros de quantos pelas ondas, ou nas encruzilhadas, as hediondas sepulturas tiveram, para os leitos de vermes já se foram, com trejeitos; de medo de mostrar suas vergonhas, escondem da luz clara as carantonhas, ocultando de grado o aspecto impuro na negra noite de sobrolho escuro.
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PUCK — Ruge o leão a cada passo, uiva o lobo para a lua, ressona o campônio lasso, deslembrado da charrua. Consomem-se na lareira as últimas acendalhas; o pio da ave agoureira fala ao doente em mortalhas. Nesta hora da noite escura as pobres almas andejas se esgueiram da sepultura rumando para as igrejas. Nós, os elfos, que a parelha de Hécate sempre seguimos, e da luz do sol, vermelha, como num sonho, fugimos, de guarda estamos agora. Nenhum rato, em qualquer hora, a paz deixe perturbada desta casa abençoada. Com vassoura eu vim na frente para limpar o batente e jogar nesta hora morta todo o pó atrás da porta.
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PUCK — Se vos causamos enfado por sermos sombras, azado plano sugiro: é pensar que estivestes a sonhar; foi tudo mera visão no correr desta sessão. Senhoras e cavalheiros, não vos mostreis zombeteiros; se me quiserdes perdoar, melhor coisa hei de vos dar. Puck eu sou, honesto e bravo; se eu puder fugir do agravo da língua má da serpente, vereis que Puck não mente. Liberto, assim, dos apodos, eu digo boa-noite a todos. Se a mão me derdes, agora, vai Robim, alegre, embora.
Texto completo de “Sonho de Uma Noite de Verão”, aqui, no link.
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Teatro Municipal de Piracicaba. Sua sala principal é uma homenagem ao autor e diretor piracicabano José Maria de Carvalho Ferreira, falecido há 20 anos. |
As falas acima, de Puck, personagem símbolo de Shakespeare, são minha homenagem a um querido amigo, jornalista, autor e diretor teatral José Maria de Carvalho Ferreira, falecido há 20 anos na cidade de Piracicaba. Zé Maria foi amigo de adolescência do diretor Antonio Carlos Kraide (de tradicional família de origem árabe em Piracicaba), que atuou mais de 10 anos em Curitiba onde veio estudar Arte Dramática e teve uma brilhante carreira. Kraide faleceu em 19 de janeiro de 1983, em Curitiba, num brutal assassinato não completamente esclarecido até hoje.
José Maria de Carvalho Ferreira dá nome, hoje, à principal sala do Teatro Municipal "Losso Neto" de Piracicaba, interior de São Paulo.
Sobre os 20 anos de seu desaparecimento, seu irmão, Francisco Ferreira, escreveu no site "A Província" o texto que pode ser lido no link.
Sobre os 20 anos de seu desaparecimento, seu irmão, Francisco Ferreira, escreveu no site "A Província" o texto que pode ser lido no link.
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