quinta-feira, 24 de março de 2011

Meus quinze degraus

"Infeliz e desesperado aquele que não 
sabe se dirigir a um Leitor futuro"

(Umberto Eco, em Sobre Literatura - Ensaios)

Acostumado no jornalismo com a preparação de pautas para matérias, reportagens, entrevistas, editoriais, levei essa "mania" para minha atividade de "escritor". Assim, em 1997 quando iniciei - e descobri - o gosto de escrever contos, relacionava os temas que eu pretendia escrever e, como se eu cumprisse a obrigação de escrever uma matéria jornalística, ia escrevendo um conto para cada tema previamente desenhado na minha pauta, no meu objetivo, no meu desafio pessoal.

Enquanto escrevia contos, intercalava o estudo de roteiro de cinema, escrevia haikais, fotografava. Neste período escrevi um roteiro cinematográfico, um longa. O teatro aparecia, vez ou outra, na leitura de alguns textos.

Em 2003, quando morava em Salvador, na Bahia, encontrei-me num evento na TV Bahia, com duas atrizes. Elas perguntaram-me se eu já tinha me interessado em escrever para teatro. Interesse eu tinha, respondi. Só não tinha tido oportunidade ou motivação. Foi então que as duas me desafiaram a escrever um texto para teatro, mas devia ser um texto para duas atrizes e, no máximo, um ator. Aceitei o desafio e, em menos de 10 dias eu escrevia meu primeiro texto teatral que tinha o nome de "O medo de te perder". Elas fizeram uma leitura, dias depois, e dias depois eu também deixava a Bahia, retornando para Piracicaba, cidade do interior paulista onde morei e trabalhei como jornalista durante 32 anos. 

O texto ficou guardado e, em 2003, procurei o diretor de teatro Carlos ABC e ele recrutou duas atrizes e um ator para fazerem uma leitura pública do meu texto. Aconteceu no anfiteatro da Casa do Médico em Piracicaba, no final de 2003. Pela primeira vez eu pude ouvir minhas palavras na voz de atores transformados em meus personagens. Foi uma experiência inesquecível. Em 2008 reescrevi o texto e mudei seu título para "Das razões do nosso medo". Foi assim que ele foi registrado na Biblioteca Nacional.

Em abril de 2004, mudei-me para Curitiba. Vim para cá com a finalidade de desenvolver um trabalho em, no máximo oito meses. Mas as coisas tomaram outro rumo e fui ficando, fui ficando. Daqui poucos dias completarei sete anos na capital paranaense. 

O primeiro contato com um texto teatral, as vozes dos atores, os personagens expressando seus medos e temores, na fragilidade de se revelarem a cada palavra, levou-me a ficar mais atento ao que passou a ser meu real interesse: o texto teatral, a dramaturgia. Em 2005, veio a mim a motivação de escrever sobre o circo teatro caipira, a música caipira. Passei a pesquisar e, em pouco tempo começava a escrever o texto "Arco, Tarco ou Verva?". Escrevi um pouco, mas ficou parado. No começo de 2007, retomei o texto e, em duas semanas tinha pronto o musical caipira, inspirado no circo teatro caipira mambembe, uma homenagem a personagens reais e fictícios do universo caipira. Escrevi e finalizei "Arco, Tarco ou Verva? Paixão e Alegria de Um Barbeiro Caipira". Busquei interessados em conhecer meu texto e, tive a iniciativa, com o apoio do Richard Rebello, Wellington Guitti, Michelle Pucci, Enéas Lour, Davi Sartori, Liane Guariente e outros que foram chegando à medida em que a ideia ia se afinando, de elaborar um projeto para a Lei Rouanet. O projeto ficou pronto, foi encaminhado e meses depois, em meados de setembro de 2004, foi aprovado. Na sequência, quando devíamos iniciar, efetivamente a busca de apoiadores, no árduo trabalho de captação, um prazo não foi observado e, em dezembro o projeto que me custou tanto tempo, foi devidamente arquivado. Mas a ideia não morreu, nem minha vontade de produzir o tal musical caipira. O projeto foi enviado, de novo, ao Ministério da Cultura, novamente foi aprovado e está em fase de captação por uma produtora local que tem vários trabalhos executados pela Lei Rouanet.

Quase dois anos se passaram e, continuando a ler muito, pesquisar e estudar teatro, fui levado a me inscrever na Oficina de Dramaturgia patrocinada pelo SESI Paraná. Com certa dificuldade de conseguir uma das vagas remanescentes, finalmente pude participar dos encontros quinzenais com o Roberto Alvim.

O que em mim estava quase que adormecido - o gosto pelo teatro - ressurgiu forte. E, desde abril de 2009 tenho me dedicado a estudar muito, a pesquisar ainda mais, a ler muitos textos, muitos textos, muitos textos mesmo, tudo a que se refere à dramaturgia, teatro, peças, críticas. Foi neste momento que me vali de alguns contos que eu havia escrito desde 1997 e, quando chegou o momento, peguei-os para servirem de argumento, de temas, para o desafio de escrever uma peça de teatro na Oficina com o Roberto Alvim. Assim, nasceu "Manhas, Mutretas e o Escambau", o mundo de um ex técnico de futebol, que sofre do Mal de Alzheimer e que convive, em seu mundo, com lembranças, lembranças e aquele grito de gol preso em sua garganta.

O jornalista, então, pegou e elaborou uma lista de temas, fez uma pauta para peças de teatro que gostaria de escrever. E elas foram nascendo, quase que espontaneamente, numa geração e provocação de ideias que se sucediam. Depois de invadir o mundo solitário do ex técnico de futebol, motivei-me a transformar meu conto sobre um travesti no dia do seu aniversário de 40 anos e assim, nasceu "Daysi", a margarida que escrevia seu nome de um jeito errado com a palavra, com o nome em inglês, para colocar, no seu nome, em primeiro lugar, a palavra "dia". Uma brincadeira com o que acontece na peça no dia em que a personagem Daysi faz 40 anos e desejava, apenas e tão somente, ganhar um bolo de morango com chantili.

Outro conto ensejou, a seguir, "Cinco Cafés e Algumas Gotas de Afeto". Depois veio o registro de minhas observações sobre alguns colegas que comigo participavam da Oficina com o Roberto Alvim (ele próprio, claro), personagens que poderiam ter passado pelo palco do Teatro José Maria Santos, e personagens que poderiam ter vivido emoções tão diversas naquele mesmo espaço quando era uma fábrica de tecido, uma malharia. Foi com esse olhar e esses temas que escrevi "Parent(es)is". No título, uma brincadeira, um jogo com a frase em inglês "parent is", com a palavra parente e com a palavra "parêntesis", quando abrimos um parêntesis numa história para enfiar, nela, outras histórias, outros personagens.

Não parei, nem abri um parêntesis. Melhor dizendo, abri sim, abri um parêntesis nos meus escritos, nos meus temas e fui pesquisar textos de autores de língua espanhola, traduzindo textos teóricos do José Sanchis Sinisterra (sobre Narratologia e A Arte do Monólogo), para, finalmente chegar a dois textos de teatro de Susana Lastreto, autora, professora e atriz argentina que mora em Paris. Assim, traduzi o primeiro texto dela - "Parejas" - e surgiu minha primeiro tradução teatral, "Casais". Susana Lastreto gostou da minha ousadia e, em seguida, acabei traduzindo seu monólogo "Noite bem longe dos Andes ou Diálogo com meu dentista". A troca de e-mails com Susana Lastreto - eu em português e ela em espanhol - me levaram a criar um tema onde um autor brasileiro e uma autora francesa de origem argentina trocam impressões e contam suas histórias que se funde numa história que tem um personagem comum que surge no meio dos movimentos terroristas no Brasil dos anos 60 e 70. Foi com essa temática que escrevi "Eu Avec Você", eu aqui no Brasil, você lá na França. Eu com você no desenvolvimento de uma história que nada tem de verdade, mas que tem muitas características reais.

Não parei por aí e seguindo minha listas de temas, no final de 2009 escrevi "Homem Ambíguo em Torno do Próprio Umbigo", uma brincadeira de livre pensar em torno do umbigo, do umbigo mesmo, do personagem ligado à sua mãe, alguns umbigos que se ligavam não por força da genética, mas da palavra.

Chegou o novo ano arrastando tudo, destruindo tudo, desmanchando montanhas, matando muitas pessoas. Assim, fugindo da lista original de temas, arrisquei-me a escrever "O Solvente da Montanha" que me levou a descobrir uma antiga música do cantor e compositor Benito di Paula, um samba que entrou para o texto como uma profecia do homem mau que não respeita a natureza nem a mulher amada (que pode ser a própria natureza é claro).

Num desafio novo, propus a um grupo teatral de Curitiba a participar com um texto inédito num edital da Fundação Cultural. Assim foi que nasceu "Da Palavra Não Dita à Palavra Mal Dita", um pouco, também, mas sem ser essa a motivação, da minha briga com o Damaceno, o que me jogou para fora da Oficina de Dramaturgia do SESI Paraná, senão com o apoio do Alvim, mas, pelo menos, com sua omissão.

Envolvido com alguns projetos, deixei a escrita teatral de lado, mas, com a proximidade do final do ano peguei a lista de temas, minha pauta de textos teatrais, escrevi "A Arte do Monólogo", uma coleção de monólogos que eu havia escrito como exercícios e que foram dispostos numa peça seguindo o modelo teórico do texto "A Arte do Monólogo" do José Sanchis Sinisterra, o autor espanhol. 

Não deixei o ano de 2010 terminar barato, ele que para mim começou triste, com o cenário das mortes nos morros e montanhas brasileiros, mas, sobretudo, com minha expulsão inapelável do Núcleo de Dramaturgia. Com essa motivação e com a anotação, na referida pauta, de parte de uma frase do Ernesto Sábato, que escrevi o texto "Triste Inventário de Perdas". 

À medida que ia matando alguns temas da pauta de textos teatrais que pretendo escrever - e que já escrevi alguns deles - fui acrescentando outros, para futuros desafios. Emendei, no começo do ano o texto "Na Prisão Dialética do Desejo", resultado de uma pesquisa sobre a natureza e a alma feminina e o que um homem dela pode conjeturar. Nas leituras, caiu em minhas mãos o livro "Os Ratos" do Dyonelio Machado. Pesquisando sobre ratos, li umas entrevistas do Lourenço Mutarelli, o autor do texto que originou o filme "O Cheiro do Ralo". Ralo, ratos, ratos, esgoto, entrevistas... E surgiu, então, minha "Entrevista com o Devorador de Ratos", onde criei o personagem Lourenço Machado que é entrevistado por uma jovem e bonita jornalista e pesquisadora de nome Dionelia Mutarelli. As influências intertextuais se revelando e provocando novas leituras e novos textos. 

Os livros começavam, na minha pequena biblioteca, a conversar entre si, seguindo uma observação de Umberto Eco, em seu livro "Sobre Literatura", um livro de ensaios.

Desde 2009, quando participei de uma oficina de leitura, na Fundação Cultural de Curitiba, com o Márcio Abreu, mostrei a ele minha pauta de temas para futuros trabalhos de teatro. Ele sorriu quando percorreu a lista. Ele tinha um mesmo tema em mente com o trabalho dentro da filosofia do "processo colaborativo". Um trabalho que para ele estava andando. O meu tema, apenas estava sonhado.

Desde, então, e com muita atenção ao que estava escrito na minha pauta, fui abrindo várias frentes de trabalho, fui iniciando vários textos de teatro, mas sempre de olho em um que habitava meu imaginário. Neste período quis dar vazão aos escritos e com o apoio do Douglas Daronco e outros que se juntaram na caminhada, propus para a Casa Hoffmann o projeto de leituras dramáticas, música e dança no evento que ganhou o nome de "Saraus Tardes de Dionísio". Nas leituras conheci muitos atores e atrizes, conheci textos inéditos do Douglas Daronco, da Eliane Karas, da Nana Rodrigues (eles, os três, meus ex-colegas da Oficina de Dramaturgia do Alvim). Foram os primeiros textos a serem incluídos na programação dos Saraus, com a inclusão de um meu, o "Eu Avec Você". O projeto era para ter apenas quatro encontros, quatro saraus. Mas a Casa Hoffmann viu que poderia abrir mais quatro datas, até o final de 2010 e foi assim que convidei a Cynthia Becker, que estava morando em São Paulo na época, logo em seguida e Cláudia Brito, e, depois, por indicação da Eliane Karas, a Ana Johann. As duas primeiras - Cynthia e Cláudia - haviam participado comigo dos encontros com o Alvim. Ana, que trabalha com cinema, havia entrado na segunda turma da Oficina de Dramaturgia e produzia um primeiro texto para teatro e foi desafiada a concluí-lo para a apresentação na Casa Hoffmann. Outro texto lido nos saraus foi um do Enéas Lour.

No começo de 2011 dei início a um texto que caminhou com muita tranquilidade, de forma bem lenta, principalmente porque havia exigido de mim muitas leituras, muita pesquisa. Tudo aquilo que tive que esquecer para, então, com a força da mistura de tantas ideias e informações, transformar em um texto que iria, com certeza, se transformar no meu mais recente trabalho de teatro, mas cujo tema prefiro no momento não revelar.

No intervalo do texto "secreto", recebi três textos da autora, atriz e professora espanhola Gracia Morales (da Universidade de Granada) e em poucos dias traduzi a peça, através de original em espanhol, com o título de "Quince Peldaños", que saíram como "Quinze Degraus". Devo, em breve, iniciar a traduções dos outros dois textos que Gracia Morales me enviou.

Os quinze degraus... Sim, os "Quinze Degraus" de Gracia Morales antecederam meu décimo quinto degrau, o décimo quinto texto meu que escrevi para teatro. O décimo quinto compromisso que firmei comigo mesmo para revelar um pouco do que eu quero realizar no campo da dramaturgia. E esse texto, meu décimo quinto texto autoral, não vou infelizmente revelá-lo ou oferecê-lo para leitura neste momento. Vou guardá-lo um pouco mais antes de expô-lo às leituras e comentários de alguns interessados. O décimo quinto degrau que  eu consegui subir é, na verdade, o décimo oitavo degrau, mas os outros três são os degraus que tenho percorrido paralelamente, pois me levam ao estudo e à leitura de obras de língua espanhola. Meus quinze degraus são os que me levam para estudo e leitura que faço e que continuo a fazer, diariamente, da língua portuguesa. 

Como moro no décimo terceiro andar de um prédio, sei que posso me aventurar a percorrer alguns degraus a mais. Sei que posso. E minha lista de temas, minha pauta continua crescendo e textos já iniciados esperam apenas uma conclusão. O meu próximo passo, degrau acima.

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