quarta-feira, 25 de maio de 2011

A tradução de "O Leitor por Horas", de Sinisterra

Concluí a tradução de "O Leitor por Horas", do escritor espanhol José Sanchis Sinisterra. O texto, cuja tradução não sei por quem foi feita, talvez pela própria diretora, já foi montado e dirigido em 2006 por Christiane Jatahy (leia referência sobre a montagem aqui), no Rio de Janeiro com Ana Beatriz Noguei, Luciano Chirolli e Sebastião Vasconcelos. Jatahy ganhou o prêmio de melhor cenário com "O leitor por horas" (leia matéria aqui).

A relação entre um pai violento, rico e super protetor (Celso), um professor desempregado (Ismael,o que faz as leituras) e a filha cega (Lorena) para quem são lidos vários romances, é trabalhada por Sinisterra que inclui no seu texto algumas citações de grandes autores, como Laurence Durrell, Giuseppe Tomasi di Lampedusa, Joseph Conrad, Juan Rulfo, Arthur Schnitzler e o próprio Sinisterra que cita seu trabalho numa das leituras que o personagem Ismael faz para a arrogante Lorena.

Abaixo uma das cenas, na parte final da peça - são 17 cenas.

(...)


14


Celso – (lendo) “...já que os três somos outras tantas ilusões que ele engendrou; e suas ilusões formam parte de você, o mesmo que a carne, os ossos, as recordações... Estaremos reunidos no tormento, já não será necessário recordar-se do amor e a impureza, e pode ser que no tormento já não se lembre do porque que ali está. E se não recordamos tudo isto, o suplício não há de ser tão terrível.” (pausa) É um plágio. Um plágio descarado.

Ismael – Há coincidências, sim...

Celso – Um plágio vulgar... que, além do mais, ofende ao original.

Ismael – Eu não diria tanto.

Celso – E não é que eu goste especialmente de Faulkner, pelo contrário. Mais de um livro dele caiu em minhas mãos. Porém...

Ismael – Haveria que distinguir o plágio, como você o chama, de outras... de outras formas de influência... A pegada que todo grande autor... As marcas... inevitáveis, claro, dos mestres sobre... E não somente dos mestres. Às vezes, autores medíocres, obras de segunda ou terceira categoria... exercem uma... Pense, por exemplo, em Dujardin... Quem se lembra dele, hoje... à parte, os críticos, claro?... Sim: Édouard Dujardin, um autor dos mais medíocres. Ninguém o lê hoje... E este romance, Les lauriers sont coupé, o quê? Nada? Um romancezinho sim... Mas aí está... Inventou, por casualidade, o monólogo interior e... Sim, pelo menos foi Joyce quem o leu... Há outras formas de... Isto tem um nome... Quero dizer: estas marcas, esta... penetração de uns textos em outros, entende? Tem um nome: intertextualidade. É mesmo a vida da literatura... Em toda obra há... outras obras. Os textos circulam... há fluxos, entende?... Intertextualidade, sim... É mais que uma influência concreta... Ou menos... Penetrações... involuntárias, inconscientes, se quiser... Mas, plágios? Eu não diria tanto. (pausa) As grandes obras, os mestres, deixam como... como rastros a cada passo... É inevitável que... Nem tudo é inspiração, nem talento... É inevitável que as leituras deixem... um resíduo, um fermento. Às vezes são... texturas concretas... Quero dizer... paisagens, ritmos, configurações que... A originalidade não... Ou seja: absoluta. A originalidade absoluta é uma ilusão, ninguém a... Sempre há leituras, texturas concretas que vem de... É inconsciente, claro... A inspiração muitas vezes necessita... Todo escritor sabe o que isto... Estes momentos... Anos, às vezes anos inteiros em que... (pausa) Como o encontrou?

Celso – Um dos meus assessores, livreiro de velhos...

Ismael – Todo escritor conhece estes momentos, estes períodos de... Inclusive os grandes, não é? Inclusive os gênios. Períodos em que parece que já a inspiração... ou como queira chamá-la... Buscas, buscas dentro de si... ou fora... E somente há medo... A gente acredita que escrever é... Eu não entendo estes jovens romancistas... Bom, você diz que não os lê. Mas é incrível: produzem um romance por ano... E todos são magníficos, segundo a crítica... Um romance por ano, você imagina isto? Como podem...? Claro: o tempo os vai varrer, como se fossem... Mas as lê e... não estão mal escritas, não: há perspicácia, imaginação, desenvoltura... Nada mais, claro. Não passarão para a história. O tempo os varrerá... Mas são editas, vendem, sim, e se fala deles... Claro: arranhando um pouco e descobre-se que leram tudo, que aprenderam a lição, que estão em dia... Mas ninguém fala de plágio. É curioso, não é? (pausa) Não é o famoso medo da página em branco. Ou, então, tudo é uma página em branco... A sinistra brancura de Melville...

Celso – (depois de uma pausa) Falei de você... E me veio a lembrança do seu nome. Parece que o editor mandou recolher todos os livros, quando se levantou o assunto. (pausa) Há parágrafos inteiros quase copiados.

Ismael – Eu não diria...

Celso – E sabe por que me lembrei do seu nome? (ri) Porque seus outros dois romances, os primeiros, se ofereciam por quilos... É verdade isso?

Ismael – Tive problemas... com a distribuição.

Celso – Desculpe-me, vai pensar que brinco com você, mas...

Ismael – Não me compreende... Este medo o volta a um... É como um pânico que dura e dura... Os anos passam e... Sim: escreve, não para de escrever, mas percebe que aquilo não... não interessa a ninguém. Não interessa nem a você mesmo. Nasce como cinzas. E vai o envolvendo... não sei: permeável? Lê como um louco, buscando não sabe o que, e deixa que tudo aquilo o... o penetre... Essa escrita vigorosa, conquistada... Já que o seu não vale, já que você não é ninguém, deixa impregnar-se por...

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