quinta-feira, 7 de julho de 2011

O bicho gordo seria um político guloso?

No livro-trip barrocodélico "Catatau" como definiu Haroldo de Campos, Paulo Leminski escreveu uma coisa que fica interessante se colocada dentro do contexto de nossa política (tem outra forma de escrevê-la tão pequena?).
No livro de 1975, Leminski traz Descartes na mesma nau de Nassau para o Recife daquela época. Com o calor e uma fumacinha saída de um certo cachimbo tupinambá, o pensamento cartesiano do ilustre visitante resultou em umas filosofadas bem atuais e provocativas. Está lá na página referida daquele livro emblemático:
"Todo bicho quer viver gordo. O homem é um bicho que quer viver por perto. Daqui não dá para ver bem mas é alguém matando um outro. O qual já morreu, mas vamos ao jurisconsulto, um dia, fez o projeto do juiz perfeito chegando à conclusão que o juiz seria tanto mais perfeito quanto mais se assemelhasse ao réu, para conhecê-lo e puni-lo com justiça. Ora, ninguém mais semelhante ao réu que ele mesmo. Assim o juiz e o réu são a mesma pessoa, que se absolvem e fazem as pazes". (página 77)
Pois é,todo bicho (corrupto é um bicho, não é?) ver mesmo viver gordo. O homem é um bicho que quer viver por perto. De onde? Das gorduras do poder, não é mesmo? E para isso ele, o bicho engraxado pelo "pudê", não se intimida a matar outro bicho mais guloso, gorduroso, insaciável. E apela-se, então, a quem? Seria injusto julgar mesmo que todas as aparências condenassem de imediato certas práticas. Assim, o jurisconsulto que criou um juiz com a mesma feição do réu, para nele estando e ele sendo, julgasse sem desconhecimento de causa. Ou de efeito, quem sabe. Na comparação, então, do guloso corrupto, digo bicho gordo, sem ofensas a Netos, primos, irmãos ou compadres, aparentados em geral, estes não se contentam em ser outro bicho gordo, eles querem ser mesmo é a gordura, esse tipo de poupança vitalícia que tantos bichos buscam, encontram, se empanturram e depois se matam para que comemorem o que sobrou do abate. Tenham a santa paciência!

O blog do Reinaldo Azevedo, da Revista VEJA publicou este mesmo comentário que fiz lá. Pode ser lido aqui.

Um comentário:

  1. hehe. muito bom o texto, rogério.

    pelo visto, vc está DE FATO lendo esta pedra de roseta "barrocodélica", o catatau. ilações, ruminações, glosas, conotações, intertextualidades, piras... é assim que se faz. esta é a leitura que todo autor espera, quase como se nos alfabetizássemos no momento mesmo da leitura.
    um dia ainda saio em viagem de um ano a este livroceano que o catatau tz seja (não sei...) na única tentativa que fiz, fiquei enervado - mareado, enojado com a confusão do mar - e voltei pra casa.

    abraço,
    rodrigo madeira.

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