terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Palavras que não fazem mais sentido

Em "Falsos Cognatos", meu recente texto teatral, na terceira cena, que segue abaixo, um jogo com a palavra, com o sentido de traduzir. Se alguém consegue traduzir uma palavra, não consegue traduzir o sentimento que ela carrega. Sentimentos, muitas vezes, que foram levados para o futuro, e que, no presente não podem ser captados. Tudo é um jogo, de linguagem, sobretudo.


3 – Palavras que não fazem mais sentido

(a luz muda)

Juan - O autor, que também tenta traduzir-se a si mesmo, aos poucos vai se revelando, quando descobre similaridades entre o que alguém já havia escrito e o que ele já havia traduzido num tempo ainda não acontecido. Traduzir o futuro? Seria como inventá-lo. Inventar o passado, seria como trair o presente. E isso, bem isso é assunto para os próximos capítulos que estão por vir. E por outros que vieram, mas com certo atraso.

Pedro – Não gostei muito de como ficou esse trecho... Traduzir o futuro ou inventá-lo? Inventar o passado, traindo o presente?

Juan – Você não devia se preocupar demais com isso. Deixe as coisas irem assim, naturalmente. Prefiro que a tradução seja feita de forma romântica, voltada para a literalidade. A clássica, a tradução clássica, tenho que confessar, deixa-me com medo. Você consegue traduzir a obra. Já o artista, bem esse não se traduz apenas com palavras já que as palavras nem sempre são o que aparentam ser. O artista não é uma palavra solta. Obséquio não é obséquio sempre. Borges não é sempre Borges, pois nem sempre Ovídio foi Ovídio. Amado, não mais lembrado, deixou de ser Amado quando não traduziram o sentido romântico do que havia escrito? Havia nele um bobo romantismo político. Atenha-se à literalidade. O leitor, bem, o diretor da peça de teatro, qualquer um vai ler e interpretar do seu modo. Não se perca mais no que pode não ter mais sentido. Esse se constrói e você vai ver...

Letícia - Encontrei isso, meio que por acaso, mas não há autor. Vou pesquisar um pouco mais para ver se consigo descobrir de quem é. Vai aparecer logo mais...

Juan - O texto estava num velho caderno meu. De anotações. Um simples e velho caderno de anotações. Escrito a lápis, uma letra quase ilegível, escrita com pressa. Sim, talvez com pressa. Mas a letra talvez fosse ilegível pois estava escrita não com pressa, mas em código. Algo que nem o próprio autor, um dia, ia conseguir decifrar. Vivo escrevendo assim. Coisas indecifráveis escritas somente de forma clara aqui neste computador de tela novinha... Refiro-me à forma clara como aparecem as letras. Não os sentidos, está bem?

Débora – Ainda assim eu teimo em dizer que as notas de rodapé, assim como as rubricas, devem ser lidas com mais atenção. Nas rubricas, atenção maior, pois ali, quase sempre, há intenções que podem incendiar a palavra que vem logo abaixo. Eu insisto com você. Pode prestar um pouco mais de atenção ao que diz a rubrica? Pode, por favor, prestar mais...

Letícia – Você implica e não explica...

Juan – Não tenho que dar explicações a tudo o que tenho pensado. O que você quer? Desvendar-me além das poucas palavras que tenho conseguido escrever?

Pedro – Foi a partir desse trecho que precisei encontrar outros sentidos para o real significado da palavra desvendar... Do verbo desvendar. Sim, este verbo no infinitivo. O sentido em inglês pode ser bem diferente do sentido em francês, mas o sentido em italiano seria determinante para que eu o adotasse e deixasse de lado o que foi mesmo escrito em espanhol?

Juan – Gosto da palavra deslindar... É, sim, é o verbo deslindar. Aclarar, detalhar os limites de um assunto para não dar lugar a confusões. Também serve para assinalar os limites de um terreno. Viu como fica fácil substituir palavras que, em traduções literais ficariam pobres?

Pedro – Mas desvendar não é deslindar! Criar confusões é a arte do drama. Criar situações dramáticas, em síntese é dar lugar a confusões.

Juan – Quem sabe, mas aqui... por favor! Retire a venda e enxergue outros limites dos passos daquelas duas mulheres. Por onde elas caminharam? Foram até onde? Deixaram-se influenciar pelo que aparecia em notas de rodapé? Ou estavam mais preocupadas em seguirem à risca o indicado nas didascálias? Ir para a margem, atingir os limites de um terreno ou não limitar-se e não correr o risco de meterem-se em confusão? O que me diz?

Pedro – Tenho pensando muito se o que você escreveu tem algo a ver comigo. Mas você é você. Elas são elas. Eu apenas percorro, linha a linha, o que você escreveu, muitas vezes, com uma certa displicência. Muitas vezes, o que parecia ser displicente era de uma arrogância insana!


(...)

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