sábado, 14 de janeiro de 2012

Plataforma para a recuperação do pensamento crítico

São Miguel Archanjo, na Catedral de Buenos Aires.
Um símbolo contra os malfeitores, contra a corrupção.

Monumento a San Martin, heroi argentino,
na Praça de Maio, em Buenos Aires.





Não, não é mesmo uma iniciativa nossa. Não nasceu de uma necessidade nossa. Não tem a ver com uma postura crítica diante dos desmandos do nosso governo. Não trata de ficarmos mais atentos e mais seletivos com nossos políticos, nossos corruptos da vez. Nossos, no sentido, de brasileiro. Bem que poderia, mas não é, já que apenas nos reunimos diante da TV que passa o Big Brother. Ou acorremos para assistir o carnaval do marketing baiano. Mas, na maior parte do tempo, nos omitimos, não emitimos nenhum comentário, fechamos olhos, ouvidos e bocas, como os famosos três macaquinhos. E diante de nossa conivência covarde, damos espaços para que, dia após dia, denúncias sejam apresentadas sem que saibamos o que acontecerá depois dessas denúncias serem investigadas (se forem, claro), os responsáveis serem indiciados e a Justiça – tão contestada por aqui, ultimamente – decidir com firmeza e mandar os malfeitores para a cadeia ou recuperar, com eles, o que desviaram dos cofres públicos.

Nós brasileiros – todos nós, mesmo – temos que também retomar um pensamento crítico que perdemos ao longo dos últimos anos. Temos que questionar muitas coisas, sempre criticamente, mas também não ficarmos apenas no discurso vazio da denúncia que, no entanto, nos imobiliza enquanto sociedade organizada. Estamos perdendo o senso crítico, porque perdemos a capacidade de fazer de nossa indignação um ato de fé e de coragem. Um ato de revolta.

O que abaixo é proposto na forma de um manifesto veio do sul do Rio da Prata. Nasceu por iniciativa de corajosos intelectuais – que fazem parte do povo – da Argentina. E vai assinada por importantes personalidades argentinas. Os intelectuais que assinam o manifesto, se posicionam contrários a outro assinado também por intelectuais que apóiam de modo irrestrito a política empreendida na Argentina pela presidente Cristina Kirchner.

Segue, na tradução que fiz, o manifesto do grupo que ganhou o nome de PLATAFORMA 2012:

Plataforma para a recuperação do pensamento crítico


Escapar ao efeito impositivo de um discurso hegemônico não é uma tarefa fácil. Mas é necessário e possível gerar uma voz coletiva que enuncie este problema e o transforme em ato de demanda. Se algo nos define como intelectuais é pensar sobre o mundo e a sociedade na qual vivemos, por em discussão os problemas que nos afligem, promover o debate de ideias, tentar ler além da letra manifesta e visualizar o oculto, tratar de sair da mera aparência dos efeitos para aprofundar nas causas que os determinam. Em síntese, sustentar nossa capacidade e consciência crítica e manifestá-la, romper o silêncio, como passo imprescindível até uma ação coletiva e transformadora.
Não encontramos este ânimo em alguns trabalhadores do campo da cultura, a quem temos respeitado e queremos seguir respeitando, mas que ao colocarem-se como portavozes do governo estão produzindo uma metamorfose em relação com sua história e sua postura crítica.

Nos encontramos diante de verdadeiros escândalos de diferente natureza e qualidade, que tem como denominador comum a impunidade em relação com as responsabilidade de quem nos governam. E de modo paralelo, assistimos a construção de um relato oficial, que por via da negação, ocultamento ou manipulação dos fatos, pretende revestir de façanha épica o atual estado de coisas.

Javier Chocobar, Diego Bonefoi, Nicolás Carrasco, Sergio Cárdenas, Mariano Ferreyra, Roberto López, Mario López, Mártires López, Bernardo Salgueiro, Rosemary Chura Puña, Emilio Canavari, Ariel Farfán, Felix Reyes, Juan Velázquez, Alejandro Farfán, Cristian Ferreira. Vemos crescer a lista dos assassinados. Mortes que em sua repetição não deixam de assombrar-nos. Mortes que vão cobrindo toda nossa geografia. Mortes que, longe de serem inocentes, marcam um encarniçamento repressivo que não pode ser negado nem atribuído a decisões anteriores para tirar a responsabilidade do governo central. Agora descobrimos que desde 1994 somos um país federal, e que portanto as mortes dependem das polícias das províncias (estados), ou dos caciques locais. Curiosa apelação ao federalismo, quando é o governo nacional o que exerce o centralismo unitário e decide de fato os pressupostos provinciais (estaduais), o que decide candidaturas, impõe ministros e se abraça com os governadores quase ao mesmo tempo de ocorridos os fatos.

Muitas das últimas mortes estão vinculadas à questão da falta de terras, e por trás de cada nome há uma história de vida que se remonta à histórica luta dos povos primitivos contra a espoliação a que foram submetidos. O processo de concentração da propriedade da terra e a soja-dependência dos últimos oito anos são uma correlação com o presente daquela espoliação, que o discurso oficial oculta. O “relato” hegemônico pretende impor-se sobre a materialidade e o valor simbólico destas mortes. Efetivamente, em torno destes e muitos outros acontecimentos, se elabora um discurso oficial que constrói consensos, porque aparenta dar conta de uma série de necessidades sociais e reivindicações nacionais enquanto se confirma a persistência do mesmo que aparenta questionar. Este relato disciplinador e enganoso utiliza a potência dos recursos de comunicação de que dispõe de modo crescente o governo para exercer controle social mediante a indução de mecanismos de alienação sobre as formas coletivas da subjetividade.

Querem aparecer como atores de uma façanha contra as “corporações”, enquanto grandes corporações como a Barrick Gold, Cerro Vanguardia, General Motors, os produtores de grãos, os bancos ou as empresas petroleiras e o próprio grupo Clarín, hoje apontado como “a grande corporação inimiga” tem recebido enormes privilégios deste governo. Querem também aparecer como protagonistas de uma histórica transformação social, enquanto a rachadura da desigualdade se aprofunda. E quando a realidade se impõe sobre o “relato”, os portavozes oficiais e oficiosos do governo sustentam que se trata do “que falta”. Segundo os intelectuais reunidos em CARTA ABERTA (grupo de artistas e escritores que apóiam e defendem a política da presidente Cristina Kirchner), o “que falta” seria mais aquém de “assinaturas pendentes” que estariam dispostos a admitir uma questão de “imaginação política”. E o que é evidência e sintoma do que não só não se transforma senão que se aprofunda seria como no fenômeno das placas tectônicas – algo assim como sobras traumáticas do passado no interior de um processo transformador, que reaparecem uma ou outra vez. O conteúdo da produção ideológica oficial se inscreve numa metodologia. A discussão de ideias é substituída pela desqualificação do interlocutor e toda dissidência é estigmatizada. O debate torna-se trivial, bravata “intelectual”, sacralização de seus referentes com independência das ações que produzem, são só algumas das modalidade nas que se expressa a vontade de impor um discurso único. A partir dos veículos públicos se utiliza a difamação de toda voz crítica por meio de recortes de frases, repetições, enganos e denúncias como procedimento intimidatório e se invalida essas mesmas vozes quando se expressam em outros veículos, se produz um isolamento que por uma ou outra via somente promove o silêncio.  Hoje a homogeneidade discursiva começa a ficar atravessada por algumas filtrações que a corroem: o relato épico iniciou um processo de certo desmascaramento. A associação entre direito de greve e extorsão ou chantagem, ou a justificação da sanção da lei antiterror, seriam expressões paradigmáticas deste fenômeno. Apesar da força disciplinadora do discurso hegemônico, é nossa responsabilidade como intelectuais e trabalhadores da cultura romper o silencio que pretende amordaçar o pensamento crítico e promover um debate transformador dos grandes problemas impostos no presente. É necessário. E é possível.

Entre as assinaturas que se destacam no manifesto conhecido por “Plataforma 2012”, estão as de escritores, cineastas, artistas plásticos e atores como Javier Chocobar, Diego Bonefoi, Nicolás Carrasco, Sergio Cárdenas, Mariano Ferreyra, Roberto López, Mario López, Mártires López, Bernardo Salgueiro, Rosemary Chura Puña, Emilio Canavari, Ariel Farfán, Felix Reyes, Juan Velázquez, Alejandro Farfán, Cristian Ferreira, Pablo Albarello, Mirta Antonelli, Bibiana Apolonia de Brutto, Norma Barros, Héctor Bidonde, José Emilio Burucúa, Jorge Brega, Manuel Callau, Ana Candiotti, Andrés Carrasco, Nora Correas, Diana Dowek, Lucila Edelman, Sandra Franzen, Roberto Gargarella, Adriana Genta, Norma Giarracca, Liliana Helman, Eduardo Iglesias Brickles, Diana Kordon, Darío Lagos, Alba Lancillotto, Adriana Lestido, Matilde Marin, Lucrecia Martel, Gabriela Massuh, Francisco Menéndez, Luis Felipe Noe, José Miguel Onaindia, Jorge Pellegrini, Derly Prada, Mabel Ruggiero, Carlos Ruíz, Alfredo Saavedra, Guillermo Saccomano, Luis Sáez, Horacio Safons, Beatriz Sarlo, Alberto Sava, Herman Schiller, Aurora Juana Schreiber, Maristella Svampa, Nicolás Tauber Sanz, Miguel Teubal, Osvaldo Tcherkaski, Yaco Tieffenberg, Enrique Viale, Dennis Weisbrot, Patricia Zangaro, Daniel Zelaya.


 Será que vamos nos organizar para também criarmos uma PLATAFORMA 2012 para o Brasil, já que, neste ano, teremos as eleições municipais?




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