quinta-feira, 29 de março de 2012

A visão de mundo de Millôr Fernandes em "É..."

"É...", peça de Millôr Fernandes.

Segundo o autor: "Baseado num fato verídico que apenas ainda não aconteceu".


Aimar Labaki, na apresentação do texto de Millôr Fernandes, diz: "Um dos maiores autores da língua portuguesa, ele é também dramaturgo de primeira. Apesar de não ser ainda reconhecido como tal. Isso se explica pelo exíguo espaço para a reflexão, quer na imprensa, quer na academia. (Não confundir resenha com crítica, nem carreira universitária com atividade intelectual. As exceções só fazem sublinha a regra.) Para Labaki, "É..." foi o maior sucesso de público das peças de Millôr, e é "o texto que talvez melhor traduza sua visão de mundo".

Para quem ainda não leu um texto teatral do grande Millôr Fernandes, vai aqui, um pequeno trecho da Cena 1 - Prendas do Lar - da comédia "É..." de 1977, com Fernanda Montenegro e Fernando Torres. 

A personagem é VERA TOLEDO (vivida por Fernanda Montenegro) descrita assim pelo autor: Casada com Mário (vivido por Fernando Torres). Quarenta e cinco anos. Elegante. Refinada. Parece mais jovem. Ainda bonita. Formada num antigo curso de secretariado. Cultura atualizada sobretudo através dos contatos universitários do marido. Prendas do lar. Com pequena economia própria, venda da família.

(...)

VERA - (sem interrupção) Você sabe que de vez em quando eu tenho a sensação de que sou um escravo a quem tentam impor uma liberdade? Estão querendo que eu assine uma carta de alforria que não pedi, não procurei, nem sei pra que serve. Estou bem na minha senzala, ela é ampla, limpa. Meu patrão não me espanca, de vez em quando fica inexplicavelmente de mau humor, passa dois ou três dias sem falar comigo, é tudo. Em troca eu não penso na minha subsistência, ele pensa por mim, paga minhas contas, mata o javali. Que é que estão querendo? Me dar liberdade pra morrer de fome? Trocar uma escravidão apenas nominal por uma escravidão real? Concessão todos fazem, todos fizeram, todos farão, sempre. Um dia eu vi uma fotografia de Onassis, rico e poderoso, ajoelhado humildemente aos pés de Paul Getty, mais rico e mais poderoso. Era de brincadeira, eu sei, mas ele estava ajoelhado. Quando eu tenho que me ajoelhar faço como se fosse brincadeira. Não dói nada.

(...)

(extraído do livro OS GRANDES DRAMATURGOS - Millôr Fernandes - Editora Peixoto Neto - São Paulo - 2008)

4 comentários:

  1. um gênio! vai fazer muita falta...

    suas máximas eram sempre precisas: vibrei quando, por ex., no comecinho do primeiro mandato de lula, millôr disparou: "a burrice lhe subiu à cabeça!"

    faltam pessoas como ele, o nelson rodrigues e até o chico anysio. só pessoas assim pra nos purgar do politicamente correto e de nossas inesgotáveis hipocrisias.

    é a vida. "Um dia, mais dia menos dia, acaba o dia-a-dia." (m.f.)

    adeus, millôr!

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  2. A frase dele teria sido "A ignorância subiu-lhe à cabeça", acredito. Mas o Millôr e outros velhinhos que já nos estão deixando sempre vão fazer muita falta.

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  3. Lula é ignorante, não burro! Pois onde já se viu um burro ficar montado na grana e dominar um país com aquela conversa de "cerca Lourenço"?

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  4. vc tem razão. a frase é esta mesmo: "a ignorância..."
    lulas são inteligentíssimas, dizem os zoólogos, tão inteligentes quanto os cachorros.

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