Trecho da peça "Cinco Cafés e Algumas Gotas de Afeto", de Rogério Viana. Texto produzido durante a oficina com Roberto Alvim, do Núcleo de Dramaturgia do SESI Paraná - turma da tarde.
(Ato 2 - cena 2)
(...)
Débora – Então, não é simples mudar...
Rubens – Mudar é o que você queria, você me disse que estava cansada de jogar...
Débora – Jogar por jogar não tem graça nenhuma...
Rubens – Nenhuma graça é não tentar, é ficar na mesma...
Débora – Na mesma conversa sempre, repetição, nada de novo, nada original...
Rubens – Original... bem, eu não sabia ser original... você não me permitia ser original, queria-me seguindo os seus scripts, seus roteiros, suas brincadeiras, seus jogos... Queria-me como personagem nos seus jogos...
Débora – Jogos, aqueles jogos não me agradam mais. Foram agradáveis um pouco só, depois, deixaram de ser... Você sabe...
Rubens – Sabe? Sei?
Débora – Sei...Sabe...
Rubens – Sabe... não consigo mais jogar apenas para ser agradável a alguém...l
Débora – Alguém apareceu em sua vida, então?
Rubens – Então, apareceu... era previsível que aparecesse, não é?
Débora – É... não é?
Rubens – É, mas não é tão fácil assim... Nós nos iludimos com as aparências...
Débora – Aparências sempre enganam, é o que iria dizer? Confirma?
Rubens – Confirma agora a velha estória, aquele mesmo jogo, um jogo de um só adversário, eu mesmo... o adversário real, nunca aparece no cenário. Ele é apenas um provocador, parece desejar mudanças, mas exige tudo ao seu jeito... Aquele mesmo jogo, um jogo de um só adversário... Seria você?
Débora – Seria você o outro adversário, aquele que não vem para entrar em cena e promover o embate, bater e dar a cara para bater, mostrar-se real, vivo?
Rubens – Vivo agora em outra dimensão do sonho original. Não me apetece mais o mesmo e velho sabor...
Débora – Sabor por sabor, o novo não me parece o ideal. Idealizei tanto, tantas fantasias, tantas máscaras, os mesmo disfarces acabaram virando trapos...
Rubens – Trapos devem ser jogados fora. Trapos são as trapaças que no fundo dos armários são o prato predileto das traças... Elas comem e consomem com nossas fantasias, não as simbólicas, mas as reais, aquelas que cobrem nossas inseguranças...
Débora – Inseguranças? O que é inseguro quando não se tem coragem de ousar?
Rubens – Ousar e não usar a ousadia é uma completa covardia...
Débora – Covardia é fugir. Covardia é dizer uma coisa, fazer outra. Fazer outra e não dizer nada, não informar, não comunicar...
Rubens – Comunicar implica no risco do ruído. Aquilo que interrompe, que atrapalha, que dá um sincopado mas não dá ritmo.
Débora – Ritmo é coisa de baterista de jazz. Aqui, nesta mesa, aqui mesmo, escrevi o epitáfio de um antigo e grande amor. Aqui jaz um amor que se foi sem nunca ter sido.
Rubens – Sido, sido... seus verbos são no passado... Nada teria acontecido se não fosse por mim... Se não fosse pelo amor que sempre devotei a você...
Débora – A mim, você diz, agora, que sempre devotou amor a mim? Ou foi seu amor ao jogo, à submissão. Para entrar na dança comigo você teve que aprender a ser conduzido... Eu conduzia, você ia tropeçando, tentando acertar o passo, mas seu ritmo não era igual ao meu. Se eu ia de rock, você queria valsa. Então, dancei...
Rubens – Dancei, sim dancei, conduzido pela sua presunção de perfeita bailarina, a dona do salão... Mas teria que sempre dançar ao sabor dos seus desejos?
Débora – Meus desejos eram promover uma harmonia, numa dança onde alguém pudesse quebrar o ritmo, estabelecer nova coreografia, desafiar-me num pas-de-deux onde não dá para entrar um terceiro parceiro.
Rubens – Parceiro na dança, na sua dança... pois na minha o terceiro que sempre aparecia era um dançarino que tinha que chegar e mostrar a experiência que nunca teve. Você exigia, de mim, o parceiro eventual dos seus jogos, um compromisso com a fantasia, nunca com a realidade.
Débora – Realidade, você vem e fala em realidade, como se ela nos movesse... Realidade é o aqui e o agora, nada de ser o que poderá vir e o que passou, é samba dançado, é valsa que ficou nos salões de Viena, o tango que Piazzolla tocou pela última vez... Aquele Marlon Brando já não usa mais manteiga para penetrar pelo caminho justo e que você sempre julgou inapropriado...
Rubens – Inapropriado? O que é próprio? O que é inapropriado? O que vale? O que lhe serve?
O que você quer mesmo?
(...)
O texto completo está neste link (tem outras peças, outros autores também):
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