quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Monólogo de Daysi - texto de Rogério Viana

Um dos monólogos da personagem Daysi, do texto teatral Daysi de Rogério Viana

(Ato 1 - cena 2)

(...)

As fotos, eu Deysi assumida. Assumidamente Daysi. Assumindo-me como mulher. Esquecendo-me que até pouco tempo eu ainda era um Adilson indeciso, inseguro. Uma lagartinha que nunca foi espinhuda e que estava prestes a se desabrochar, a deixar sua casca de Adilson para ser apenas e tão somente a Daysi. Ah, as tais fotos que foram feitas em momentos de tanta alegria, de tanto prazer, de uma cumplicidade que, tenho certeza, eu não poderia viver com nenhuma outra pessoa e nem como outra pessoa. Eu só poderia vivenciar sendo a Daysi. Só como ela. E só com ela é que eu pude, definitivamente, apagar o pouco que o Adilson ainda podia vibrar dentro de mim. Aos poucos, o fogo brando da incerteza e da dúvida que o Adilson me obrigava a sentir eu fui fazendo sumir, apagar. Tudo com muito esforço e dedicação e custando muita maquiagem, muito brilho, muita roupa bonita, muitos hormônios... Ah, os hormônios... Ah, depois, a descoberta do silicone... Como tive que bombar! Ah, estes seios... como foram difíceis para consegui-los bonitos, perfeitos... Muita bomba, muita bomba! Como foram difíceis tê-los tão maravilhosos e desafiando a tudo e a todos. Ah... e o brilho dos meus cabelos, sedosos, sempre sedosos... Cabelos negros, como cabelos de uma indiazinha paraguaia, uma indiazinha guarani... Ah... ele me chamava de indiazinha guarani, uma exótica indiazinha guarani que fazia tantos homens enlouquecerem.
Ah... ele me deixava tão confiante em minha eterna juventude. Eu, uma eterna indiazinha guarani, uma exótica indiazinha guarani. Sabe, até aprendi algumas palavras em guarani... até aprendi a cantar lindas guarânias... (canta um pedaço de Índia) Hoje, já não me lembro mais de nada... O que havia daquela indiazinha, parece que, quando eu acordei, ficaram lá no passado. Não estão a me acompanhar agora, aqui, diante deste espelho que rompeu com uma realidade que, até a madrugada, antes de dormir bêbada, eu ainda acreditava. Aquela indiazinha... parece que sumiu dentro deste espelho. Deixou-me só com as doces lembranças... e, agora, o café que tentei beber e o cigarro que nem consegue ficar mais aceso, tem apenas gosto de coisas sem sentido, de desgosto, sem nenhum sabor de verdade. Mas a verdade, começa a se fazer presente. É essa verdade, no entanto, que me faz olhar no espelho e não aceitá-la.

(...)

O texto completo está no link:


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