"Na mesa de sinuca, há anos, a bola não mais rolava tranquila e precisa para Bola Sete. Segurando seu copo de cerveja, depois de ter chorado ao lembrar-se de Stefan, ele deu mais um gole. A cerimônia da posse tinha terminado lá em Washington. Em Curitiba era hora de pagar a conta. Uma branquinha e duas loiras geladas. Agora a bola da vez era Obama." (...)
Meu filho, Rafael Viana, nasceu no dia 20 de janeiro de 1976. Naquele dia, no Brasil, comemorava-se no Rio de Janeiro, o dia do padroeiro da cidade, o "Dia de São Sebastião". Nos Estados Unidos, era o dia de se comemorar ou se lamentar a posse de seu presidente. Era o último ano do governo de Gerald Ford. Eu trabalhava em 1976, na cidade de Londrina, era repórter no jornal "Panorama", um grande empreendimento empresarial do ex-governador paranaense Paulo Pimentel, se não fosse, na verdade, uma aventura histórica pelos resultados desastrosos que produziu para o bem sucedido empresário e para sua carreira política. Em 1975, dentre outros fatos lamentáveis para a vida brasileira, registrou-se, nos porões da Ditadura, o assassinato do jornalista Vladmir Herzog (25 de outubro de 1975). Lembro-me muito bem de ter lido, em um despacho do telex da Agência Estado - um tipo de "post" da época que vinha por um aparelho, um trambolhão, chamado Telex-, a notícia sobre o "suicídio por enforcamento" do Herzog. Pouco tempo depois, talvez minutos, veio outro despacho da AE, assinado pelo responsável pela censura aos jornais O Estado de São Paulo, Jornal da Tarde e Agência Estado, determinando que a referida notícia sobre Herzog não poderia ser publicada.
No ano passado, 33 anos depois daquele dia, lá em Washington, numa manhã gelada, tomava posse o presidente Barack Obama. Aqui em Curitiba também fazia frio e o tempo estava com a cara fechada, só não chovia como chove hoje e choveu ontem. 20 de janeiro, dia de São Sebastião, dia em que se comemorava o primeiro aniversário da posse do senhor Obama e os 34 anos do Rafael, meu filho.
Assim, associando o aniversário de meu filho mais novo, hoje engenheiro agrônomo e pai do meu neto Ernesto, e também a figura de um homem negro que sempre via andando por bares da alameda Saldanha Marinho, região central curitibana, onde morei por quase dois anos, escrevi um conto tendo como personagem um jogador de sinuca, o negro Bola Sete e suas aventuras.
BOLA SETE
Antes de pedir a geladinha de sempre ele quis uma branquinha para esquentar. A chuva fina vinha e ia e o sol nada de aparecer. A manhã de verão estava mesmo com cara de outono. Antes de beber, Bola Sete ofertava a seus deuses parte da sua dose. Diante da televisão ligada, ele despejou no chão sua oferenda. Uma singela homenagem ao homem negro que, lá nos Estados Unidos, tomava posse como presidente da mais poderosa nação do mundo.
Também esguio e alto como Barack Obama, Bola Sete se sentiu orgulhoso ao ver o jovem senador norte-americano receber tantas honras na manhã gelada em Washington. Os olhos de outros desocupados fitavam a cerimônia com curiosidade. Bola Sete sorriu quando sua cachaça foi ao chão do bar de uma Curitiba que amanhecera fria e com o céu encoberto.
A TV mostrava milhares e milhares de pessoas esperando para presenciar a posse do novo presidente. A jornalista vestida com roupas pesadas dizia que perto de dois milhões de pessoas estavam ali. Bola Sete, aos 72 anos, recordou-se de um momento importante para a história brasileira. De passagem pelo Rio de Janeiro, em 1954, ele nunca imaginara estar cercado num mar de gente quando a população carioca foi às ruas pela morte de Getúlio Vargas. Dias depois chegou a São Paulo. Depois, seguiu em frente para Curitiba. No pequeno bar, ele assistia a outro momento histórico. Ficara ouvindo os comentaristas contarem sobre a trajetória de Obama. Que ele nascera em 1961. Em 1961? A data chama a atenção de Bola Sete. Então ele tem 47 ou 48 anos? Nossa! A idade que teria meu filho. Com certeza meu filho teria ficado um homem tão alto quanto aquele negro que logo vai virar o presidente dos Estados Unidos. O sorriso de Bola Sete desaparece por um instante. Lágrimas se instalam em seus olhos. Ele as limpa com o lenço que retira do bolso. Lembranças assolam Bola Sete e seus 72 anos, 54 anos em Curitiba.
(...)
Quem desejar ler todo o conto, acesse-o pelo link:
http://groups.google.com.br/group/estudos-de-dramaturgia-parana/files?hl=pt-BR
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