sábado, 23 de janeiro de 2010

Blog do Drama

"What's New Pussycat?" no lotado metrô de Tókio.

(Imagens da internet)

De vez em quando alguém diz em tom sentencioso: “Não faça drama, cara!”. O significado é fácil de se entender: “Não exagere!”. Algumas vezes para não ficarmos naquele mutismo constrangedor de estarmos no elevador com alguém desconhecido, saca-se a expressão: “Curitiba hoje está mesmo com cara de Curitiba. Não bastasse o céu acinzentado, vem mais chuva”. A pessoa nos responde, quase invariavelmente com algo próximo disto: “Eu esqueci o guarda-chuva lá no restaurante”. Se exageramos ou não – em Curitiba tem mesmo chovido muito neste começo de ano – estabelecemos algo dramático naquela conversa entre o oitavo e o andar térreo.

O que vai acontecer com os dois personagens que estão saindo do elevador? O que aconteceu com aquelas pessoas, numa cena comum de nosso cotidiano? Seria exagerado questionar que, questões assim sempre trarão motivos ou inspirações para o cronista, o contista, o novelista, o jornalista, o poeta e o dramaturgo escreverem? Mas será que nós – quem gosta de escrever, precisa escrever ou vive de escrever – sabe mesmo utilizar de acontecimentos tão banais para transformar aquilo em alguma forma de arte?

Na reportagem da TV, agorinha mesmo apresentada, o desaparecimento de filhos de três mulheres no Distrito Federal é anunciado como o “drama de três mães que não sabem onde seus filhos estão”. Volta-se a empregar a palavra “drama” e o tom dramático, para nós, está mais presente onde? No que aconteceu mesmo ou no que, no elevador, poderia ter acontecido?

O exagero nos faz dramáticos. O cotidiano é dramático. As tragédias urbanas são temas dramáticos. Nosso olhar, atento, também pode ser dramático. E tudo que é dramático nasce, antes de mais nada, da palavra. Sem ela não há drama, não há denúncia, não há notícia, não há lamento, nem poesia, nem prosa, nem exagero.

Esta semana eu traduzi um texto do dramaturgo venezuelano Néstor Caballero, na forma de um diário, cujo título é “De onde vem a dramaturgia?”. O autor revela, ao final do diário, que não sabe de onde ela vem. Mas mostrou como ela veio quando teve que fazer uma cirurgia no seu olho direito. No diário (dia 2), Caballero, escreveu: “A dramaturgia deixa palavras faladas no ar, para que todos as escutem, as vejam, as apalpem, as respirem, as saboreiem e, por que não, as cuspam se for preciso”. Em seguida, no dia 3: “O cerne da dramaturgia é a alma. Se a literatura dramática não tem sua raiz na alma, a palavra, na dramaturgia, murcha. Escrever teatro é atravessar aros de fogo. A alma se purifica, é verdade,porém o corpo, esgotado, fica em dívida, consumido”.

Quem escreve dramaturgia, antes de revelar o dom do “exagero, da justaposição irônica, da inversão e da projeção, todos os instrumentos que o dramaturgo utiliza para criar e o psicanalista usa para interpretar fenômenos emocionalmente significativos”, segundo David Mamet, revela um pouco de nossa alma. Aquela alma que quer ser mostrada, sentida, entendida, se for possível.

O que é importante para mim, sob meu olhar, quem sabe, possa ser importante para outras pessoas. E é através do que escrevo, do que em mim veio como provocação, ou inspiração e que nasceu dos momentos, minutos demorados, algumas horas, vários dias, intermináveis meses, anos a fio, que eu faço “drama”, e que esse meu exagero possa ser e ter sentido também em outras pessoas. Além disso, não escrevo apenas para revelar um drama, mostrar um exagero, mas deixar bem claro a necessidade que temos de sermos percebidos, notados, vistos, lidos ou ouvidos.

Minha mulher Vera, com quem estou casado há 6 anos, em 1989 visitou Tókio, onde morava seu irmão. Foi com o ex-marido e dois filhos – um de 3 e o outro de 6 anos. Nas andanças pela metrópole japonesa era inevitável andar de metrô, sempre lotado, muito lotado, insuportavelmente lotado. Numa das aventuras pelo metrô japonês, num final de expediente, quando os vagões estão ainda mais cheios, numa estação, entrou tanta gente, mas tanta gente, tanto japonês, que o então pequeno Lipe, de 6 anos, foi sentindo-se, digamos assim, espremido entre as pernas de seus pais e o de japoneses, japoneses... E, em tom dramático, ele gritou com sua voz rouca: “Vocês não veem que estão me empurrando?”. A voz do menino loirinho se foi ouvida, não foi entendida pelos japoneses. E o que o Lipe queria dizer e o disse, dramaticamente, é que ele estava ali e era preciso que o vissem, que o ouvissem e que parassem de espremê-lo naquele vagão do metrô japonês.

Quem escreve dramaturgia faz igual ao Lipe, o menino de 1989, no metrô de Tókio. Quer ser visto, quer ser ouvido e quer que parem de aprisionar sua voz, aquela voz que deve ser ouvida além da folha de papel, do monitor do computador, e ganhe corpo e se personifique em alguém, num personagem que caminha, respira e responde, não com “drama”, mas com arte.

Rogério Viana

(Hoje - sábado - amanheceu nublado, agora faz sol. Finalmente! Mas, acho que logo vai ficar nublado de novo e chover até o final da tarde)

A frase que utilizei na legenda da foto - "What´s New Pussycat?" - é o título de um filme de 1965, estrelado por Peter Selles e com roteiro escrito por Woody Allen. A música tema do filme é composição de Burt Bacarach e foi interpretada por Tom Jones. Veja e ouça aqui:

http://www.youtube.com/watch?v=FXrT8tz5nCc

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