Essa cama sintetiza nossas almas desejosas de viver.
Vai continuar sonhando? Vai continuar com sua vida medíocre?
Venha, junte-se a nós...! Vamos gozar a felicidade! Vamos...!!!
É um ensaio. Mas é um espetáculo. São jogos sobre o medo. São histórias de desencontros, de medos, de indecisões. São dois textos que são encenados. São três personagens – um homem, duas mulheres - que trocam seus papéis. Um é homem, depois é mulher, a mulher é outra mulher, depois é a consciência, é quem dirige e orienta a atuação dos outros personagens, que são atores. A consciência sempre pode aparecer em horas inadequadas. Quando chega na hora certa, faz tudo desandar, sair do ritmo, deixar o espaço confuso e o tempo incerto. Depois o homem, que foi mulher, é a consciência do personagem que foi, que será. Aos poucos, deixando aflorar medos e angústias, invejas, loucuras, ciúmes, inseguranças, certezas e o incerto pensar sobre o hoje, o presente e o que virá, os personagens ganham vida e se revelam os próprios atores e o embate diário que eles têm na luta pela sobrevivência e pela busca do papel perfeito, eles que acabam não mais sabendo quem realmente são e, quando se descobrem, através das falas, expõe toda a fragilidade de seres humanos que fazem do instrumento da representação uma vivência de mentiras e inseguranças.
Três personagens – Um homem e duas mulheres.
O texto foi escrito em 2003, em Salvador (BA) e reescrito em Curitiba em 2009. Em 2004 teve leitura dramática na Casa do Médico em Piracicaba (SP).
(...)
Mulher 1 (angustiada, temerosa) - Meu maior medo é voltar a engravidar. Já fiz um aborto e me arrependo amargamente.
Mulher 2 (estimulando) - Vamos, conte-nos sobre seu aborto... Vamos, continue...
Homem (discordando) - Não! Não fale sobre coisas que vão machucá-la. O que passou, está enterrado lá no passado. Não dá para voltar atrás, mesmo...
Mulher 1 (indignada, confessando) - Meu medo... é... Tenho medo de engravidar, sempre tive, mas, agora não posso mais ficar grávida. O filho da puta daquele médico me deixou estéril. Depois veio com aquela conversa, aquele lenga-lenga, que a cirurgia tinha se complicado. Complicado, uma merda! Ele me esterilizou mesmo! Foi intencional! E eu podia reclamar para alguém?
Homem (confessando, com medo) - Eu não queria sentir que meu nascimento não foi desejado. Queria sentir que meus pais se amaram de verdade no momento em que estavam me gerando. Quando me faziam... Queria sentir que houve amor... Mas sinto algo estranho. Parece até que fui fruto de um estupro!!!
Mulher 2 (Provocando) - Como foi que ficou grávida? Conte para nós.
Mulher 1 (Confessando, temerosa) - Todos sabem... Todos sabem... Deu até no jornal... Fui uma das vítimas daquele maníaco, estuprador, que atacou várias mulheres perto do Jardim Botânico...
Homem (assustado, como uma criança) - O pai batia na mãe todos os dias. Não com murros, tapas, safanões... Ele jogava toda sua fúria, as agressões, nas palavras. Dizia muitas coisas desagradáveis quando olhava para ela em silêncio. Ofendia quando virava o rosto, sem nada dizer. Agredia muito só com seu olhar! Tenho medo deles se separarem e me deixarem aqui, sozinho, sem ter para onde ir... em quem me apegar, pedir proteção...
Mulher 1 (indignada e temerosa) - Fui estuprada sim... E tive que me calar. Tive que engolir aquela humilhação. Aquela violência me fez ficar calada. Não poderia revelar meu segredo para ninguém. Já pensou se meu namorado descobrisse que eu tinha sido estuprada? E se meu pai e meus irmãos soubessem tudo o que me aconteceu?
Mulher 2 (provocante) - Gabriel... E você? Foi abandonado por seus pais? Como foi que conseguiu estudar, se formar numa boa universidade, ser alguém?
Homem (justificado, com vergonha) - Mas eu, hoje, não sou porra nenhuma! Sou um derrotado... Vivo aqui e ali, de favores. Não tenho casa, não tenho nada. O que tenho é muita cara de pau para conviver com gente melhor do que eu...
(...)
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