Como foi que o senhor entrou aqui?
- O senhor acredita mesmo nisso tudo?
- Se não acreditasse, não estaria aqui, não é?
- Mas o senhor veio por onde? Como entrou aqui?
- A porta estava aberta. Ninguém impediu. Fui entrando. Estou aqui.
- E a senhora, veio com ele?
- Quem? Eu?
- Sim, a senhora. A senhora que está de blusa verde...
- Responda, mulher...
- Você mandou eu não dizer nada...
- Mas, senhora, então estão juntos...
- Quem?
- O senhor... e a mulher de blusa verde.
- Eu, eu não... cheguei aqui sozinho.
- Mas você não disse para ela responder?
- Disse, claro que disse. Mas eu disse para ela responder. Foi só isso.
- Se disse é porque a conhece...
- Eu não conheço esse senhor, não. Nunca o vi nem mais gordo, nem mais magro.
- Mas, senhor, senhor... Estão juntos ou não?
- Quem?
- A mulher de blusa verde e o senhor...
- Eu vim por minha vontade. Não sou de seguir quem não conheço...
- Senhor, por favor, vamos esclarecer as coisas de uma vez por todas, está bem?
- Para mim, já está definido. Estou aqui porque a porta estava aberta.
- Para mim, também. Vim até a porta, pela calçada. E entrei.
- Assim, sem mais nem menos?
- É preciso convite para vir até aqui?
- Bem, não é preciso convite. É preciso autorização... e me parece...
- Não me interessa o que lhe parece...
- Como assim?
- Assim, como você disse...
- Mas eu disse que é preciso autorização...
- Espere... acredita mesmo que eu me daria ao trabalho de pedir autorização?
- O senhor é muito folgado, me parece...
- Folgado, folgado como? Isso não é coisa que uma mocinha bem educada diz para uma pessoa mais velha...
- O senhor não me parece um homem mais velho... Parece que é mais novo que meu pai...
- Como assim, como seu pai?
- Meu pai tem 50 anos e o senhor não aparenta mais que 40... me parece...
- Veja, só... agora a mocinha está querendo se apegar na questão da idade, das aparências...
- Eu não estou falando com a senhora, por favor. Um de cada vez, está bem?
- Está bem, como? Não está nada bem...
- Deixe a mocinha falar. Afinal, ela é quem está do outro lado do guichê...
- Que guichê? O senhor está confundindo tudo...
- Quem?
- O senhor...
- Senhor é Deus... ou seu pai...
- Eu sou apenas um consumidor.
- Eu também.
- O quê?
- Sim, sou um consumidor.
- Eu também.
- Mas... Chega! Como o senhor entrou aqui?
- Ué, já disse... pela porta.
- Isso, o senhor já disse. Eu quero saber como o senhor entrou aqui. Como, no sentido de com que autoridade veio até aqui, com autorização de quem?
- Menina. Quer parar de tanta pergunta.
- Sim, concordo com ele...
- Acho melhor você falar quando for sua vez...
- De novo? Já não basta lá em casa...
- O quê? Na sua casa também, não lhe deixam falar?
- Sim... Não, não me deixam...
- Por favor, por favor...
- Está bem, um de cada vez... Primeiro eu que cheguei primeiro.
- Vamos, estou perdendo muito tempo...
- O quê? Eu sou um consumidor e tenho meus direitos.
- Está bem, vou respeitar seus direitos.
- Vamos... vamos logo resolver a questão...
- O senhor pode dizer a que veio?
- Eu não sei a que vim, mas sei como vim... Foi caminhando...
- Posso falar?
- De novo?
- Sim, pode... diga...
- É aqui que estão precisando de uma faxineira?
- Como?
- Faxineira...
- Mas a senhora...
- Eu o quê?
- Aqui é um teatro, senhora.
- Ah, é mesmo? Que bom... e vocês não fazem faxina aqui de vez em quando?
- Faxina, como?
- Limpeza, varrer, tirar o pó, passar cera, lustrar, lavar... desinfetar...
- Nós temos uma equipe própria... Não contratamos diaristas...
- E você agora só vai falar com ela? Estou na frente, se esqueceu?
- Ah, sim... eu estava atendendo o senhor. E daí?
- Daí o quê?
- O que o senhor quer, afinal de contas?
- A mocinha disse que aqui é um teatro... é mesmo?
- É sim, o senhor não percebe que estamos em pleno ensaio...
- Ensaio, como?
- O senhor não percebe que veio atrapalhar toda nossa concentração...
- Concentração? Ué, aqui é teatro ou time de futebol?
- Nossa! É mesmo... estamos num palco, nem percebi... Mas, fale a verdade, não precisam mesmo de uma faxineira?
- Senhor! Senhor! Quer dizer a que veio?
- Eu me confundi todo... pensei que aqui fosse a fila do INSS... e fui entrando, fui entrando... esperando a minha vez...
- Mas não tem fila nenhuma lá fora. E ...
- O quê, como não?
- Viu só como chegou mais gente agora?
- Quem, que gente?
- Bem, a mocinha não enxerga nada mesmo, não é?
Nenhum comentário:
Postar um comentário