Os meninos que não correm mais atrás da bola
Hoje, faltando 30 dias para a abertura da Copa do Mundo da África, o técnico Dunga vai anunciar a lista com os 23 jogadores da Seleção Brasileira. Eu ia escrever a "nossa seleção", mas a Seleção deixou de ser nossa, pois não tem mais jogadores brasileiros. Tem, sim, jogadores expatriados que nem sabem cantar "nosso" hino e que vivem como reis ou príncipes em vários países espalhados pelo lado rico do mundo.
Hoje eu faço uma reflexão - vou tentar fazer. Ao refletir sobre a bola, o mundo do futebol, jogadores, tenho que incluir no que escrevo a questão da política e da grana, sim, do dinheiro.
Todo menino, um dia, sonhou em vestir a camisa de um grande time de futebol. Mesmo os mais improváveis um dia sonharam em ser jogador de futebol. Sonharam em, pelo menos, entrar em campo com a camisa do seu time do coração. A suprema glória de vestir, um dia, a camisa da ex-nossa Seleção era motivo de orgulho, de alegria de toda a família e de júbilo de toda a nação. O talento sempre era reconhecido, mesmo pelos torcedores de outros times, o craque da hora, se fosse para a Seleção Canarinho, era reverenciado pelas torcidas de todos os times. E se trouxesse o "caneco", então... Uma loucura.
Há quarenta anos, poucos eram os jogadores brasileiros que iam para o exterior. Muito poucos. Parecia que aqui a reserva de talentos não era exportável. Era para consumo próprio. E os talentos surgiam aos borbotões. Cada craque melhor que o outro. Mas, depois da decepção de 50 e das glórias de 58 e 62, o povo brasileiro - e os craques - somente foram valorizados pela maravilhosa seleção de 70. Aquela de Pelé, Jairzinho, Tostão, Rivelino, Félix, Clodoaldo, Carlos Alberto (o Capita), e tantos outros que vou omitir mas com dor no coração. Em meados dos anos 70, Pelé vai para os Estados Unidos. E o futebol, lá, explode com os investimentos e com a importação de craques como Beckenbauer, por exemplo.
Hoje, times que querem ser campeões, em qualquer lugar do mundo, tem que ter, pelo menos, um brasileiro. E esses brasileiros que surgiram após Pelé, Garrincha, Zico, Sócrates, Júnior, Falcão, Romário... integram, até, seleções de outros países e, sempre são, os jogadores que dão, no toque da bola, um charme especial a elas.
Vai jogador para o exterior e, pouco depois, ele fica milionário. Passa a falar com sotaque, aprende línguas - do holandês, ao ucraniano, do japonês, ao inglês, francês, uzbequis... (o que mesmo?).
Fazendo sucesso na Europa, principalmente, sendo reconhecido, ganhando os troféus internacionais de melhores jogadores, a fama e a fortuna ficam tão evidentes quanto ficam evidentes o desinteresse e a falta de gana de defender a "nossa" Seleção Brasileira. Vestir uma vez mais a camisa amarelinha não vai agregar mais nenhum valor às milionárias carreiras dos meninos que aqui despontaram e que se tornaram estrelas galácticas, midiáticas, celebridades desse esporte que encanta e engana.
Os jogadores mais experientes e que, com certeza, hoje, formarão a base da Seleção que será convocada por Dunga, a eles não interessa se a Copa vai ser na África de Mandela ou num gramado climatizado de um moderno estádio europeu. Tanto faz. Eles, milionários, não se importam com um pouco mais de dinheiro que a participação no maior torneio esportivo do mundo possam lhes trazer. Já ganharam o suficiente para, mais tarde, torrarem com loiras, divórcios, carrões e famílias ávidas por um pouco mais de conforto e de ilusão que somente o mundo da bola oferece.
A ilusão que o mundo da bola oferecia, a bem da verdade. Oferecia.
Nos últimos anos os meninos que queriam ser jogadores e não conseguiram, correram para outros campos. Alguns, até com relativa capacidade para dribles e chutões, viraram cantores, integram duplas sertanejas. Cantando e levando muita alegria, não com gols, mas com canções e emoção, outros meninos também viraram milionários. E, muitos deles, fazem fortuna aqui mesmo, vendendo muito pouco no Exterior. Dinheiro conquistado aqui, com talento e uma certa dose de persistência e de sorte. Que digam Zezé di Camargo, Xitãozinho, Chororó, Daniel, Leonardo...
Se o menino não for jogador, nem cantor, se não consegue estudar, ou arrumar um emprego, talvez ter uma pequena empresa, o que ele poderá fazer em nosso país de flagrantes desigualdades?
Se quer ganhar muita grana mesmo e não correr o risco de ser preso ou levar um tiro no meio da cara, morrendo antes de completar 20 anos, ele pode se infiltrar num partido político. Pode até ser um partido pequeno, desses nanicos que vendem caro seus tempos de rádio e televisão para partidos maiores e melhores estruturados. Pode, com um pouco de esforço e uma relativa habilidade - não precisa falar bem, ou escrever bem - ser candidato a vereador. Se der sorte, pode, aos poucos, fazer um jogo duro como vereador e vender caro a aprovação de projetos importantes para a cidade onde mora. Não vai deixar barato... Se o prefeito quer que tal lei seja aprovada, uma graninha por fora, ou por mês, ou o emprego de uns parentes na máquina pública... E o dinheiro vem fácil. Sem muito esforço.
Depois de ser vereador, o ex-menino que desistiu de correr atrás da bola ou de ser cantor, pode se candidatar a ser deputado estadual. Uns, até, vão logo para a Câmara Federal. E o jogo com o poder Executivo - estadual ou federal - fica mais acirrado. E muito mais lucrativo, claro!
Ao contrário dos meninos que viraram craques, que ganharam milhões, que vestiram a camisa da "nossa" seleção e que não tem tanto interesse mais em irem ou não para outra Copa do Mundo, os meninos que não correram nos campos com camisas de times, mas que vestiram cores partidárias e defenderam discursos insustentáveis em termos de ética e de moral, esses querem, a cada dia mais, vestirem camisas e roupas caras, de grifes famosas. Não querem mais seus velhos "fuscas". Se não tiverem um carro possante de uma marca japonesa ou alemã, pode ser uma marca coreana, até, embora as marcas italianas sejam as mais desejadas - aquela do cavalinho é imbatível - eles não se contentam. Seguem em frente, fazem de tudo, do que a gente imagina e do que a gente sequer tem a mais remota noção. E, gulosamente, querem mais, muito mais, bem mais, sempre mais, mais, mais... um desejo de acumulação sem precedentes.
Os meninos não querem mais dinheiro por estarem na Seleção Brasileira de Futebol. Dinheiro eles tem e o suficiente. Hoje, os meninos, aqueles pouco habilidosos ou de talento para o esporte ou a arte que não deram certo, querem ser políticos. E, como os meninos do futebol e da música, são muito apoiados por suas famílias. E é através de suas famílias - do mesmo ramo familiar ou de agregados - que os meninos de menos talento ficam milionários. Viram donos de negócios, de emissoras de rádio, de jornais, de mandatos intermináveis em Câmaras de Vereadores, Assembléias Legislativas, na Câmara Federal, no Senado... depois, uns melhores aquinhoados por estudos, viram Ministros de Tribunais, os de Contas são os mais interessantes... e não querem nem mais saber se algum torcedor mais fanático vai chamá-lo de "perneta" ou de "ladrão". Não lhes importam. Já fizeram os pés de meia e, milagrosamente, todos se transformam em centopéias... e haja grana - dos outros, a minha, a sua - para eles colocarem nas meias que se multiplicam a milhares, a milhões...
O jogo hoje não é defender a pátria, o país, as cores do Brasil correndo atrás da bola e de velhos sonhos. O jogo hoje é roubar a pátria, o país, vestir as cores da corrupção, do seu partido correndo atrás da "bola", sim, a "bola", aquele suborno que enriquece e que faz velhos sonhos virarem fortuna e poder.
Torça para que meninos de talento joguem apenas futebol. Ou cantem.
Aos políticos, pau neles!
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