quarta-feira, 30 de junho de 2010

Das coisas da vida: de sorte e de azar

Por ter feito uma opção de vida e de escolha de caminho - a partir do meu quinto decênio de existência (já se passaram 11 carnavais desde então) - tenho me esforçado para entender um pouco o que é o universo do teatro e a dramaturgia tem me atraído mais. Ganhei o direito de escolher um caminho pela minha trajetória profissional e pessoal, principalmente pelas minhas escolhas e meus erros. Minha sorte - e bota sorte nisso - é que nunca me acomodei com ganho nenhum, grandes - raríssimos, pequenos, esporádicos. Nem me deixei abater pelas perdas, sempre intensas, porém enriquecedoras, com suas sinalizações sutis do tal caminho que eu havia escolhido.

Desde 2004 quando cheguei a Curitiba, por contingências de uma oportunidade de trabalho que se configurou, a bem da verdade, por um grande sonho se não fosse simplesmente um enorme engano, tenho procurado me informar sobre a arte da dramaturgia. Já em 2005, durante o Festival de Teatro, pude participar de uma oficina de dramaturgia, importante foi para mim algumas descobertas lá. Nos anos seguintes - se passaram 5 edições desde então - o Festival de Teatro, que até mudou de nome para se transformar em Festival de Curitiba, deixou de oferecer as tais oficinas para quem habita o tempo da dramaturgia que se faz neste primeiro decênio da novo século.

Há, na cidade, na capital paranaense, uma grande e importante faculdade estatal (FAP)que oferece cursos para a formação de atores e de diretores. Recentemente uma faculdade particular, a PUC-PR, abriu novos cursos e incluiu um para formar atores e outro para diretores de teatro. Vários grupos na cidade, uns que conseguem se manter com menos dificuldades, oferecem cursos de teatro, mas somente na mesma linha de formação de atores. É uma opção integrar as escolas desses grupos de teatro. Mas para quem deseja se tornar um ator de formação acadêmica, de nível universitário, tem que frequentar os cursos com currículos mais precisos e carga horária mais ampla, nas faculdades - PUC ou FAP - para depois, ao cabo de quatro anos poder ganhar o tão sonhado registro no DRT.

Teatro não se faz apenas com atores e atrizes formados em faculdades ou em cursos de grupos e escolas de teatro. Para se fazer teatro há a necessária participação de outros profissionais - o produtor (a profissão é diretor de produção), o cenógrafo, o aderecista, o coreógrafo, o iluminador, o figurinista... e outras funções e atividades bem específicas se juntam numa imensa lista de profissionais que podem obter registro no DRT no campo das atividades profissionais ligadas ao teatro. Mas o que falta na lista e no que vem a ser o próprio teatro?

Claro, na tal lista acima referida falta a função, ou a profissão, ou o empenho de pessoas que se dedicam a uma atividade que não é técnica só por ser uma função que pode - e deve ser - artística por excelência. A atividade, a função do autor de textos para teatro, o dramaturgo, o escritor dramático.

Tentei, nos seis anos que vivi em Curitiba, encontrar onde eu poderia me informar e me formar como alguém que pudesse aprender ou reconhecer em si algum pendor ou habilidade para escrever para teatro. Não obtive boas respostas. E como eu já havia, 11 anos antes, iniciado meus estudos solitários em cima da dramaturgia, continuei minha procura, sem deixar, no entanto, de continuar estudando e escrevendo. Como jornalista e fazendo assessoria de imprensa, pude assim, me aproximar de algumas produções de teatro, divulgando aqui e em outros estados, peças de teatro. E continuei a escrever, pesquisar, estudar, dedicando-me integralmente a isso.

Para minha alegria, no começo do ano passado, uma amiga passou uma informação por e-mail de que o SESI Paraná estava recebendo inscrições para interessados em dramaturgia dentro de uma oficina de cunho permanente e que integrava, a partir de então, o chamado Núcleo de Dramaturgia SESI Paraná, inspirado em modelo criado há anos pelo SESI paulista e com o apoio do British Council. Bem, não foi fácil ter conseguido inscrever-me na tal oficina do SESI. Mas minhas justificativas acabaram me levando a ocupar uma das três vagas disponíveis no grupo da tarde da referida oficina comandada e orientada pelo Roberto Alvim.

Resumo da ópera. A oficina caiu feito uma luva para minha busca de quase seis anos. E agarrei a oportunidade com mais vontade. Durante nove meses dediquei cerca de 12 horas de trabalho, debruçando-me na leitura de textos dramatúrgicos, textos teóricos (esporádicos e esparsos na bibliografia sugerida pelo Alvim), mas fui pesquisar cada tema focalizado com consultas diárias na internet e em sebos e livrarias, onde comprei e tive acesso a vários livros que tratavam da dramaturgia como matéria principal. Mas ninguém pode estudar e conhecer um pouco sobre os meandros da dramaturgia se não fizer algo fundamental: escrever, escrever, escrever muito. E foi o que fiz.

Nas pesquisas que fiz deparei-me com vários textos de autores de língua espanhola. Cheguei a um site da Argentina. Lá, na Argentina, no site do CELCIT, eles tem um Maracanã de referências e muitos Pelés na teoria dramatúrgica, até porque não dividem muito a questão de quem é Pelé argentino, Maradona venezuelano, Ronaldo uruguaio, ou Kaká peruano. Todos são craques venerados independente de qual território oficial tenham nascido. O importante é que todos são craques da dramaturgia e da língua de um certo Cervantes. Sim, o pai daquele sonhador de nome Quixote.

Para aprender um pouco mais sobre dramaturgia - e até dramaturgia brasileira - vali-me da goleada que os argentinos nos dão na questão do estudo e da difusão da arte dramatúrgica. Claro, não fui pesquisar apenas na fonte do Mercosul, nem descobri maravilhas mais próximas dos Andes. O Brasil, claro, tem muita coisa boa em termos de estudos de teatro e da dramaturgia - matéria do meu interesse. Mas o que tem mais qualidade está diretamente ligado, vinculado mesmo ao "interior dos muros" das universidades brasileiras. E pouco aqui se publica, em termos de teoria, sobre dramaturgia em livros. Teses, dissertações, sim, há muitas. Mas o acesso a elas não é muito fácil. Sendo curioso e sabendo caminhar pelo que as ferramentas de pesquisa da Internet oferece, pode-se conseguir textos bem interessantes.

Um dramaturgo, pelo que pude descobrir, não se faz apenas pela pesquisa ou pelo estudo dessa arte. Um dramaturgo se faz, sobretudo, através do exercício diário de uma atividade que amedronta, mas que no final do dia pode dar muito prazer. Ou, várias vezes, pode intimidar, amedrontar, assustar, afastar. Também pode estimular, provocar. Como é meu caso.

Como tenho escrito diariamente ao longo dos meus quarenta e dois anos, escrever não era algo que poderia tornar-se um obstáculo para mim. As questões teóricas, de forma, claro. Poderiam ser barreiras para a escrita. Talvez, até, pudessem ser vistas com desdém, afinal, quem já exerce o papel de dramaturgo - aliás, por aqui, coisa bem restrita a um grupo muito pequeno de habilidosos autores - não ia aceitar bem a chegada de um jornalista curioso e observador na sua praia. E a velha música me veio à mente: "não fuja da raia... agora... eu vou invadir sua praia..."

Sem muita cerimônia, sem pedir licença, mas ganhando o direito de ser incluído no grupo da tarde da Oficina do Roberto Alvim do Núcleo de Dramaturgia do SESI Paraná no ano passado, invadi a praia, repleta de "colegas" com idades de poderem ser meus filhos, uns, claro, não poderiam ter sido, mesmo que eu pudesse ter sido mais precoce do que fui, já que minha filha mais velha fará, nos próximos dias, 42 anos. Invadi a praia e passei a exigir de mim um pouco mais do que, acredito, muitos daqueles jovens se exigiam. Passei a escrever, a pesquisar, a ler, a me interessar muito por cada tema levantado nos encontros quinzenais com o Alvim. E fui, aos poucos, transformando as novas informações, os textos lidos, como solo compactado, sedimentado, para eu construir minha esteira asfáltica, minha estrada rumo à ainda desconhecida dramaturgia que em mim estava e que só poderia ser acessada através da palavra escrita mesmo. Nunca pelas discussões estéreis ou masturbatórias. Para escrever, escreva. Para sonhar, sonhe. Se não colocar a mão na massa, não se faz pão, nem teatro.

Por questões que ainda para mim não estão claras, não pelo que aconteceu - isso está muito claro - mas pelas razões do Roberto Alvim, da Anna Zétola, do Damaceno e de seus acólitos, fui excluído do grupo "avançado" - avançado, por ter passado a primeira etapa, a etapa inicial da oficina que se diz permanente. E minha exclusão se deu, pelo que me foi dito ao telefone pelo Damaceno, por falta de vaga. E não fui excluído por falta de comprometimento, nem de trabalho, nem de dedicação, muito menos de efetiva produção dramatúrgica. Afinal, quem escreveu oito textos de teatro (dois escritos de fevereiro a abril de 2010) e traduziu duas peças de autora franco-argentina, não foi para a oficina com a função ou a idéia de se transformar em obstáculo para as discussões ou a evolução dos demais participantes.

Assim, não concordo e rechaço qualquer insinuação de meus desafetos - muitos ex-colegas na oficina que não se mostram corajosos para se identificarem em suas críticas contra mim - de que "fui uma mala difícil de ser carregada". Até porque, tenho que confessar o quão difícil foi conviver com a arrogância de muitos ex-colegas - e, muito particularmente, do coordenador do Núcleo, o jovem Marcos Damaceno - o que usufruiu muito da minha dedicação e esforço, do trabalho que lhe ofereci e que ele tão bem soube aproveitar e que, depois, contrariado nos seus interesses com minha negativa de não me submeter aos caprichos, simplesmente excluí-me da nova turma com a justificativa de que não havia vaga, esquecendo-se que, por e-mail (que tenho bem guardado) minha presença havia sido anunciado anteriormente.

Bem... para finalizar, peço a ajuda de Mário Quintana:

AZAR

Quando guri, eu tinha de me calar, à mesa: só as pessoas grandes falavam. Agora, depois de adulto, tenho de ficar calado para as crianças falarem.

(do livro CADERNO H, página 167, Editora Globo - São Paulo - 2006 - 2a. edição)

Por enquanto, eu me calo. Mas não deixarei de estar atento a tudo. E sem deixar de ler, de escrever e de fazer o trabalho que me propus. E que tem apresentado resultados, podem acreditar.

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