sábado, 5 de novembro de 2011

Semear é falar com as mãos, com ações, não com palavras


Meu pai, homem simples, morreu aos 49 anos num pequeno e despreparado hospital do interior paranaense nos idos de 1971. Foi um infarto, não uma doença que o tenha levado a ficar na cama, ou sofrido. Antes de ser levado ao hospital, momentos antes, depois de brincar com minha filha, havia pedido para que eu lesse para ele um dos belíssimos Sermões do padre Antonio Vieira. Ele estava com um avançado estágio de catarata nos dois olhos e já não conseguia mais ler. Peguei um dos livros da bela coleção de capa de couro (edição do Porto do início dos anos 1950) e que está ainda hoje na casa de minha mãe na cidade de Paranavaí. 

Abri aleatoriamente e li para ele esta lição que cabe bem hoje nesta questão da doença do Lula, da doença terrível do petismo e do que de efeitos colaterais provoca em seus seguidores.

O semeador
Padre Antonio Vieira

Será porventura o não fazer fruto hoje a palavra de Deus, pela circunstância da pessoa? Será porque antigamente os pregadores eram santos eram varões apostólicos e exemplares, e hoje os pregadores são eu e outros como eu?
Boa razão é esta. A definição do pregador é a vida e o exemplo. Por isso Cristo no Evangelho não o comparou ao semeador, senão ao que semeia. Reparai. Não diz Cristo: saiu a semear o semeador, senão, saiu a semear o que semeia: Ecce exiit, qui seminat, seminare.

Entre o semeador e o que semeia há muita diferença.

O semeador e o pregador é nome; o que semeia e o que prega é ação; e as ações são as que dão o ser ao pregador. Ter o nome de pregador, ou ser pregador de nome, não importa nada; as ações, a vida, o exemplo, as obras, são as que convertem o Mundo.

O melhor conceito que o pregador leva ao púlpito, qual cuidais que é? – o conceito que de sua vida têm os ouvintes.
Antigamente convertia-se o Mundo, hoje porque se não converte ninguém? Porque hoje pregam-se palavras e pensamentos, antigamente pregavam-se palavras e obras. Palavras sem obra são tiros sem bala; atroam, mas não ferem. A funda de David derrubou o gigante, mas não o derrubou com o estalo, senão com a pedra: Infixus est lápis in fronte ejus.

As vozes da harpa de David lançavam fora os demônios do corpo de Saul, mas não eram vozes pronunciadas com a boca, eram vozes formadas com a mão: David tollebat citharam, et percutiebat manu sua. Por isso Cristo comparou o pregador ao semeador. 

O pregar que é falar faz-se com a boca; o pregar que é semear, faz-se com a mão. 

Para falar ao vento, bastam palavras; para falar ao coração, são necessárias obras.

(o texto continua e volto a ele em outra ocasião)

Estou citando este fato real para reforçar a tese de que quem escreve (para teatro, cinema, contos, romances) deve utilizar de registros vividos ou observados ao longo de sua vida e fazer deles matéria prima para seu trabalho de escritor, roteirista. Mas há motivações e inspirações que vão além de questões e fatos graves. A leitura de uma simples nota no jornal, ou o ouvido atento a uma frase dita na mesa ao lado num restaurante ou café, tudo isso é combustível para uma escrita que saia forte e verdadeira.

Alguém já disse que "ninguém faz literatura com boas intenções". Concordo. Para escrever é preciso despir-se de boas intenções. E entrar num terreno onde a palavra surja com a força que tem, não com o que pretendemos tirar de certas palavras fáceis ou edulcoradas. 

Nestes tempos em que parte da população brasileira esquece as ações e fica apenas na palavra - de promessas, de enganos, de traição ou mesmo de conversa mole pra boi dormir - é bom esquecer mesmo as palavras vãs e concentrar-se no que, de fato, os homens que comandam a vida deste nosso país insano tem feito. Fazer não é falar. Fazer é agir. É esculpir com as mãos, com trabalho, com suor, o nosso futuro, de nossos filhos, netos, netos de nossos netos. De gente real, de carne e osso e não de mistificadores que vestem capas de santos e que desejam apenas nos iludir com truques verbais e algumas jogadas mesquinhas e corruptas.

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