sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Ensinem os filhos a falhar. Como posso aprender?

Quem sofre deve chorar. Quem sente dor, também. Quem perde um grande amor, chora. Quem não passa no vestibular, também. Quem cresce, sofre e chora. Também chora e sofre, quem não. Ser humano é conviver com perdas, ganhos, dores e alegrias. O que me faz sofrer me faz crescer, mas eu também cresço quando sou invadido por uma efêmera alegria. É a vida, é a vida e é bonita... já dizia Gonzaguinha, que nos aliviou a alma com seu libelo em favor dos “eternos aprendizes”.


Nas “páginas amarelas” da revista Veja (edição 2142 – 9/12/2009), o psicanalista belga Jean-Pierre Lebrun, um estudioso das relações familiares, diz que “aprender a lidar com o insucesso é fundamental para livrar-se de apuros na vida adulta”. Segundo ele, a ideia de que os pais sejam “senhores do destino dos filhos vem desabando progressivamente, no ritmo das transformações sociais”. Seriam ruins as consequências disso? Lebrun afirma que necessariamente não são. E indica um caminho: “O que vale é a capacidade dos pais de fazer os filhos crescer”.


Em nosso crescimento, nos amplos sentidos e entendimentos do que seja crescer, sempre podemos ter alguém a nós orientar, vigiar, alertar, indicar, corrigir. No modelo antigo, hierarquizado, e que foi tradicional ao longo dos séculos, sempre havia uma figura superior que se prestava a estabelecer algumas normas, a indicar caminhos, a premiar e a punir. A essa figura, nossos respeitos, obediência. Vindo de cima, aqui em baixo, nós tínhamos que acatar. Respondendo como filhos, como subordinados ou como fiéis seguidores. Lebrun vem e diz que essa legitimidade, nos últimos trinta anos, como organização social, “não está mais constituída como pirâmide, mas como rede”. Na visão da rede não aparece, mais, um lugar diferente, nem se destaca alguém com um papel de autoridade superior. Assim, a figura do pai, com autoridade, está deixando de existir.


Se não há como ensinar pela autoridade paterna, como evitar, então, que os filhos – nós mesmos e os nossos descendentes – possamos caminhar pela vida sem que venhamos a trilhar por caminhos errados, penosos e mais difíceis? Lebrun diz que é preciso ensinar os filhos a falhar. “Quando os pais, a família e a sociedade dizem o tempo todo que é preciso conseguir, conseguir, conseguir, massacram os filhos. É inescapável errar”, afirma o belga. A vida, em algum momento – ou em vários, eu diria – vai nos mostrar que erramos. Errando, fracassando, aprendemos pelo modo inevitável que faz parte da vida. O fracasso e o erro podem nos ensinar muito mais que sucesso e acertos. O ensinamento de Lebrun é que “aprender a lidar com o fracasso evita que ele se torne algo destrutivo”.


Eu peguei apenas essa questão da desvalorização da figura do pai, dos erros que a vida nos impõe e nos leva a fracassar, para chegar na questão da frustração. Quando algo não dá certo, quando minha expectativa era maior do que seria possível, é natural sentir aquele gosto amargo da derrota e chorar? Agora, pensando um pouco como pai e filho que sou, creio que é muito natural e louvável até, chorar pelo que não tenho alcançado. Mas, também, não posso fazer de inúmeras e seguidas derrotas, uma regra. Errei uma vez, errarei sempre. Falhei ontem, falharei hoje e amanhã, também. Não. Não é o que farei, nem recomendaria que alguém também fizesse um mantra dos seus “fracassos e falhas” e o repetisse à exaustão.


Hoje, nesta manhã, acordei com um certo gosto amargo na boca e um sentimento de frustração muito grande. Frustrado por ter sido preterido em algumas de minhas aspirações pessoais, profissionais, até. Mas é por esse motivo que vou desistir? Seria por essa razão que vou me considerar menor e menos capacitado para seguir em frente? Vou desistir de aprender ao que me propus, mesmo tardiamente? Minha resposta a todas as inquietantes perguntas é um grande e sonoro “não”. Querem que eu reforce? Então vai: “NÃO”.


Agora, não mais como filho, nem também como pai, apenas como ser humano, sem me preocupar em estar ou não dentro de alguma escala ou modelo de hierarquização profissional ou pessoal, reconheço que também aprendi a falhar. É difícil reconhecer isso? Confesso, é sim. Dói? Muito. Mas se é difícil e se dói, o que isso me ensina? Continuar lutando, não contra o sistema, nem contra os que foram talhados e abençoados por armas mais eficazes e munições mais fartas, mas lutar contra um inimigo que não me dá tréguas nem me deixa descansar em paz nos momentos de reflexão como agora. Sim, esse que me cobra caro pelos erros, que me joga na cara as minhas falhas, que ri do meu despreparo, que caçoa da minha ingenuidade, que brinca com meu esforço como se fosse algo a não considerar positivo, este feitor sou eu mesmo. Esse pai sou eu, esse filho também.


Qual seria, então, a receita para mostrar que o feitor de mil caras e mil disfarces não vai me derrotar? Não há uma receita, mas contra os disfarces e as caras que me amedrontam eu tenho algumas vantagens que são minhas e apenas eu posso utilizá-las: minha fé, minha capacidade de sonhar, minha visão de mundo e meus dedos ágeis que me fazer continuar digitando, digitando, digitando tudo isso. Até quando? Esperem. Se vocês tiverem tempo. Esperem.


Rogério Viana



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