segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

A morte de um poeta: Chico Sarno

Chico Sarno dirigiu a Ferroviária de Araraquara (SP), anos 60.
Em pé: o técnico Francisco Sarno, Geraldo Scalera, Dudu, Aparecido, Zé Maria, Rodrigues e Antoninho.
Agachados: Tião Nego, Cido, Ailton Lataria, Bazani e Tales. (foto do arquivo de Milton Neves)

Há quem não veja poesia no futebol. Futebol? Logo no futebol? Sim. Eu vejo poesia no futebol. Pela paixão que ele desperta. Mas não aquela paixão doentia, dos fanáticos (várias torcidas organizadas e com o objetivo principal de promoverem agressões, dor e tristeza, utilizam esta palavra). Mas a paixão pelo que de belo o futebol enseja.

Ontem, em São Paulo, morreu um poeta. Um poeta do futebol, um apaixonado ex-técnico de times de futebol, o Chico Sarno (Francisco José Sarno Matarazzo, fluminense de Niterói).

Chico Sarno via poesia na vida. No futebol, também. Fazia de fatos banais, motivação para deixar aflorar sua poesia. Chico Sarno, que conheci em 1980 em Piracicaba, interior de São Paulo, faleceu ontem em São Paulo aos 85 anos. Dentre alguns times que dirigiu, teve uma paixão especial pelo Timão, o Corínthians e, também, gostou muito de sua passagem pelo Coritiba, tendo declarado uma paixão especial pela cidade de Curitiba, seu frio e pela Igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, lá no Alto da Glória.

No dia 16 de julho de 1980 ganhei um livro de crônicas do Chico Sarno - COQUETEL DE VERDADES. Lembro de tê-lo lido de uma só sentada, assim que o peguei nas mãos. O livro ficou na minha estante por longos anos. Sempre me acompanhando por minhas andanças. Acessível, ao meu lado. Não esquecido pois estava sempre presente na minha pequena biblioteca. No ano passado, em fevereiro, tive ideia de escrever uma série de contos. E um dos contos eu queria contar sobre o sofrimento de um ex técnico de futebol, doente e esquecido. Longe dos gramados e da memória de torcedores, jogadores, dirigentes e jornalistas que militam no mundo do futebol. Por coincidência, ao pesquisar sobre ex técnicos de futebol, abri uma notícia sintética que dava conta que o ex técnico Chico Sarno estava doente em São Paulo. A partir dessa informação escrevi o conto "Manhas, Mutretas e o Escambau". O livro do Chico Sarno estava ainda na estante, mas, eu sentia que ele pedia para que eu voltasse a lê-lo.

Quando fui aceito - em abril passado - para participar da Oficina de Dramaturgia do Núcleo de Dramaturgia do SESI Paraná e quando começaram os exercício para se escrever dramaturgicamente, a ideia de fazer do personagem Francisco, um ex técnico de futebol que sofria do "Mal de Alzheimer", em um personagem teatral, não tive dúvidas. O material que eu já colocara no meu texto ia exigir que um Francisco real me desse algumas orientações sobre seu ofício profissional. Então, ao escrever e, principalmente, na parte final da peça, passei a citar de ouvido algumas coisas que vários técnicos de futebol haviam comentado comigo, durante entrevistas quando eu era repórter de futebol, algumas palavras de Chico Sarno - o escritor F. J. Sarno - ecoaram em mim. Daí, abri aquele "Coquetel de Verdades" e o final de minha peça apareceu claramente. No dia 6 de maio de 2009 encaminhei por e-mail o texto de minha peça, dedicada ao Chico Sarno, para sua filha Maria José Sarno, jornalista em São Paulo da Globo News.

No domingo 17 de janeiro de 2010, dia de grandes jogos de futebol, quando se realizava a primeira rodada de todos os grandes campeonatos estaduais de futebol do Brasil, os gritos das centenas de gol encobriram os últimos momentos do inesquecível Chico Sarno. Ele, acompanhado pelo carinho da família, nos deixava. A notícia só chegou a mim, hoje cedo. Confesso que fiquei muito triste com a morte do Chico Sarno. Não apenas por sentir que um poeta, um escritor de inegável talento, um frasista de grandes sacadas, mas um apaixonado estudioso das coisas e das "manhas, mutretas e o escambau" que o futebol provoca, estava nos deixando, num domingo de sol e de gols.

O futebol brasileiro deve olhar com mais atenção as coisas que foram "escritas" e ditas pelo Chico Sarno. Felizmente eu pude olhar para o que aquele homem disse e queria dizer com tanta poesia e delicadeza. Quem sabe, agora, infelizmente, alguém possa olhar para aquele Francisco, não o ex técnico de futebol, mas o personagem que, antes de nos deixar, não pode ganhar vida e corpo, voz e movimento, paixão e pensamentos num dos nossos palcos. Para renascer, eu sei, é preciso morrer. Morreu Francisco e, por mim, digo sem nenhum sentimento piegas, eu o fiz renascer para a poesia. Um abraço saudoso Chico Sarno. Ganhe vida eterna, Francisco!

Rogério Viana


Notícia sobre a morte de Chico Sarno no site do Milton Neves:

Um comentário:

  1. todos sendo poeta, não há jamais a verdadeira poesia.

    poesia, o verso, a letra, o texto.

    futebol: bom, futebol.

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