sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

O contemporâneo, olhar o tempo, as luzes e perceber o escuro


“Contemporâneo é aquele que mantém fixo 
o olhar no seu tempo, para nele perceber não as 
luzes, mas o escuro”. (Giorgio Agamben)

Na minha insana curiosidade, vez ou outra, pego um termo qualquer e vou pesquisar sobre ele. Sempre, é claro, surpreendo-me com o que encontro. Surpresas boas, outras nem tanto. Mas é assim que vou estabelecendo contatos com temas que me interessam. Algumas vezes busco saber mais sobre certos assuntos aqui mesmo no mundo virtual. Outras vezes, querendo entender melhor certos temas, não aprofundar, pois ninguém aprofunda-se em tema nenhum, pois nunca terá tempo o bastante, nem fôlego, nem espaço para ir o que nunca se apresenta aparente, compro e leio livros. Ou, antes, leio resenhas, apenas. Críticas. Depois, sim, se não fiquei satisfeito com a procura, tento, quase sempre, ir à fonte original.


E nada melhor do que encontrar um livro que lhe tenha despertado a atenção.


Recentemente busquei conhecer um pouco sobre "teoria teatral". Assim, deparei-me com Peter Szondi, de quem encontrei e comprei e li seu importante olhar sobre a "Teoria do drama burguês". Não dá, é claro, para comprar todos os livros que nos interessam, até porque livro é muito caro e se torna, em muitos casos, além de inacessível, objeto de luxo. Mas é por essas e outras razões que frequento, sempre, aquelas bancas de "livros esquecidos" que algumas livrarias da cidade nos apresentam e que, muitas vezes, trazem as tais surpresas agradáveis que estávamos procurando e que nos chegam assim e, acreditem, por meros R$ 9,90, muitas vezes.


Como tenho dialogado com a autora argentina Patricia Zangaro, com trocas de e-mails e duas vezes em conversas pelo Skype, interessou-me conhecer um pouco mais sobre Buenos Aires e, é claro, pelo tango. Aliás, traduzi, da Patricia, seu texto teatral "Tango, bem antes que ele fosse encenado na Argentina, o que aconteceu há poucos dias. Assim, nessas visitas que faço às livrarias encontrei por R$ 9,90 (cada), dois livros que têm Buenos Aires como pano de fundo e o tango como tema. Os livros são: O Cantor de Tango, de Tomás Eloy Martínez (jornalista recentemente falecido) e Céu de Tango, de Elsa Osorio (escritora argentina que mora na Espanha). Li em uma semana os dois livros e fiquei encantado com a história do tango, com a história argentina e com personagens emblemáticos (nos dois livros) que se misturam com a ficção dos dois autores que escreveram sobre o que acontece à margem direita do rio da Prata.


O que é contemporâneo?



Hoje assolou-me uma dúvida sobre o que é ser "contemporâneo", logo depois de haver visitado o blog do Lucas Mayor (leia mais aqui) e ter lido lá um trecho do livro de ensaios do autor italiano Giorgio Agamben.


O trecho que chamou minha atenção é o que se segue e que foi traduzido por Vinícius Nicastro Honesko e que está no livro "O que é contemporâneo - e outros ensaios", publicado pela Argos, editora da cidade catarinense de Chapecó.


(...)


Pertence verdadeiramente ao seu tempo, é verdadeiramente contemporâneo, aquele que não coincide perfeitamente com este, nem está adequado às suas pretensões e é, portanto, nesse sentido, inatual; mas, exatamente por isso, exatamente através desse deslocamento e desse anacronismo, ele é capaz, mais do que os outros, de perceber e apreender o seu tempo. (…) A contemporaneidade, portanto, é uma singular relação com o próprio tempo, que adere a este e, ao mesmo tempo, dele toma distâncias; mais precisamente, essa é a relação com o tempo que a este adere através de uma dissociação e um anacronismo. Aqueles que coincidem muito plenamente com a época, que em todos os aspectos a esta aderem perfeitamente, não são contemporâneos porque, exatamente por isso, não conseguem vê-la, não podem manter fixo o olhar sobre ela. (…) Assim, o mundo antigo no seu fim se volta, para se reencontrar, aos primórdios; a vanguarda, que se extraviou no tempo, segue o primitivo e o arcaico. É nesse sentido que se pode dizer que a via de acesso ao presente tem necessariamente a forma de uma arqueologia que não regride, no entanto, a um passado remoto, mas a tudo aquilo que no presente não podemos em nenhum caso viver e, restando não vivido, é incessantemente relançado para a origem, sem jamais poder alcançá-la. Já que o presente não é outra coisa senão a parte de não-vivido em todo vivido, e aquilo que impede o acesso ao presente é precisamente a massa daquilo que, por alguma razão (o seu caráter traumático, a sua extrema proximidade), neste não conseguimos viver. A atenção dirigida a esse não-vivido é a vida do contemporâneo. E ser contemporâneo significa, nesse sentido, voltar a um presente em que jamais estivemos. 


(...)


Então, levando um pouco ao pé da letra - pela visão de Agamben - o que poderia ser contemporâneo, é que refaço o caminho por que tenho trilhado ao longo dos meus 63 anos para tentar entender o que me levou a interessar-me pelo teatro, pela dramaturgia. 


O autor italiano, resumidamente diz o que coloquei logo na epígrafe deste post: Contemporâneo é aquele que mantém fixo o olhar no seu tempo, para nele perceber não as luzes, mas o escuro".


Mas que escuro é esse?


Poderia arriscar e dizer que alguma coisa sobre a qual nos debruçamos e que é real, iluminada, ali em nossa frente revela muito mais coisas que não estão aparentes e que são, como diz Agamben, o grande desafio de "nele perceber não as luzes, mas o escuro".


Não acredito, num quetionamento ligeiro que aqui faço agora, que para descobrir o que há no escuro, no não visível no nosso tempo, temos que fazer um teatro de escuridão, de penumbra, de sombras? Iluminar um pouco mais, quem sabe possa ajudar? Ou não?

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