"Você teme cruzar mesmo o Atlântico? Do leste para o oeste? Fazer uma viagem de volta. Tenho pensado que sempre a gente faz viagens de volta, retornando a alguma lugar que parecia não mais existir para nós."
Susana – Sua voz, vez ou outra, ganha um tom nostálgico, umas notas agudas de tristeza ficam abafadas, como se houvesse necessidade de se gritar, mas algo a impede. Não, Catharina, não é isso o que você está pensando sobre mim. Não pode ser que, ainda, você não domine mais seu repertório sobre as vozes que sempre consegui representar. Não se fala em tristeza, quando se pensa em esperança. Nem pode-se afirmar, categoricamente, que isso passa ou que não é possível acontecer. Tudo passa e, se passa, aconteceu antes. Ou não. Dá para afirmar ter tido certas experiências sem ter tido certos tipos de dor, de alegria, de medo, de dúvida ou... Ou, não venha com ou... venha com mais. Medo, dúvida... sim, mais desalento, indiferença, esquecimento. Mais nada que virá depois pode se desconectar do que veio antes. Assim, numa cadeia interminável, o que sinto agora tem mesmo uma intrincada ligação com o que estava lá, num cantinho qualquer da minha história. Ou da sua também. Da minha? Minha história ainda está em construção, Catharina. Ainda está. Você sabe. Há muitas páginas ainda para sempre completadas com datas, fatos, pessoas, sentimentos, desejos, desafios. Você teme cruzar mesmo o Atlântico? Do leste para o oeste? Fazer uma viagem de volta. Tenho pensado que sempre a gente faz viagens de volta, retornando a alguma lugar que parecia não mais existir para nós. Fisicamente não nos damos conta de que isso sempre acontece. Catharina, vou lhe contar. Um dia, não me lembro exatamente quando foi, eu passei por uma rua em La Defénse, por onde eu nunca tinha passado. Quando o carro virou na rua Carnot eu me vi transportada para um tempo muito antigo. Não tive forças para controlar aquele sentimento. Era algo que eu vivia, com tanta força, com tanta clareza que pensei estar sonhando. Foram segundos, tenho certeza, os olhos fecharam rapidamente. E todo um sentimento de amor, de alegria e de esperança, de prazer, quanto prazer, quanto prazer! Em seguida, um grito, uma dor insuportável começou a dominar-me. Depois, uma luz, uma paz. Novamente eu abri os olhos e vi um rosto sorrindo para mim. Ouvi um choro de bebê. Várias pessoas estavam ao meu lado. Alguém tossiu, outra pessoa começou a rir timidamente. Depois, uma mulher, de cabelos ruivos com uma linda toca bordada sobre a cabeça, começou a aplaudir, aplaudia... todos também deram risadas... e aplaudiram freneticamente. O choro do bebê diminuiu. Senti, mesmo fechando os olhos novamente, que um suave beijo foi me dado nos lábios. O carro fez a curva e entrou na avenida Gambetta. Acordei com uma alegria tão grande, senti uma paz tão forte. Madame, madame, desculpe-me, mas os policiais indicaram que devia retomar a Gambetta. Vai dar tempo, não se preocupe. Temos tempo suficiente. Olhei e vi que uma ambulância estava parada e uma mulher era retirada de um carro e colocada numa maca. Um policial segurava nos braços, um bebê. Um jovem, muito jovem, aflito, era contido por outro policial. Ele abraçou o policial e o beijou várias vezes no rosto. Foi incrível!
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