"Sim, eu passei por ele e me vendo tão ansioso, disse:
Guarde umas folhas desse papel para contar a sua história.
Eu olhei para ele, que sorria. E fiquei sem uma resposta."
Gabriel – Vida e morte. Nascimento e desaparecimento. Dia e noite. De um para o outro são poucos segundos, milionésimos de segundos. Se eu estivesse, agora, em Paris, talvez não fosse assaltado por pensamentos assim. Talvez, alguém lá em Paris, se estivesse aqui, caminhando por estas nossas ruas, não se sentiria tão abandonado. Mas eu é que me sinto abandonado aqui, andando em nossas ruas e não é em Paris onde me chegam ideias e sentimentos tão desalentadores. Tem importância o lugar onde a gente está? Ou o que importa é o tempo. O espaço ou as horas? O território ou aquele instante antes do tiro ou do grito de gol? Quando falo com você, meu caro Martin, eu me vejo ainda menino mas olhando o mundo e tudo maior a minha volta, com outros olhos, vendo tudo de uma perspectiva tão mais serena e tranquila. Nada de sentir-me assustado com o que poderia vir. O que eu via grande, eu vejo com sua real dimensão. O que eu via intransponível, eu vejo como uma etapa a mais que venci. O que eu via como inalcançável, bem... cheguei até aqui, não cheguei. Se aqui estou não foi apenas por uma questão de sorte. Ou de azar, pode ser. Quando você divaga assim eu me lembro que certo dia, correndo com algumas folhas de papel sulfite nas mãos, cruzei com o professor Emílio, sim aquele nosso professor que falava tantos idiomas e era de uma doçura impar. Sim, eu passei por ele e me vendo tão ansioso, disse: Guarde umas folhas desse papel para contar a sua história. Eu olhei para ele, que sorria. E fiquei sem uma resposta. Talvez eu tenha sorrido também. Mas lembro-me muito bem que entrei na secretaria da escola e alguém me disse. Não vai precisar das suas folhas. Temos papel suficiente para nosso jornalzinho. Pode guardar o que você trouxe. O que será que isso possa ter de importância em minha vida? Meses depois eu fui estudar no colégio novo e o professor Emílio não foi mais meu professor. Anos depois, muito depois, é que eu fui reencontrá-lo. Conversamos e tomamos uma cerveja numa festa. Eu e ele. Eu já tinha uma filha. Ele mantinha o mesmo sorriso e os mesmos olhos claros e bonitos. Eu olhava para o rosto daquele homem e me sentia igual a ele. Talvez uns 40 ou mais anos de diferença entre nós. Mas ali, na mesa daquele bar eu e ele éramos homens. Não havia na minha frente o professor, o poliglota, mas um homem que falava coisas do nosso dia a dia, da política, da situação econômica do país, daquela festa agropecuária, das escolhas. Sem lições, nem tarefas. Como pessoas normais. Até hoje eu, não sei, mas eu queria perguntar se ele tinha sido feliz como meu professor ou como o professor de todos nós. Eu pago, professor. Eu pago. Afinal, nunca tirei nota menor que 8 com o senhor. Ele deu uma gargalhada. E voltou a colocar a carteira no bolso. Não me lembro de tê-lo abraçado. Mas eu ainda sinto que alguma pergunta eu devia ter feito e que, certamente, alguma resposta ele me daria e que, também, me seria útil futuramente. O que poderia ter perguntado?
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