segunda-feira, 22 de março de 2010

A arte do monólogo em Richard Rebelo e Rosana Stavis

Richard Rebelo em "O Causo é o Seguinte..."

O Festival de Teatro de Curitiba que chega à sua última semana a partir de hoje, traz uma infinidade de modalidades de espetáculos que atende a um público bastante variado também. Dentre essas modalidades, uma que sempre atrai bom público interessado - por ser muito específico o trabalho a ser conhecido - é a do monólogo.

Em Richard Rebelo, que há tempos tem trabalhado com textos desafiadores e pesados - no sentido de textos extenuantes e que exigem um trabalho intenso e muito particular não apenas de memorização, mas, sobretudo de concentração do ator em cena - o monólogo é uma das atividades profissionais dele que, acredito, mais lhe dão prazer e reconhecimento da crítica e do público.

Assisti, há algum tempo, uma memorável apresentação de Richard Rebelo num dos espaços do ex-ACT. Tratava-se do Canto XVI, da Ilíada, de Homero. Ao contar e cantar as batalhas e os lances heróicos dos personagens, Richard tornava-se, pelo brilhantismo do seu trabalho, num dos nossos herois. Um heroi real, desafiando nossa atenção com aquele texto repleto de drama e, sobretudo, cheio de ensinamentos sobre a língua portuguesa e a arte de interpretar.

No ano passado, durante o período em que transcorreu o trabalho da Oficina de Dramaturgia do Núcleo de Dramaturgia do SESI Paraná, pude ver outro memorável trabalho em cima de um monólogo. Pude, por essas felizes oportunidades, assistir a uma tarde de ensaio de Rosana Stavis com o texto de "Árvores Abatidas... ou para Luís Mello". Depois fui assistir ao espetáculo no Teatro da Caixa. Rosana se agigantava nas várias vozes dos personagens do texto que foi adaptado pelo seu marido e diretor da montagem, Marcos Damaceno. Ali, naquele palco, Rosana também parecia, para mim - e com certeza para muita gente - uma figura heroica.

O monólogo, no conceito de um espetáculo com um só ator em cena, é sempre um desafio. Não só para quem vai apresentá-lo, mas, sobretudo, para o público. Também o é para quem o dirige, assim como foi, antes, para quem escreveu seu texto.

Pesquisando sobre o monólogo, impactado que fui, tempos antes, pela apresentação memorável de Richard Rebelo com o Canto XVI, de Homero, e por Rosana Stavis, encontrei um texto do autor, diretor e professor espanhol José Sanchis Sinisterra sobre o tema. O texto publicado em espanhol e disponível no site do CELCIT, da Argentina, foi um desafio para mim também. Não apenas para ler e entendê-lo, mas foi bem maior, porque eu o julguei importante ser levado ao conhecimento de outras pessoas e o fiz através da tradução que realizei e que, dias depois, socializei para quem tivesse interesse em saber mais sobre "A Arte do Monólogo" e como ela é vista e interpretada pelo teórico e criativo autor espanhol, José Sanchis Sinisterra.

Quem gosta de estudar, pesquisar e conhecer um pouco dos meandros do estudo da dramaturgia, o texto do Sinisterra é tão desafiador quanto os trabalhos de Rebelo e Stavis. Quem desejar, pode ler o texto publicado da Revista CELCIT - Teatro - edição 35/36 - no original em espanhol que está no site do CELCIT. Ou, quem quiser, pode acessar e ler a versão para o português que eu fiz.

Sinisterra classifica o monólogo em três modalidades gerais:

I – O locutor (o sujeito monologante) se interpela a si mesmo;

II – O locutor interpela a outro sujeito (o Personagem B);

III – O locutor interpela ao público.

E é em cima dessa classificação que Sinisterra trabalha e esclarece - dentro de sua visão - o que é o monólogo e como ele é apresentado em espetáculos de teatro como os de Richard Rebelo e Rosana Stavis, para citar os que pude assistir recentemente.

Aqui, a abertura do texto com alguns parágrafos iniciais que eu traduzi:

A ARTE DO MONÓLOGO

Por José Sanchis Sinisterra

Tradução de Rogério Viana

Quem sabe deveríamos começar por perguntar-nos: de que falamos quando falamos do monólogo? Porque é possível que, pressupondo que o termo remeta para todos e inequivocamente ao mesmo objeto referencial,nos encontremos naufragando no lodo de imprecisões, generalidades, lugares comuns, clichês e outros tics conceituais que configuram, contudo e por desgraça, o território da dramaturgia. A diferença da sólida, precisa e sistemática – ainda que também plural e contraditória, naturalmente – gama de estudos literários que constitui a narratologia, dotada de um vigoroso e florescente corpo instrumental, a investigação dramatúrgica leva uma arcaica esteira de preceitos, noções e padrões analíticos que, além de evidenciar uma letal inércia teórica, resultam inoperantes para dar conta da heterogênea e complexa casuística da produção textual contemporânea. Inclusive, em grande medida, para revisar com critérios atuais a dramaturgia tradicional.

Daí a necessidade de repensar, inclusive com a maior modéstia conceitual, todos os componentes do sistema dramatúrgico, desde as múltiplas articulações que podem estabelecer-se entre a fábula e a ação dramática, até cada um dos parâmetros da espacialidade, a temporalidade, o personagem textual, os vetores e graus da figuratividade, os recursos didascálicos e, particularmente, as muitas diversas configurações do discursos que se manifestam na fala dos locutores; dito de outro modo, os enunciados dispostos pelo autor para ser proferidos pelos “atores”. (Resisto faz tempo a chamar diálogos a esse material textual, dado que o termo designa, precisamente, uma de suas modalidades discursivas.)

Em vista, pois, dessa desconfiança que deve presidir o uso de termos e conceitos transmitidos acriticamente pela tradição, perguntamo-nos de novo: O que entendemos por monólogo? Devemos seguir atendo-nos às concepções classicistas, reformuladas modernamente por teóricos tão sólidos como Patrice Pavis, que o identificam abusivamente com o solilóquio e o definem como expressão dos pensamentos do personagem em situação de solidão dramática, diga-se, sem outro destinatário que ele mesmo? A própria definição de Pavis (“Discurso de um personagem que não está dirigido diretamente a um interlocutor com o propósito de obter uma resposta”) justifica sua qualificação de “antidramático”, no que coincide com outros muitos teóricos e práticos da dramaturgia que não duvidam em condená-lo a um patamar das convenções obsoletas.

Porém se nós permitimos modelar a critérios mais específicos – e inclusive mais estritamente etimológicos: “fala ou discurso de um só locutor” - e abrimos ao mesmo tempo a perspectiva para envolver a grande diversidade desdobrada pela dramaturgia realmente existente, podemos considerar como monólogo toda sequência dramatúrgica em que o discurso é ligado a um único sujeito, independentemente de sua extensão (uma situação, uma cena, uma obra maior...) e da “identidade” de seu destinatário. E é justamente esse último fator o que determina, não apenas a natureza, sem sombras de dúvidas, dramática do monólogo – diga-se, sua intrínseca e rica teatralidade -, senão também a ampla gama de suas modalidades textuais.

(...)


O texto completo de Sinisterra em português pode ser acessado aqui.

Um comentário:

  1. Rogério, estou começando a escrever um monólgo e seu material está me ajudando muito. Gostaria de trocar idéias com você.
    Um abraço
    Eliana
    email: eliana.mara@gmail.com

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