sábado, 27 de março de 2010

A força do contrário

O que brota provoca pensamentos

O que me faz pensar? É a ausência de um pensamento? Seria o vazio que se instala em mim? Fico a pensar e aquela ausência ganha um minúsculo corpo. Não há mais o absoluto vazio. Algo apareceu para ocupar um pequeno espaço em mim. Como por mágica – seria coisa de Deus ou do Diabo – já não sinto que o nada estava ali. O nada se transforma – a tal mágica, ou milagre, quem sabe um truque barato – ganha força, passa a avolumar-se, cresce mesmo. Agora, estou pensando. Mas ainda é um pensamento sem orientação. Não sabe para onde deseja ir. Sim, o pensamento se incorporou e se faz presente, mas para onde deseja ir e para onde vai?

Estou pensando ou estou fazendo uso da linguagem? Pensamento é palavra? Estou confuso, confesso. Pensamento sem palavra não existe. A palavra me ajuda a fazer uma análise do que de lógico tenho ao pensar. Mas palavra só não diz nada – que digam os vários dicionários disponíveis em todo o mundo. Um pensamento também não diz nada. Para que eu pense alguma coisa, formule um pensamento e o transforme em palavras, é preciso ter em mente que preciso passar para a frente isso tudo. Guardar naquele espaço vazio que havia em mim – que há em mim, em você, também – não colabora em nada. É preciso fazer com que o pensamento, com as palavras, tenha sentido ao ser levado para alguém. A palavra deve voar – verba volent – e, assim, eu poderei me fazer entender.

Tendo alguém a quem minha palavra se destina e de quem virá alguma resposta, instala-se um diálogo. Duas vozes. Do meu lado, vai essa inquietude, esse vazio que se fez pensamento e se transformou em palavras. Talvez eu possa argumentar alguma coisa. Provocar. Instigar. Propor um desafio, quem sabe. Do outro lado, aquela outra pessoa também agora pode ocupar seu vazio com algumas das minhas precárias reflexões. Poderá motivar-se com o que foi dito inicialmente. Com as palavras pode responder-me, questionar-me, dizer se estou certo ou errado. Ou não dizer nada. Concordar ou discordar. Ou se omitir. Dar seu apoio ou fugir de minhas palavras como aquele tal foge da cruz ou aquele outro foge do que tem de certo. Ou pode por mais lenha na fogueira. Ou apagar o fogo. Ou fugir com medo de tudo ou de nada. Neste instante o outro me responde. Na verdade, vejam bem, na verdade, ele não me responde. Ele apenas se manifesta para mostrar que também estava com aquela mesma dúvida sobre o vazio. No choque dessas coincidências – vazio versus vazio – um pouco nele e um pouco em mim ganha corpo. Nasce. O que brota provoca pensamentos. As palavras passam a justificar coisa e tal, tal e coisa. Palavras saem da minha boca. Se propagam, voam. Buscam endereços, destinatários. Entendedores. E pegas pelo outro, são devolvidas com outras letras, não são as mesmas palavras, são outras, mas alguma coisa tem em comum. As palavras que vão e as palavras que voltam, chegam a cada um dos ouvintes, com um forte desejo. Querem ser reconhecidas como válidas. Valendo-se da capacidade de argumentação, as palavras que voam, de cá para lá e de lá para cá, querem não apenas ser reconhecidas. Elas precisam de algo mais forte. Querem servir como instrumento perfeito de manipulação. Ou de convencimento. Querem dizer uma coisa dizendo outra. Querem provocar algo, insinuando exatamente o contrário. Querem dizer sim, quando são a negação de alguma coisa sempre.

Assim, diante desse dilema da palavra necessária dentro do diálogo que se estabeleceu por uma simples razão de alguém ter falado alguma coisa, começa, agora, o que poderíamos determinar como um diálogo teatral. A força do contrário.

Um improvável diálogo para um chuvoso sábado de manhã. Quem sabe, daqui a algumas horas faça sol. E as palavras encontrem o caminho para a qual foram pensadas, ditas e endereçadas.

Homem

Você não esperava que eu fosse aceitar suas condições sem discuti-las, não é?

Mulher

De você eu sempre espero tudo. Nada também.

Homem

Sempre assim. Quer se impor às custas da minha boca fechada, não é?

Mulher

Quando você a abre, sei que coisa boa não virá!

Homem

Não é isso que você me diz quando eu a beijo.

Mulher

Já aconteceram tempos melhores.

Homem

É mesmo. Eu aprendi a questioná-la.

Mulher

Você desaprendeu a beijar.

Homem

Não me ocupo mais em apenas lhe ser agradável.

Mulher

Agradaria muito se você continuasse de boca fechada e me beijasse mais.

Homem

Não seria essa receita ideal para você?

Mulher

Não quer que eu fale mais?

Homem

Só o necessário. Quero que fale com a boca, mas em outro contexto.

Mulher

Sempre tenho que ficar quebrando a cabeça para entender o que você quer, mas que não diz claramente o que quer.

Homem

O mesmo se aplica a você. Não tenho o dom da adivinhação.

Mulher

Nem se esforça, um pouco que seja, para entender outras linguagens em mim, não é?

Homem

Você se ocupa demais com sua própria boca. É ela que prevalece em você. Até ao ficar em silêncio, sua boca sempre está no centro de tudo.

Mulher

Isso pode significar que de boca fechada eu seja mais convincente?

Homem

Não é bem exatamente isso.

Mulher

O que é, então?

Homem

Feche a boca e segure minha mão.

Mulher

Sua mão?

Homem

Sim.

Mulher

E...

Homem

Agora eu só preciso disso.

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