Tenho tentado ler textos de autores novos. Novos para mim, sobretudo. Mas há sempre uma enorme dificuldade para se encontrar textos de novos autores publicados - não só em livros, mas, também, acessíveis na internet. Há comunidades de dramaturgia no ORKUT, por exemplo, onde não se tem acesso a novos textos, mas tenta-se discutir sobre eles. Falar sobre uma coisa sem ter a coisa para se pegar, sentir nas mãos, avaliar com os olhos, sentir na boca o gosto de tais e certas palavras, cenas. Sentir o cheiro (provável) de tal personagem, ouvi-lo assoprar no seu ouvido uma inconfidência. Bem, isso é mesmo impossível.
Ler novos autores é essencial. Divulgar o trabalho dele, muito mais. Encenar, então, nem se fala. Reli, esta semana, o livro "Ler o Teatro Contemporâneo", do Ryngaert. O autor francês, claro, trata de questões do teatro francês em particular, com citações de autores europeus. Mas creio que o que possamos tirar de lições sobre a problemática francesa, não nos será, ao todo inútil. Até porque, há certas citações de vários autores que Ryngaert nos mostra que podem - e como podem - nos ajudar a entender um pouco sobre a dramaturgia e a arte que ela é.
Num dos trechos que li, o diretor e autor Antoine Vitez, aborda a questão da representação do novo e do desafio que é encenar o "irrepresentável". Diz Vitez:
"[...] O teatro é um campo de forças, muito pequeno, mas em que se encena sempre a história da sociedade e que, apesar de sua exiguidade, serve de modelo para a vida das pessoas, espectadores ou não. Laboratório dos comportamentos humanos, conservatório dos gestos e das vozes, lugar de experiência para novos gestos, novas maneiras de falar - como sonhava Meyerhold - para que o homem comum mude, quem sabe? Afinal de contas, a tarefa do teatro é protestar contra uma imagem humana repercutida à exaustão pela interpretação unificada dos autores tal como é apreendida em todas as telas de televisão do mundo. Ele o consegue, apesar da desproporção de forças."
Aqui, no Brasil, falando bem genericamente, há várias formas de teatro, os tais campos de força, também. Um teatro, de grande público - agora é a vez dos grandes musicais -, é aquele feito por produções onde se tem no elenco atores bonitinhos e atrizes gostosinhas que estão diariamente nas novelas globais. Há um teatro de grande público, também, feito por atores e atrizes de talento, mas, na grande maioria, também com suas imagens vinculadas a novelas, casos especiais, séries televisivas. Há outras formas de produção do nosso teatro, no nível nacional, mas sempre e quase sempre mesmo, vinculado ao eixo Rio-São Paulo, claro onde há o maior público e onde se concentram, também, as maiores aplicações de verbas oriundas das leis de incentivo, em especial da Lei Rouanet, a que mais aplica dinheiro em estrelas globais e nos espetáculos em que elas participam.
Bem, a questão é o desafio de encenar - vamos particularizar, aqui, estando em Curitiba, no estado do Paraná, região sul do Brasil - e de fazer teatro com novos autores e com a velha falta de verba, de incentivo e de oportunidades.
Se não houver novos autores, como poderá haver novos diretores, novos figurinistas, novos cenógrafos, novos iluminadores e, sobretudo, novos atores e atrizes? Há teatros suficientes para um crescimento na oferta desses "novos"?
Acredito que, aqui em Curitiba, haja suficientes espaços, locais, instalações e teatros mesmo que se prestem para acolher e mostrar um "novo" teatro curitibano. Mas como é que se dá a cessão desses espaços? Alguém poderá me ajudar a entender a mecânica, ou se preferirem e se existir, uma política para isso? Poderia ser, também, uma forma viciada de cessão dos espaços teatrais disponíveis em Curitiba? Com ou sem alguns privilégios? Jeitinho, talvez?
Parece-me - e essa convicção não está totalmente me dominando - que fazer teatro em Curitiba é um exercício de anulação de algumas características do que possa ser a "atividade teatral" como um todo. A famosa figura do "produtor independente" desapareceu. Ah... Não é um problema só de Curitiba, só do Paraná, claro! Que isso fique bem explicado, ok? Quem quer fazer teatro aqui, tem que pertencer a um grupo, pra começo de conversa. Se for ator ou atriz, tem que estar num grupo ou, para sobreviver de sua arte, tem que fazer um teste aqui, um teste ali, pegar uns bicos como locutor, dublador, manipulador de bonecos, fazer casting para comerciais de TV, muito de vez em quando, para cinema, agora criou-se - recentemente - a possibilidade de participação em produções locais de TV. E viver saltando de produção em produção e seja o que Deus quiser, não é mesmo? Correndo tanto assim em busca do "pão nosso de cada dia" o ator e a atriz ficam sem tempo para namorar (será?) e para ler "novos" textos. Ou não? Para estudar e conhecer um pouco mais sobre dramaturgia, como é mesmo isso?
O ator e a atriz, também, passam a fazer o papel do produtor, do administrador, e do seu próprio "manager", agente ou empresário. Assim, fica muito estafante ser tudo isso e, além do mais, ter que decorar textos, correr atrás de grana, ajudar a compor o cenário, figurino, iluminação, entregar panfletos por aí, fazer uma "política de boa vizinhança" e assistir aos espetáculos dos amigos e dos desafetos também, etc e tal. Tempo para leituras, só dos textos que serão encenados, certo? Ou não é assim que acontece? Se me ajudarem, poderei ter uma visão melhor disso.
Vendo a tal atividade teatral como um todo. Passemos para outro item. Importante sim. Muito importante. Hoje, para se executar a função de "produtor", tem que ser um expert e bem informado profissional que saiba desvendar os caminhos dos "editais" e, tendo sorte, de emplacar uma "produção" que poderá ser custeada pelo "poder público" e ser encenada num espaço público, no caso um teatro oficial, da prefeitura, por exemplo. Anula-se, assim, uma força e uma possível e importante habilidade profissional bem específica que é a do "produtor", profissional e autônomo. Autosuficiente, eu diria. Existem, aqui, produtores como atividade profissional? Ou os produtores são "tarefeiros"? Tem que fazer isso, aquilo, aquilo outro... e levantar a produção, e fim?
Talvez o diretor - os mais renomados não, com certeza - ainda tenha que meter a sua colher em outras questões, afeitas ao seu trabalho, claro, mas alheias a ele por não ter que ser o motivo de sua principal atenção. Talvez. E, assim, além de todo o trabalho que um diretor tem, muitos deles são também autores. Alguns atores, também. Multifuncionais, ótimos por serem tantas coisas. Outros, trabalhando no controverso - para mim é - sistema do "processo colaborativo", acabam tendo olhos apenas para o que eles escrevem, para o que os demais integrantes do seu grupo sugerem como colaboração para o texto final e acabam não tendo nem tempo, nem oportunidade, de discutirem os textos de quem?
Então... Não é sobre novos autores que eu estava falando? Sim.
A defesa e a necessidade de novos autores será feita por mim, claro - advogando em causa própria com certeza - e por autores e diretores que trataram disso em várias épocas e situações e cujos conteúdos foram registrados no livro "Ler o Teatro Contemporâneo". No capítulo V - O autor, o texto e a cena, Ryngaert reproduz textos, cartas e comentários de autores consagrados sobre o papel do autor, do texto e da cena. Encontrei nele um trecho bem interessante do Bernard-Marie Koltés, onde ele "defende" a encenação de novos autores, se opondo às montagens de autores pra lá de consagrados.
Diz Koltés (...) Acho que os diretores montam demais teatro de "repertório". Um diretor se julga heróico quando monta um autor atual no meio de seis Shakespeare ou Tchekov ou Marivaux ou Brecht. Não é verdade que autores que tem cem ou duzentos ou trezentos anos contam histórias atuais; sempre se podem encontrar equivalências; mas não, não se farão achar que as histórias de amor de Lisette e Arlequim são contemporâneas. Hoje se fala de amor de outra forma, portanto não é o mesmo. [...] Sou o primeiro a admirar Tchekov, Shakespeare, Marivaux e a tentar aprender com eles. Mas, mesmo que nossa época não tenha autores dessa qualidade, acho que é preferível encenar um autor contemporâneo, com todos os seus defeitos, a encenar dez Shakespeare. [...] Ninguém, sobretudo os diretores, tem o direito de dizer que não há autores. É claro que não são conhecidos, já que não são montados e que se considera uma sorte extraordinária ser encenado atualmente em boas condições; ao passo que, mesmo assim, é a coisa menos importante. Como vocês querem que os atores melhorem se não lhes é pedido nada, se não há um esforço para aproveitar o melhor do que eles fazem? Os autores de nossa época são tão bons quantos os diretores de nossa época. (citação sobre Un hangar à l´Ouest, in Roberto Zucco, Minuit, 1990).
É preciso falar mais alguma coisa?
Bem, volto a utilizar as palavras de Antoine Vitez:
[...] "Esse protesto das aparências deve se estender ao protesto das escritas. O texto de teatro só terá valor para nós se inesperado e - precisamente - irrepresentável. A obra dramática é um enigma que o teatro deve resolver. às vezes ele leva muito tempo para isso. No começo, ninguém sabia como encenar Claudel, nem Tchekov, mas é o ter de encenar o impossível que transforma a cena e a interpretação do ator; assim, o poeta dramático está na origem das transformações formais do teatro; sua solidão, sua inexperiência, sua própria irresponsabilidade nos são preciosas. O que temos por fazer com autores experientes que preveem os efeitos de iluminação e a inclinação dos assoalhos? O poeta não sabe nada, não prevê nada, a encenação cabe apenas aos artitas. Então, com o tempo, Claudel, que achávamos obscuro, torna-se claro; Tchekov, que achávamos lânguido, aparece vivo e sucinto".
Aos novos autores que estão surgindo, vai aqui a minha sugestão, talvez seja mesmo um pedido, um apelo:
Não deixem seus textos nas mãos de um só interessado. Mesmo que esse interessado seja muito interessado. Deixem seus textos espalhados por todos os lados. Não custa, de vez em quando, mandar imprimir uma cópia e levar até aquele produtor, para aquele outro diretor, para aquele grupo, para aquela atriz que você acha fantástica, para aquele outro que ninguém quer nada com ele, sabe, aquele? Então, esparrame, difunda, semeie seus textos em vários campos, vença as resistências. Se quer escrever e se quer ver que seu texto seja encenado, vista sua melhor cara de pau e dê a cara para bater. Deixe que batam mesmo, mas não perca a oportunidade de tentar, dar a oportunidade para que um diretor, novo ou experiente, consagrado ou mesmo esquecido, comprovadamente talentoso ou um mito somente, que todos eles possam ter acessível a suas mãos o seu texto. Tentem, também, mostrar seus textos para novos atores e atrizes. Faço-os lerem coisas do aqui, do nascido aqui, de gente como eles, que andam pelas mesmas calçadas, que se vestem nas mesmas lojas, nos mesmos brexós, que frequentem os mesmos bares, supermercados, que tomem os mesmos ônibus. Assim, quem sabe, um dia um deles pegue o seu texto e diga: De onde veio isso?
Para interessados:
O seu blog é o que de melhor eu ja vi! parabens! Queria lhe pedir uma ajuda! se puder mande-me o seu email, ai entao trato do assunto ok? um abraço, emerson de s.mendes.sao luis -ma.
ResponderExcluirEmerson,
ResponderExcluirSó dá para responder por e-mail e você não me informou seu e-mail.
O meu é rogeriobviana@yahoo.com.br