Mas, de vez em quando, me dá saudade de cozinhar
com banha. Daquelas que vinham em latas de 20 quilos.
Mas eu penso no tal homem e meu olhar solidário de
criança me diz para não comprar,
de ninguém, uma lata de banha.
Durante várias semanas ele esperou um telefonema. Ele queria mesmo que além do telefonema viesse um e-mail antes. Não veio. Nada. Nas últimas 48 horas ele ficou grudado no monitor de seu computador. Abria e fechava sua conta de e-mail. Várias vezes. Nenhuma mensagem. Zero. O ouvido ligado nos dois telefones. O celular bem ao lado do monitor do computador. O telefone fixo, à direita, ao alcance da mão. Bastava espichar um pouco. Nada. Nenhum som diferente. Ele continua esperando e não havia som nenhum nessa espera. Talvez o coração batesse mais aceleradamente. Talvez. Mas não sentia nada além da respiração, vez ou outra, mais profunda. A inquietude dele por um telefonema. Ou um e-mail.
A inquietude era mesmo real. O que o deixava inquieto, porém atento, atento demais, o que era? Ele não queria mesmo o tal telefonema, ou um possível e-mail. Não era isso que ele queria. Tudo era bem mais simples que um telefonema ou um mero e-mail. Ele queria o que não é muito comum nesses tempos de cada um por si... Queria atenção. Talvez não atenção. Queria algo um pouco mais complexo. Queria pertencer. A quê? Pertencer não é algo tão simples. Para pertencer, além de atenção, alguém deve reconhecer o outro. Se não reconhece, não presta atenção e, portanto, não dá, ao outro o sentido necessário e vital do pertencimento. Se alguém pede atenção, pode fazê-lo por muitos jeitos. Uns até engraçados.
Uma vez um cara roubou uma lata de banha numa pequena cidade do interior do Paraná. Sabe o que o delegado da cidade fez? O homem ficou duas horas caminhando com a lata de banha na cabeça, dando voltas e mais voltas na quadra onde ficava o armazém do qual ele pegara a lata de banha. Não é engraçado? Não, de engraçado não tem nada. É triste. O cara, o tal homem, roubou a lata de banha. E ele não queria atenção. Ele queria é um emprego. Um salário. Um trabalho. Alguma coisa que pudesse dar a ele dinheiro suficiente para ele, naquela época, ir no armazém e comprar a lata de banha. Também poderia comprar arroz, feijão, açúcar, cebola, linguiça, um pedaço de carne seca, sal. Pimenta. Farinha. Farinha de trigo, não. Ele poderia querer só farinha de mandioca. No máximo, farinha de milho, fubá... essas coisas que dá para fazer polenta. Poderia também comprar azeite de oliva. Umas 200 gramas de azeitonas pretas, daquelas bem grandonas e perfumadas.
Mas o que tem o tal pertencimento com a história do homem que roubou uma lata de banha?Como o homem não pertencia ao mundo normal do trabalho, como ele fora, de algum modo, excluído do mundo, da sociedade, do trabalho com carteira assinada, dessas coisas, ele, ao roubar tinha dado um aviso. Pessoal, pessoal, eu preciso de um trabalho. Nem que seja, apenas para carregar latas de banha na cabeça. Então, ele, mesmo carregando, naquela tarde tão distante no tempo, sentiu um pouco o quão difícil é pertencer. E quanto é fácil ser criticado, ser menosprezado, ser excluído da vida.
E o que o homem fez? Olha. Pelo que eu posso imaginar, ele nunca mais passou por aquela quadra, muito menos entrou mais naquele armazém. E qual é o sentido dessa história? Ainda bem que hoje eu só cozinho com azeite de oliva. Mas, de vez em quando, me dá saudade de cozinhar com banha. Daquelas que vinham em latas de 20 quilos. Mas eu penso no tal homem e meu olhar solidário de criança me diz para não comprar, de ninguém, uma lata de banha.
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