No seu livro "Uma escrita do cotidiano", Michel Vinaver ensina que esse "entrelaçamento" pode dar sentido se construído progressivamente sem que nada fosse dado de imediato. Diz Vinaver: "O fluxo do cotidiano arrasta materiais descontínuos, disformes, indiferentes, sem causa nem efeito. O ato de escrita não consiste em ordená-los, mas em combiná-los, tal como são, brutos, por meio de cruzamentos encavalados uns nos outros. É o entrelaçamento que permite aos materiais se separarem para se reencontrarem, que introduz intervalos e espaçamentos. Pouco a pouco tudo começa a piscar".
Entrelaçando diálogos, um exercício:
Mulher - Vim de ônibus e parei no ponto errado...
Homem - Eu avisei para meu filho que o cheque não tinha fundo.
Rapaz - O dono da loja não queria vender fiado.
Moça - O senhor vai levar tudo, sozinho?
Mulher 2 - A senhora está com gripe? Não tomou a vacina?
Mulher - Será que vai dar tempo?
Rapaz - O que tenho que fazer?
Homem - Você esperava o quê?
Moça - Posso por numa sacola mais forte.
Mulher 2 - É rápido e não doi nada. Tomei ontem.
Rapaz - Vou aliviar naquele velho...
Mulher - Você viu só o que o motoqueiro fez?
Moça - Acho que vai dar certo.
Mulher 2 - Amanheci boa. Nem tussi mais.
Homem - Dei um safanão no safado.
Moça - É mesmo? Onde?
Mulher - Alguém já chamou a polícia?
Homem - Escolheu a pessoa errada...
Moça - A sacola salvou ele...
Quanto mais personagens, mais complexo fica o entrelaçamento. Esse jogo do autor com o leitor faz do subtendido a peça que, mais na frente, poderá dar pistas, desvendar alguma coisa.
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