terça-feira, 13 de abril de 2010

Entrelaçamento, diálogos, diálogos, diálogos

Você já deve ter presenciado diálogos bem díspares numa fila de banco, ou no caixa de um supermercado, ou numa festa cheia de pessoas, não é? Se esses diálogos fossem colocados num texto de teatro, como ficariam?

No seu livro "Uma escrita do cotidiano", Michel Vinaver ensina que esse "entrelaçamento" pode dar sentido se construído progressivamente sem que nada fosse dado de imediato. Diz Vinaver: "O fluxo do cotidiano arrasta materiais descontínuos, disformes, indiferentes, sem causa nem efeito. O ato de escrita não consiste em ordená-los, mas em combiná-los, tal como são, brutos, por meio de cruzamentos encavalados uns nos outros. É o entrelaçamento que permite aos materiais se separarem para se reencontrarem, que introduz intervalos e espaçamentos. Pouco a pouco tudo começa a piscar".

Entrelaçando diálogos, um exercício:

Mulher - Vim de ônibus e parei no ponto errado...

Homem - Eu avisei para meu filho que o cheque não tinha fundo.

Rapaz - O dono da loja não queria vender fiado.

Moça - O senhor vai levar tudo, sozinho?

Mulher 2 - A senhora está com gripe? Não tomou a vacina?

Mulher - Será que vai dar tempo?

Rapaz - O que tenho que fazer?

Homem - Você esperava o quê?

Moça - Posso por numa sacola mais forte.

Mulher 2 - É rápido e não doi nada. Tomei ontem.

Rapaz - Vou aliviar naquele velho...

Mulher - Você viu só o que o motoqueiro fez?

Moça - Acho que vai dar certo.

Mulher 2 - Amanheci boa. Nem tussi mais.

Homem - Dei um safanão no safado.

Moça - É mesmo? Onde?

Mulher - Alguém já chamou a polícia?

Homem - Escolheu a pessoa errada...

Moça - A sacola salvou ele...

Quanto mais personagens, mais complexo fica o entrelaçamento. Esse jogo do autor com o leitor faz do subtendido a peça que, mais na frente, poderá dar pistas, desvendar alguma coisa.

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