segunda-feira, 25 de abril de 2011

A cumplicidade social

Cena de "A cumplicidade da inocência"
Foto de Soledad Ianni

A peça "A cumplicidade da inocência" tem seis cenas, seis histórias, doze personagens. Na Cena IV (com um pequeno trecho abaixo) - dá para perceber o que dá para ser cúmplice com uma pretensa ingenuidade. A peça está em cartaz em Buenos Aires, foi escrita este ano e eu a traduzi durante o feriado da Páscoa. Vejam parte do texto e como as duas autoras - Adriana Genta e Patricia Zangaro - trabalharam cada uma com três das histórias da peça. Dramas, em pequenas doses, que tornaram muito grande a tragédia que se abateu sobre o povo argentino durante a última ditadura militar, logo após o desaparecimento de Perón e, em seguida, com a queda de sua Isabelita.

Na foto, imagem da cena abaixo.


A Cumplicidade da Inocência 

Cena IV – A cumplicidade social

Por alguma coisa

De Adriana Genta

A copa-cozinha de uma casa popular na região de Cuyana. Há objetos de decoração de aniversário e sobre a mesa um bolo de criança. São mostrados elementos de costura: um manequim, uma máquina de costura, caixa de costura, tesouras. Entra Dona Berta orientando Clara.

(...)

Clara(interrompendo-a) As pessoas são maldosas e vivem comentando.

D. Berta – As pessoas são maldosas e... (enfática) inventa!

Clara – Quando o rio faz barulho, traz água.

D. Berta – E às vezes traz lama.

Silêncio.

D. Berta – Ouça, se eu decidir contar é para que não acredite em tudo o que vai ouvir por aí.

Clara – Mas, o que é mesmo que dizem?

D. Berta – Vão dizer que... que... Os militares o levaram por ser subversivo.

Clara reprime-se e tapa na boca uma exclamação de surpresa e susto.

D. Berta – Mas não é certo, não se assuste. Bem, mas que os militares o levaram, sim. Mas que seja um subversivo, não. Um homem trabalhador. Uma benção de Deus.

Clara – Porém ele deve ter feito alguma coisa.

D. Berta – Não... Somente estava como catequista com os padres, estes que não usam batinas, sabe? Queriam fazer uma cooperativa agrária em terras abandonadas. E claro, armou-se uma confusão, porque esta gente tem seus costumes e seus patrões há muitos anos.

Clara – Está preso?

D. Berta – Sim... Deve estar... Porém não sabemos nada.

(...)

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