sábado, 27 de fevereiro de 2010

Viva Orlando! Morra Zapata!

Yo tengo hambre de libertad...

No dia em que Lula retornava a Cuba para o “beija mão” a Fidel e a seu irmão Raul, morria Zapata. No mesmo dia, aqui em Curitiba, eu terminava a tradução do monólogo “Noche de Verano Lejos de Los Andres... o dialogos com mi dentista”, da atriz e autora argentina Susana Lastreto, que é professora e diretora de teatro em Paris.

Antes de falar de Zapata, de Lula e dos “hermanos” Castro, um breve comentário sobre a mulher do monólogo – seria um pouco a própria Susana, como ela me revelou -, mas também, partes de outros imigrantes que foram para a França no começo dos anos 70 e com os quais ela conviveu na busca de um “destino extraordinário”.

A mulher nos conta sobre um pequeno grupo de teatro do qual ela participava e que tinha um francês que não gostava das palavras e nem de Racine, um brasileiro de nome João, professor de capoeira que financiava montagens de teatro vendendo drogas e dois atores cubanos. Lastreto desenhou os cubanos com uma acidez muito peculiar. Diz ela: Negrito Wladimir – um cantor cubano que pode escapar de seu país com as cordas vocais intactas e Beba, que passou tanto tempo escondida que já não sabe falar, porém é uma mímica genial. Até aí, parece que Lastreto quis, na sua crítica, estabelecer o perfil daqueles personagens como arquétipos construídos diante do seu olhar há mais de 30 anos bem longe dos Andes e no mesmo tempo em que conviveu com a classe artística e intelectual parisiense.

A cena narrada por Lastreto nos dá conta de uma certa noite em que ela e seus companheiros de cena apresentavam um espetáculo musical-revolucionário-bilingue e ao qual foi assistir um tal Júlio, aquele de cujo sobrenome ela não se lembra, mas que andou escrevendo algumas coisas sobre engarrafamento de carros na “auto estrada do sul” e, também, adorava brincar com o “jogo de amarelinha”. Sim, aquele Júlio imenso e de “olhos como imensas janelas negras e mãos de gigante”.

Diante de uma plateia formada por uns gatos pingados e a figura do tal Júlio, enquanto entoavam uma conhecida canção de protesto latino-americana, o francês, pragmático e desafinado, pergunta se ele, o Júlio ali presente, não seria um produtor que queria levá-lo para Hollywood. João, o capoeirista vendedor de maconha e outras cositas más, se estranha quando a mulher diz que o momento era “apoteótico”. E pergunta, apo... o quê? Que analfabeto, parece mentira, diz a mulher. Os atores precisavam se concentrar na apresentação. Beba, claro, não disse nada. Negrito Wladimir só tratou de perguntar: Será que ele pagou a entrada? Veio, então, o comentário da mulher: Negrito Wladimir, um eterno morto de fome!

Eu falava sobre a última visita de Lula a Cuba como chefe de estado brasileiro. E de toda a baboseira dele, todo deslubrado, diante do seu ídolo maior, el jefe e de su hermano Raúlzito. Lula, ao chegar a Cuba foi avisado da morte de Orlando Zapata, um dissidente cubano, um operário ou algo assim, que morreu depois de ter ficado 85 dias em greve de fome nos intermináveis cárceres cubanos. Lula, o midiático, uma grife de sucesso mundial, um ícone da esquerda convertida pelas leis do mercado, tratou de ficar na sua diante da presença de Raul e do outro Castro, aquele que vive às custas de sua própria sombra.

Sobre a morte do dissidente Orlando Zapata, Lula apenas disse que lamentava alguém morrer de fome, digo, de greve de fome, pois ele sabia o que era fazer greve de fome, quando apontava – ou quase apontava – para sua proeminente barriga. Veio, depois, com uma justificativa, aquela velha ladainha de desculpas, de que não recebera nenhuma carta oficial dos demais dissidentes cubanos para encontrar-se com eles. Queria que, antes, levassem a carta para o protocolo, para receber carimbo e fé. Lula esquecera toda sua militância. Quando era dissidente, aquele Lula em ascensão, recebeu em sua casa a visita de um chefe de estado, aquele ícone verde-oliva cucaracho, o próprio Fidel, lá pelas bandas do seu curral, digo, do seu ABC eleitoral, digo, residencial.

O que tem Zapata a ver com Negrito Wladimir e Beba, os dois atores cubanos da peça de Susana Lastreto?

Zapata, quando falou além do que podia e muito aquém do que devia, foi preso. Claro, torturado, pero no mucho. Zapata, também negro, vestia o papel de Negrito Wladimir. Não por ser negro, por supuesto. Mas por ser cubano como este. Infelizmente um dissidente cubano que não conseguiu deixar seu país com as cordas vocais intactas. Zapata também era Beba - que nome mais incrível para entrar numa história sobre Lula, não concordam? E como Beba, Zapata “passou tanto tempo escondida que já não sabe falar”, porém, poderia ter feito alguns gestos, na mímica dos desvalidos e confinados por terem ousado pensar e falar o que não é do agrado da minoria que tiraniza aquele povo sitiado por um lindo oceano e pela omissão política e intelectual de tantos românticos revolucionários.

No que, também, Orlando Zapata é o Negrito Wladimir? Nos diz Susana: um eterno morto de fome. Sendo assim, Zapata não morreu. Como assim? Não se pode matar quem já está morto, não é mesmo? No que Zapata é Beba? Diz Susana: “tanto tempo escondida que já não sabe falar...” Quem tem que viver escondido não tem como falar, se expressar, pois perde a capacidade até de balbuciar. Zapata é Beba, então.

Aquela ilha encantada e decantada em prosa e verso é mesmo uma real ficção repleta de Negritos Wladimir e Bebas. De vez em quando, porém, é visitada por um brasileiro de nome João. Um mestre capoeira, que sabe fazer meneios de corpo e se contorcer para evitar levar pernadas. Sempre sai ileso, até dizem que ele tem uma blindagem especial. João, um brasileiro real, um joão-ninguém, que na sua ficção vende drogas tão mais potentes que a maconha pernambucana, alucinógenos mais poderosos que certos chás amazônicos, muito mais fortes e destrutivas que cachaça ou rum cubano. João, aquele, adora uma birita e faz mais fumaça que gelo seco ou um legítimo “havana”. O João brasileiro vende ilusões e sonhos. De vez em quando paga, com suas bravatas, umas bolsas famílias para sustentar vários espetáculos eleitorais, digo, teatrais.

João, o analfabeto que não conhece o que seja apoteótico, domina nos palcos do mundo a encenação da beleza pelo exótico e pelo discurso enfático. João, no entanto, não se vê solidário ao Negrito Wladimir ou a Beba. Embora estejam sempre no mesmo palco para apresentarem-se no espetáculo musical-revolucionário-bilingue, João não reconhece existirem problemas insolúveis para o ex-camarada Wladimir, el Negrito, nem para Beba, la cumparsita de noches de verano lejos de Cuba. João, valentão, falastrão, capoeirista de quatro costados, não dá suporte aos lamentos caribeños. Este João, não está nem aí para o que sofrem os hermanos de Cuba. A ele só interessa valorizar a palavra que não conhece, a fumaça que ele traga e o rum que ele tanto adora. Um mojito, por favor? Después, degustar a un Montecristo 4, si?

Aos mortos, a sepultura. Aos personagens, os livros, os palcos. Viva Orlando! Morra Zapata! E Lula? Lula continua sua peregrinação pelos palcos do mundo. Como ele mesmo no seu monólogo “Noche de Verano lejos de Brasil...y cerca de mis hermanos Castro”. Arriba!

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