quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Caminhe sobre o fio da navalha

Venha, caminhe sobre o fio da navalha.
É pouco o espaço a percorrer?

Na minha peça "Eu Avec Você", dois autores de teatro, pessoas mais vividas e experientes, dialogam entre si e com seus personagens. Um está numa cidade ao sul do Brasil. O outro, em Paris. Gabriel é brasileiro. Aqui, ele fala um pouco da noção de tempo e espaço e da aventura de construir um pensamento, um personagem, uma voz.

Gabriel – Nem sempre tudo isso deve ser levado em consideração. Tudo, sempre, é tão pouco. Tudo é, na maioria das vezes, uma parte onde se evidencia uma discriminação latente. Que em algum momento vai aflorar nos vários discursos. Tudo é nada. Nada, no entanto, me faz acreditar que sejamos mesmos frutos de condições favoráveis. Que somos escolhidos ou que somos detentores de todas as qualidades que nos fizeram vencer a noção do tempo e do espaço e permanecermos inabaláveis aqui. Você é quem diz isso. Eu não. Eu não digo nada sobre tempo e espaço. Eu vivo, eu apareço quando me é possível, quando, alguém me faz ganhar corpo e voz. Sou um pensamento em construção, não é mesmo? Meu discurso, sempre é precedido por um vazio. O que vem em seguida, também é um vazio. E é sobre o vazio que devemos construir um entendimento.

Completar os espaços, as lacunas devem ser observadas atentamente. Nada de se opor ao que está lá para ser completado. Pense, reaja, ofereça alternativa. Construa, saia da mesmice, meu caro Martin. As dificuldades que você pode viver, não foram de todo tão más assim. Fizeram você ganhar corpo, deram voz, deram vez. Vez ou outra, também, está claro para mim, eu me deixo levar pelas aparências. Claro, ninguém é perfeito. Mas se é na busca de entendimento a perfeição deve ser uma meta, não uma utopia. O local é aqui, então, vamos tentar nos fazer entender e deixar de transigir sobre o real, o factual, o imagético, o narrativo, o dramático, o épico, o lírico. Cada coisa ao seu tempo. Então, há tempo de imaginar. Há tempo de representar. Há tempo de opor-se ao imaginado e há tempo para não representar assim tudo tão rasteiro, tão desprovido de dor ou de sentimento. Venha, caminhe sobre o fio da navalha. É pouco o espaço a percorrer? Aumente para o fio de uma faca. Também acha pouco. Desembainhe uma espada sarracena. Ela não será mais desafiadora? Ah, meu caro Martin. Quanto eu não daria para ir com você para Paris? Mas dar como? Nada tenho, nada possuo. Nada posso tirar de onde nada existe.
De onde? Você me atribui assim tanta capacidade de improvisar? Mas tenho que confessar que ando meio cheio de tanto jogo de cintura, está sabendo? Não dá, não dá mesmo para ficar assim sempre projetando coisas que nunca se transformam em pequenas coisas reais e necessárias! Tem horas que quero jogar a toalha. Dizer chega. Não suporto mais levar tanta porrada! Não aguento mais ter que me subordinar a questões tão mesquinhas. Sou um pensamento vivo. Ganho voz se você me permitir que eu use o seu corpo para me expressar. Assim é como eu vivo!

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