sábado, 20 de fevereiro de 2010

Casais, peça de Susana Lastreto que traduzi

Susana Lastreto no monólogo Nuit d’ été loin des Andes ou
dialogue avec mon dentiste, a peça "Casais" que traduzi
e ela em uma palestra

Em junho do ano passado, nas pesquisas que fazia sobre dramaturgia na América do Sul, deparei-me com o texto "Parejas", da argentina Susana Lastreto. Baixei o texto no site da CELCIT, de Buenos Ayres, imprimi e o li imediatamente. Como eu havia feito, dias antes, uma tradução do texto "Narraturgia", do espanhol José Sanchis Sinisterra, desafiei-me a traduzir, desta vez, um texto maior e mais complexo. Assim, assumi o desafio de traduzir a peça "Parejas". Em uma semana, trabalhando oito horas por dia, talvez até mais, terminei a tradução. Daí, então, fui saber um pouco mais sobre quem era a autora, Susana Lastreto. Ao pesquisar sobre ela, descobri que Susana nascera na Argentina mas que passara quase que boa parte da infância e adolescência no Uruguai, tendo, anos depois, mudado para Paris, onde foi estudar teatro. Hoje, Susana Lastreto é professora da Escola Internacional de Teatro Jacques Lecoq e dirige o grupo teatral GRRR. É autora de várias peças, dirigiu várias montagens e também tem um forte trabalho como atriz.
Ao ler mais sobre Susana Lastreto, encontrei seu e-mail e enviei para ela a tradução que eu fizera de "Parejas". Para minha agradável surpresa, dias depois, Susana Lastreto respondeu meu e-mail dizendo-se muito surpresa e agradecida pela tradução que eu fizera, afirmando que sempre se interessara pela língua portuguesa, que ela entende bem, mas que não sabia escrever nada em português. E confidenciou que a primeira cidade brasileira que ela conheceu no Brasil foi Curitiba, pouco antes de mudar-se para a França.
Desde, então, tenho trocado e-mails com Susana Lastreto, até porque, em novembro passado eu escrevi a peça "Eu Avec Você", onde dois personagens - o brasileiro Gabriel que mora numa grande cidade ao sul do Brasil, troca informações e confidências com Susana, uma argentina que mora na França. Ambos atuam com dramaturgia. A peça foi inspirada no encontro que tive com a Susana Lastreto.

Susana mostrou interesse em participar, no ano que vem, do Festival de Teatro de Curitiba e, hoje, em Paris, ela informou que vai participar, na Maison de la Poésie do espetáculo da CBT sobre Paulo Leminski.

Apresento, aqui, os comentários iniciais que Susana Lastreto fez da versão em espanhol dela mesmo da peça "Parejas" e que traduzi como "Casais". A peça "Couples" estreou em Paris em 1995 e, anos depois, foi traduzida do francês pela própria Susana.

A peça tem como personagens três mulheres - uma de 40-45 anos, outra de mais de 70 - 100 anos, e uma adolescente de 13-, e dois homens, um de 40-45 e um de 30-35 anos.

CASAIS

Noite. Uma adolescente sem sono. No escuro de seu quarto escuta... Os adultos festejam, fazem amor, fazem a guerra. A adolescente se levanta, abre portas, vaga, surpreende intimidades, confissões, dores, segredos. Percorre um labirinto de paixões, descobre o amor, observa o mundo adulto com um olhar curioso, crítica ou divertida, noite a noite, cresce. Ao final da noite, ou de muitas noites, já não será a mesma: terá se convertido em mulher, começará sua própria vida.
O homem e a mulher podem ser considerados como o mesmo casal ou casais diferentes. Por isso pouco importa que às vezes o casal tenha filhos e às vezes, não segundo as cenas. Nem que o tempo seja cronologicamente lógico. Segundo as cenas o casal se separa, ou recém se conhece, ou viveu juntos cem anos. Os personagens não tem por que ter relações de parentesco entre si; a velha, a dama das rugas não é a avó da adolescente, nem a adolescente a filha do casal. Pode ser às vezes.
É um universo mental. É um mundo noturno, de sonhos e penumbra. Meu desejo é que a cenografia seja a mais simples possível e que todos os textos, inclusive os mais poéticos, sejam ditos com uma grande simplicidade e muito concretamente.

A peça CASAIS (veja aqui) é dividida em sete noites (sete cenas, sete quadros).

Aqui, parte da cena da QUARTA NOITE, na versão que fiz para o português:

QUARTA NOITE

Acende uma luz. O homem e a mulher estão em seu quarto. A adolescente em seu, porém ouve a conversa. Não se deve ver completamente ao casal. Somente uma área do quarto. Mostrar uma visão fragmentada da cena.

Mulher – Vamos fazer um jogo? Eu sou Justine e você... faça-me o que quiser... Eu jogo a que não se mova nenhum pelo... porém deixo que faça qualquer coisa...

Homem – Bem... porém hoje eu gostaria de jogar alguma coisa, mas...

Mulher - … proibido? Vai ver... sou a irmã Feliciana e você é o padre da paróquia. Padre, venho confessar... Ele me interrompe enojadíssimo: Irmã, você cometeu um pecado venial! Saia e reze três Ave Maria... Ai, não, equivoquei-me. Você cometeu um pecado mortal! Tire sua roupa! Ahhh. Porém não tem nada por baixo da roupa... Que vergonha! Vou lhe dar umas boas palmadas nesse seu traseiro!

Homem – Bom, chega! Se você faz todos os papéis, eu o que faço?

Mulher – Tens razão, vamos trocar... Eu sou Maria, a empregada. Você acaba de acordar. Grita: Maria! Já preparou meu desjejum? Venha, traga-me aqui na cama, por favor. Ai, porém... tem uma média mal feita... Que descuidada... Vou dar-lhe...

Homem - … uma linda palmada, já. Vai gostar que lhe dê uma... (ouve-se uma palmada, a mulher ri). Continue fazendo todos os papéis.

Mulher – Sim estes não te inspiram, se me ocorrer outros...Olhe: sou um anjo nu... Eu abro e fecho minhas asas... assim, assim... basta fazer-me gozar... E agora sou um homem, muito jovem, quase um adolescente... e o recebo nesse buraco soberbo, suave, redondo, acolhedor que tenho no meu cu... Sou uma puta e você é meu assassino: mata-me a punhaladas! E eu te estrangulo até que goze e sobre teu sêmen cresça a mandrágora... Sou uma cadela quente, uma porca banhada em lodo... Sou uma loba, uma leoa, um dragão surgido desde do fundo dos tempos... Sou um vampiro sedento!

(o homem deixa escapar um gemido)

Sou uma virgem, uma virgem imaculada... Nunca ninguém me fez carícias. Tenho medo, muito medo... Ai, senhor, cuidado... está me machucando... Sou toda negra e minha pele brilha e desliza entre suas mãos... Sou um sexo desconhecido que se revela na escuridão... Sou uma estranha que bate à sua porta no meio da noite: venha abrir. Boa noite, senhor, venho de muito longe... Porém eu não o conheço, nunca o vi antes... Bem, venha, entre, não, minha mulher não está... Sou casado, sim, faz muitos anos... Tire sua roupa, faz muito calor aqui... E então eu digo: eu sou a morte e venho para buscá-lo. Estás perdido. Por que abriu a porta? É perigoso abrir a porta para desconhecidos. Veja: sou sua mulher, sua mulher morta. A mulher que você assassinou.

Homem – Chega! Seu jogo não tem nada de divertido!

(longa pausa)

Agora vamos jogar como eu gosto... Estamos em casa eu e você: cada um faz seu próprio papel. Chega sua amiga Eleonora. Eu digo: está muito bonita hoje, Eleonora...

Mulher – Não.

Homem – Mas sim, é um jogo! Agora você faz o papel de Eleonora. Eu a ajudo a tirar o que a encobre... depois eu tiro sua roupa lentamente... eu lhe dou um beijo... aqui...

Mulher – Não.

Homem – … e depois... aqui... Eu a acaricio pouco a pouco seu peito... assim, em sua frente... e você nos olha...

Nenhum comentário:

Postar um comentário