quarta-feira, 17 de março de 2010

A terrível voz de Satã

Vozes desafinadas cantando em coro e
seres voando sobre o animal abatido pelo tiro de
misericórdia dado pelas costas e sem clemência.

Em tempos bicudos onde os bicudos não se beijam e onde o diálogo fica confuso, onde não se permite emitir opiniões, onde é pecado tantas coisas, onde os acólitos tem a palavra final, onde os seres tidos como superiores rastejam pelo chão implorando o perdão pelos pecados do mundo, onde o aqui não é mais e onde o não mais aqui está, vale como exercício de livre pensar - será que o pensamento é livre? - ler a versão em português de "A terrível voz de Satã", no instigante e provocador texto de Gregory Motton traduzido por Roberto Alvim.

"A terrível voz de Satã" são vozes dentro de vozes, seres fora de si e dentro de outros seres usurpando a voz da vez e em sua vez, usurpando a vez de quem cede a vez para não perder seu lugar e sua voz. Não é pura encenação. É emoção, vida e desatino. Desafio ao destino. Vozes desafinadas cantando em coro e seres voando sobre o animal abatido pelo tiro de misericórdia dado pelas costas e sem clemência.

Para quem aprendeu a ler o teatro contemporâneo através dos ensinamentos do próprio Alvim e para quem fez autônoma leitura e interpretação do livro do Ryngaert, vale ler com atenção o trecho que se segue.

Vale a pena - sempre vale a pena - ler e ouvir uma voz interna - a sua talvez - ou a que se avizinha e que se aninha pelos desvãos do tempo e na abóbada do espaço ainda não tingido pela cor fugidia do séquito de arcanjos e suas espadas impiedosas.

Leia com outra voz, não a sua, imprima a ela um tom angelical, não abstenha-se, porém, de pensar e louvar um dos principais discípulos de Jesus, nem se esqueça de invocar uma presença marcante por temível ser de imponente canto e porte, o grande imperador perdido nas areias do deserto do tempo. Junte a tudo isso um timbre de voz serena e concordante, uma voz potente de experiente mensageiro que se junta a horda dos que rezam pela cartilha dos cabritos que perderam sua voz e que, agora, não querem servir como bode expiatório no altar do mágico que comanda o espetáculo teatral.

Com vocês, uma pequena mostra do inferno nosso de cada dia santificado seja nosso pão que o diabo amassou com sua bunda, amém.

(...)

Pássaro Mágico

Tom Tom Doheny então você está aqui depois de tudo afinal sabe que estive esperando por você?

Quem é?

Eu sou o Pássaro Mágico que dança no seu sapato, eu sou a mulher com quem você vai se casar eu sou a pedra em sua sepultura também eles a chamam de lápide mas o que eles sabem? A pedra está em seu sapato agora me diga o que você faz aqui?

Não me pergunte vim pelas ambições da minha mãe

Pai e mãe você não precisa deles agora mande-os para o mar

Ninguém precisa deles agora pobres diabos pensar neles me dá um nó na garganta

Um nó? Espero que não seja câncer ouvi dizer que pode ser doloroso vamos me leva à igreja de São José eu quero rezar

Você já está nela senhor

De joelhos então agora o que vai pedir à Sua Reverência? Um novo emprego ou uma nova vida? Vamos ponha sua cabeça pra funcionar eu não tenho o dia todo

Deve ser um sonho

Se não gosta pode ir embora não estou aqui para dançar a sua música

Pare de voar fique parado

Não posso tenho que me mexer ou serei atingido pela luz foi a maldição que o Senhor das Alturas me rogou quando eu lhe disse o que pensava dele

Disse você disse?

Claro que disse quem você pensa que eu sou?

O que eu gostaria de ser corajoso e assustador

Você já é o que eu disse escutei de você

É verdade?

Não consegue encontrar ninguém para culpar? Vai ter que torcer seu próprio pescoço então

(...)

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